Acórdão nº 530/03.2TAPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Data15 Dezembro 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 594 FLS. 84.

Área Temática: .

Sumário: I.- Acto sexual de relevo é toda a acção que tenha uma conotação sexual e seja suficientemente ofensiva ou condicionante da liberdade e da autonomia sexual que cada um tem pleno direito a preservar e a desenvolver.

  1. No crime de abuso sexual de criança protege-se essencialmente a sexualidade durante a infância e o começo da adolescência, mediante a preservação de um adequado desenvolvimento sexual nestas fases de crescimento.

  2. Comete um crime de abuso sexual de criança aquele que, sabendo que a menor tem menos de 14 anos de idade, apalpa-lhe umas vezes os seios desta e, nas mesmas ocasiões ou noutras, pressiona a sua zona púbica (vagina), ainda que o faça por cima das cuecas.

  3. Os outros actos cometidos pelo mesmo agente, tais como a exibição do seu pénis à menor, a entrada no quarto desta quando a mesma estava semi-nua, que seria apenas com o soutien, surgindo como actos exibicionistas ou os empreendimentos fracassados de beijá-la, apalpar-lhe os seios ou deitar-se por cima dela, representando tentativas de desenvolver actos sexuais de relevo, tanto podem configurar estádios antecessores como desenvolverem-se no âmbito dos actos sexuais de relevo consumados, não evidenciando, por isso, uma relevância própria e autónoma em relação a estes últimos.

  4. Não existe uma diminuição considerável da culpa, justificadora do cometimento de um crime continuado de abuso sexual de criança, relativamente a quem, tendo passado a residir em união de facto com a mãe da menor e a co-habitar com a vítima, infrinja o grau de confiança inerente a essa convivência, pois essa circunstância deveria antes reforçar o respeito pela vítima, derivado da menoridade da mesma e de esta ser familiar da sua companheira, em vez de levar o agente a abusar sexualmente dessa menor.

  5. Entre a reforma de 1995 e a revisão de 2007 do Código Penal, os contactos com conotação sexual que não fossem exibicionistas e praticados com a vítima, seja adulta ou mesmo adolescente com mais de 14 anos de idade, fora do condicionalismo de uma relação de dependência, desde que não correspondessem a situações de coacção sexual ou de violação, não tinham qualquer relevância jurídico-penal.

  6. Realizando-se a audiência de julgamento e apesar de se ter considerado prescrito o direito de queixa, em virtude do mesmo ter sido deduzido extemporaneamente, nada obsta a que seja conhecido o pedido de indemnização cível cuja causa de pedir tenha como fundamento os factos integradores desse ilícito criminal.

    Reclamações: Decisão Texto Integral: Recurso n.º 530/03.2TAPVZ.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro.

    Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I.- RELATÓRIO.

    1. No PCC n.º 530/03.2TAPVZ.P1 do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Póvoa do Varzim, em que são: Recorrente/Arguido: B……………….

      Recorrido: Ministério Público.

      por acórdão de 2008/Nov./27, de fls. 403-429, o arguido foi condenado pela prática, como autor material e na forma continuada, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos art. 30.º, 163.º, n.º 1, por referência ao artigo 177.º, n.º 4, todos do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de dois anos, subordinada ao pagamento da indemnização cível à requerente C……………….

      Mais foi condenado a pagar a esta o montante de € 5.000 euros (cinco mil euros), a que acrescem os respectivos juros de mora vencidos desde a notificação para contestar e vincendos até integral pagamento, à taxa legal.

