Acórdão nº 0717/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A………., S.A, vem interpor o presente recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Sul, datado de 24.11.2016, que negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a acção administrativa comum movida pela ora Recorrente, contra o Município de Santiago do Cacém, na qual pedia a condenação deste Município, no pagamento da quantia de € 73.396,36, acrescida de juros vincendos desde a data da citação até integral pagamento pelo serviço que presta de recolha, tratamento e destino final de efluentes domésticos da cidade de Vila Nova de Santo André.

As alegações apresentadas pela A…………., S.A, culminam em conclusões do seguinte teor: 1.º A A………. vem pedir ao Tribunal que condene o Município ao pagamento da quantia peticionada, percorrendo, para efeitos de fundamentação de tal pedido, vários caminhos apresenta em relação de subsidiariedade.

  1. Estão reunidos os pressupostos previstos no n.° 1 do artigo 150.° do CPTA para a admissibilidade do presente recurso de revista, na medida em que é patente que as questões objeto do presente recurso de revista representam questões jurídicas que, pela sua relevância jurídica ou social, podem ser qualificadas como questões de importância fundamental, 3.º A demonstrar isto mesmo, releva verificar que o Supremo Tribunal Administrativo tem reconhecido a importância fundamental de tais questões e admitido recurso de revista sobre a matéria e tem vindo a sedimentar o entendimento contrário ao que é sustentado no Acórdão Recorrido.

  2. Seja como for, a verdade é que todos os recursos de revista interpostos até data pelos municípios de Sines e de Santiago do Cacém — nos quais são, no essencial, discutidas as mesmas questões jurídicas que no presente recurso — foram admitidos por esse Supremo Tribunal, impondo-se, pois, agora em que, pela primeira vez, é a A……….. a interpor um recurso de revista que tal recurso seja admitido, dando à A………. oportunidade idêntica à que tem sido reconhecida aos municípios de ver a decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul reapreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

  3. Não sendo a revista admitida será violado o direito à tutela jurisdicional efetiva consagrado artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, o princípio da igualdade de armas das partes no processo, extraível do princípio da igualdade, igualmente constitucionalmente consagrado no artigo 13.° da Constituição.

  4. A sentença recorrida não se pronuncia sobre as nulidades assacadas à decisão de 1.ª instância pela A……….. nas suas alegações de recurso, invocadas nas conclusões K) e O) do recurso interposto, razão pela qual o Acórdão recorrido é nulo nos termos nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, com fundamento em omissão de pronúncia.

  5. O Acórdão recorrido incorre ainda em nulidade, com fundamento em excesso de pronúncia (cfr. alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC), uma vez que reaprecia a decisão do tribunal de 1.ª instância de que existe uma relação contratual entre as partes (a A……….. e o Município), ainda que inválida, sendo certo que o objecto do recurso submetido ao Tribunal a quo não abrange essa matéria, a qual, de resto, já transitou em julgado; não tendo o Município interposto recurso subordinado, não podia o Tribunal a quo reapreciar a decisão de existência de uma relação contratual entre a A………… e o município, razão pela qual incorreu em excesso de pronúncia.

  6. Para além da nulidade com fundamento em excesso de pronúncia, o Acórdão Recorrido encerra uma contradição com os fundamentos de facto do mesmo Acórdão (cfr. alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CCP). Com efeito, salta à vista que a decisão do Tribunal a quo de que não há um acordo de vontades sequer tácitas e não há sequer uma relação contratual sem forma escrita e de que não está provado que o Réu fosse ou seja beneficiário ou utilizador dos serviços da autora está em manifesta oposição com a matéria de facto que a fundamenta, desde logo com os factos descritos nas alíneas J), L), e Z) do Acórdão Recorrido.

  7. Destes factos emerge, com bastante nitidez, a existência de uma relação contratual entre a A……… e o Município e que este tacitamente aceitou que aquela lhe prestasse serviços. É evidente, portanto, que, ao injetar na rede que integra o sistema gerido pela A…….., os efluentes domésticos, o município transfere para terceiro (a A……….) uma responsabilidade que, não fora a existência do sistema gerido pela A……….., seria sua (ao abrigo justamente das suas atribuições municipais em matéria de ambiente e saneamento básico).

  8. Mesmo que se considere que o Acórdão recorrido não enferma das nulidades que lhe são imputadas, a verdade é que deverá considerar-se que o mesmo ofende o caso julgado, ao decidir que não existe uma relação contratual entre a A……….. e o Município. Como se viu, no presente processo judicial, a existência de uma relação contratual entre o Município e a A……….. foi afirmada pelo tribunal de 1.ª instância, tendo a decisão proferida transitado em julgado nessa parte, já que tal decisão não foi judicialmente atacada pelo MUNICÍPIO, em sede de recurso subordinado, ao abrigo do artigo 633.° do CPC. Assim, porque quanto à existência de uma relação contratual entre os litigantes, se formou (por estar em causa uma decisão de mérito parcial), caso julgado material, a decisão recorrida viola o n.° 1 do artigo 619.° do CPC.