    2. - O arguido recorreu desta condenação pugnando pela revogação daquele acórdão e, em consequência, pela sua absolvição, ou então pela condenação de um crime de coacção sexual, na forma tentada, do art. 163.º, n.º 1, ou em alternativa pelo crime de actos exibicionistas do art. 171.º (antes da última reforma do Código Penal) ou do novo crime do art. 170.º (importunação sexual), apresentando, em suma, as seguintes conclusões: 1.ª) O recorrente impugna os factos elencados de III a XIII., XV., e XVII. a XX., que deveriam ter sido dados como não provados, face aos depoimentos da assistente e das testemunhas, atendendo às passagens supra referidas da gravação em CD dos respectivos depoimentos em audiência de julgamento, cuja indicação se dá aqui por integralmente reproduzida; 2.ª) As testemunhas chamadas pela acusação e ouvidas em audiência não presenciaram os factos, nem tiveram deles conhecimento directo ou indirecto enquanto estariam a ser cometidos, ou sequer suspeitaram que se passassem, apesar de serem pessoas próximas da assistente (e a própria mãe); 3.ª) Nos termos dos arts. 118.º, 128.º, n.º 1 e 125.º, a contrario, do Código de Processo Penal, é inadmissível, e nulo ou inexistente, o depoimento de testemunha inquirida sobre factos de que não possui conhecimento directo, não podendo tal depoimento ser tido em conta, como sucedeu, para reforçar o valor das afirmações da assistente; 4.ª) Resultam ainda dos depoimentos das testemunhas diversos elementos que não foram considerados pelo acórdão recorrido na motivação da decisão de facto, e que impunham uma decisão diversa; 5.ª) Ao invés do que entendeu o tribunal “a quo”, a assistente não fez uma «explicação pormenorizada, coerente e credível», susceptível de conduzir, por si só, à condenação do arguido, não sendo isento de contradições, que não foram tomadas em conta pelo tribunal recorrido; 6.ª) Alguns dos factos dados como provados no acórdão recorrido (III, IV, VI e VII) não foram sequer referidos pela assistente; 7.ª) E mesmo a valerem as palavras da assistente, sempre os factos V e VIII deveriam ser completados com as explicações que a assistente dá no seu depoimento, sobre a (pouca) intensidade e (mínima) duração do contacto entre ambos; 8.ª) Ao contrário do que entendeu o tribunal “a quo”, não cabe ao arguido carrear elementos que façam os juízes duvidarem da assistente, sob pena de se fazer incidir sobre ele um inaceitável ónus probatório; 9.ª) O exame pericial à personalidade do arguido não lhe diagnosticou qualquer anomalia ou perturbação psíquica que lhe atribuísse especial pendor para a prática dos factos de que veio pronunciado; 10.ª) De acordo com o princípio “in dubio pro reo” o arguido deveria ter sido absolvido da acusação e do pedido de indemnização civil; 11.ª) Muito embora o tribunal recorrido lhe chame «abuso sexual de crianças» parece que o crime pelo qual o arguido vem condenado é o que o tribunal identifica correctamente pelo artigo do Código Penal: coacção sexual, na forma de crime continuado, com a agravação relativa à vítima ser menor de 14 anos; 12.ª) A violência ou ameaça típicas da coacção sexual devem ser dirigidas a constranger a vítima de modo a possibilitar a prática de acto sexual de relevo; 13.ª) Mas no presente caso as agressões não teriam por fim constranger a assistente a sofrer um acto sexual contra sua vontade, não estariam funcionalmente ligadas à prática desse acto sexual; 14.ª) Quanto às ameaças, elas visavam impedir que a assistente «contasse alguma coisa à mãe». Desta forma, não visavam limitar a liberdade sexual da assistente, constrangendo-a a suportar acto sexual; 15.ª) Assim, não se encontra preenchido o tipo objectivo de ilícito do art. 163.º, n.º 1, ao mesmo tempo que se encontraria prescrito o direito de queixa correspondente ao crime de abuso sexual de crianças; 16.ª) O tribunal a quo não deu como provado que a assistente tivesse menos de 14 anos (ou qualquer outra idade) no momento da prática dos factos, pelo que não poderia ter condenado o arguido na agravação do art. 177.º, n.º 4; 17.ª) O acórdão recorrido não descreve em concreto que comportamento corresponde a «tentar apalpar»; 18.ª) Se o comportamento do arguido não produziu um resultado típico e se não se descrevem quaisquer actos de execução, bem se vê que ele não pode ser punido por este facto.

      1. ) Se isto sucede quanto ao último facto praticado pelo arguido, e a assistente não se lembra quando terá ocorrido o penúltimo, surge o problema da prescrição do direito de queixa: o exercício desse direito terá sido já intempestivo.

      2. ) Não é suficiente que se afirme que o arguido tocou o corpo da assistente para estarmos perante acto sexual de relevo, importa averiguar da intensidade e duração do contacto entre a mão do arguido e o corpo da assistente; 21.ª) Deve-se concluir que não houve acto sexual de relevo, e subsumir o comportamento do arguido à punição a título de tentativa, ou ao crime de actos exibicionistas do art. 171.º (antes da última reforma do Código Penal) ou do novo crime do art. 170.º (importunação sexual); 22.ª) Atendendo ao dano que a actuação do arguido seria capaz de causar, bem como às condições económicas deste, a indemnização fixada é exagerada; 23.ª) O acórdão recorrido violou ou não aplicou devidamente os arts. 21.º a 23.º, 163.º, n.º 1, 171.º, 177.º, n.º 4 do Código Penal, os arts. 118.º, 128.º, n.º 1 e 125.º do Código de Processo Penal e os arts. 483.º, 494.º e 496.º, n.º 3 do Código Civil; 24.ª) Deve ser reduzida para uma quantia justa a indemnização a que o recorrente foi condenado, atendendo às circunstâncias dos factos e à sua situação económica.

    3. A assistente respondeu em 2009/Fev./18, a fls. 464-476, sustentando a improcedência do recurso, porquanto e em suma: 1.ª) O recurso do arguido assenta numa selecção avulsa e descontextualizada de parte dos depoimentos da assistente e das testemunhas, com o propósito de gerar a dúvida e a absolvição; 2.ª) Não se verificam quaisquer contradições nos depoimentos, como se comprova pela audição dos mesmos, nas partes da gravação da audiência de julgamento supra referenciadas na motivação do presente recurso; 3.ª) O depoimento da testemunha D…………… foi corroborado pelas declarações da assistente, pelos depoimentos das demais testemunhas e pelos exames periciais à personalidade da segunda e...

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