  9. No caso de esse Tribunal Superior vir a entender que não estão verificadas as nulidades invocadas, tem, pelo menos, de considerar errada a leitura que o Tribunal a quo faz da sentença de 1.ª instância, considerando ainda errada delimitação do objeto do recurso e do “thema decidedum”, assumindo que o Acórdão recorrido se encontra viciado nos seus próprios pressupostos e assim reforçando o caráter erróneo da decisão tomada.

  10. Com efeito, ao contrário do que pressupõe o Tribunal a quo o Tribunal Administrativo de Círculo considerou que existe uma relação contratual entre a A………. e o município. E, se nem a A.………, no recurso interposto, nem o município, interpondo recurso subordinado, submeteram a apreciação de qual questão ao Tribunal a quo, a mesma não pode ser por este apreciada, tendo formado caso julgado.

  11. Em qualquer caso, mesmo que assim não se entenda, o Acórdão recorrido deverá ser revogado na medida em que o Tribunal a quo erra na aplicação do Direito aos factos, incorrendo em diversos erros de julgamento.

  12. E erra quando decide - e esta é a decisão principal do Acórdão recorrido - que não existe sequer uma relação contratual entre a A………. e o Município. De acordo com os elementos factuais carreados ao processo, bem como com o enquadramento normativo relevante, entre a A……….. e o Municípios existe uma relação contratual. Erra o Tribunal quando entende que tal relação contratual não emerge da lei ou da vontade das partes (rectius, in casu, do Réu).

  13. A A……….. discorda, porém, do Tribunal Central Administrativo do Sul quanto a esta decisão, seja porque entende que a relação contratual entre as partes reveste fonte normativa, seja porque considera que foi demonstrado que o Município tacitamente aceitou a prestação do serviço pela Autora.

  14. Sendo o sistema gerido pela A………… um sistema multimunicipal, tal determina que os seus utilizadores sejam os Municípios. Pese embora da descrição, empreendida pelo Tribunal a quo, sobre o contexto normativo que envolve o presente litígio (cfr. alínea b) da página 20 do Acórdão Recorrido) se infira que o Tribunal a quo aceitou a qualificação do sistema gerido pela Autora como um sistema multimunicipal, a verdade é que o Tribunal a quo erra quando daí não retira as legais consequências devidas, para os efeitos da decisão tomada.

  15. Ao considerar que os utilizadores do sistema são os munícipes e não o Município, o Tribunal a quo erra na aplicação do Direito aos factos, violando o n.° 2 das bases III aprovadas pelos Decreto-Lei n.° 319/94, de 24 de dezembro, e Decreto- Lei n.° 162/96, de 4 de setembro e, bem assim, os artigos 1.º e 11.º do Decreto-Lei n.° 171/2001, de 25 de maio.

  16. Acresce que ao considerar que entre o município e a A………. não existe qualquer relação contratual, o Acórdão recorrido viola o n.° 3 do artigo 4.° do Decreto- Lei n.° 162/96, de 4 de setembro, estabelece que «articulação entre o sistema multimunicipal de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público explorado e gerido pela concessionária e o sistema correspondente de cada um dos municípios utilizadores será assegurada através de contratos a celebrar entre a concessionária e cada um dos municípios».

  17. Para além de tal construção violar normas legais, a mesma não é também coerente com os factos dados como provados nas alíneas J), L) e Z) do Acórdão recorrido.

  18. Para além disso, ao considerar que a relação contratual entre a A………… e o município não tem fonte legal, o Acórdão recorrido procede e uma errada aplicação do Direito aos factos, ignorando que a fonte do contrato é normativa e que os termos dessa relação contratual se encontram regulados, de forma quase esgotante, pelas normas legais aplicáveis, constantes do Decreto-Lei n.° 162/96, de 4 de setembro, e do Decreto-Lei n.° 171/2001, de 25 de maio (é o caso, designadamente, da obrigação de ligação do município ao sistema, das regras sobre medição e faturação, das regras sobre a fixação das tarifas). Destas regras decorre que o legisla dor não deixa aos municípios utilizadores outra alternativa que não a ligação ao sistema e a aquisição dos serviços prestados pela A……….

  19. Não pode, pois, aceitar-se a posição do Tribunal a quo de que a relação contratual entre a A………. e o Municípios não tem fonte legal, decisão esta que viola, pois, o disposto no artigo 11.º e o artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 171/2001, o Decreto-Lei n.° 162/96, de 4 de setembro, e o n.° 2 do artigo 2.° do Decreto-Lei...

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