Acórdão nº 938/09.0TXCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. PAULO GUERRA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO CRIMINAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 44º, 62º DO CP,193.º, N.º 2, 197.º, N.º2, 205.º, 213.º, N.º 1, 217.º, N.º 2, 215.º, N.º 8, 218.º, N.º 3, 276.º, N.º 1, E 306.º, N.º 1 DO CPP Sumário: 1. A liberdade condicional constitui uma medida de excepção que visa a suspensão do cumprimento da pena imposta, de molde a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, permitindo dessa forma que o recluso recobre o sentido de orientação social enfraquecido devido à reclusão.

  1. O regime de permanência na habitação prevista no art.º 44º do CP é uma pena substitutiva da prisão.

  2. O regime de permanência na habitação previsto no artigo 62º do CP é apenas uma forma de se chegar à liberdade condicional; 4. Não se pode aplicar a liberdade condicional, só pensada para as reais situações de reclusão prisional, ao regime de permanência na habitação do artigo 44º.

    Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO 1.

    No Processo Gracioso de Concessão de Liberdade Condicional n.º 938/09.0TXCBR do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, recorre o Ministério Público do despacho da Mmª Juíza, datado de 15 de Julho de 2009, que decidiu negar a apreciação da concessão da liberdade condicional ao arguido O,,,, porque, tendo o mesmo sido colocado, por despacho de 30/6/2009, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, é legalmente inadmissível e impossível de cumprimento, em tal situação, a dita liberdade condicional.

    2. O Ministério Público, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição): «1. Antes da última revisão do CP apenas a prisão carcerária podia ultrapassar os seis meses.

  3. O regime de semi-detenção ou prisão por dias livres não podia ter duração superior a seis meses.

  4. Não existia a pena de prisão domiciliária, cuja duração máxima pode ser superior a seis meses.

  5. A todas as formas de cumprimento de pena de prisão com uma duração superior a seis meses, tem de se aplicar o instituto da liberdade condicional.

  6. Não se vê a razão de ser de distinguir as diversas formas de cumprimento da pena de prisão para se concluir que apenas à prisão carcerária se aplica o instituto da liberdade condicional.

  7. Não existe qualquer norma que limite o direito de um qualquer preso condenado a mais de 6 meses de cadeia, a ver apreciada a sua libertação condicional.

  8. Não pode ser discriminado um preso condenado a pena de prisão superior a 6 meses por se encontrar em regime de prisão domiciliária.

  9. Não é licito restringir direitos individuais senão perante norma expressa que claramente os restrinja.

  10. Havendo dúvidas interpretativas nunca se deve deixar prevalecer uma interpretação restritiva dos direitos, liberdades e garantias individuais.

  11. Aquilo que no espírito da lei releva é a privação drástica do bem jurídico que é a liberdade, não apenas que esta privação resulte da cadeia.

  12. Foram violadas as normas dos artigos 61° do Código Penal e 484° do Código do Processo Penal e bem assim a norma do n° 2 do artigo 18° da Constituição Politica.

    Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e o douto despacho recorrido revogado, ordenando-se a apreciação da libertação condicional do recluso, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!» 2.

    O Juiz auxiliar do TEP de Coimbra sustentou, a fls 65 a 68, o despacho proferido, entendendo que não estão reunidos os pressupostos elencados no artigo 61º do Código Penal para a apreciação e concessão da liberdade condicional nem para a intervenção, nesta sede, do TEP.

    3.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunta deu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, seguindo em grande parte a argumentação do Ministério Público de 1ª instância, concluindo (em transcrição): «1. Acompanhamos, integralmente, a bem fundamentada posição do Ministério Público na 1ª instância na sua motivação de recurso, pelo que entendemos que o recurso merece provimento; 2. Assim, e para não repetirmos argumentos, apenas se aditará o seguinte: 3. O instituto da liberdade condicional constitui um incidente de execução da pena de prisão, “(...) que se justifica político-criminalmente à luz de finalidades preventivo-especiais de reintegração do agente na sociedade e do princípio da tutela de bens jurídicos”; 4. Os pressupostos — formais e materiais — de que depende a liberdade condicional são, para além do consentimento do condenado, que se encontre cumprido metade da pena e no mínimo seis meses (artigo 61°, corpo do n° 2), que seja fundamentadamente de esperar, atenta as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e evolução durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes [alínea a)] e que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e da paz social [alínea b), ambas do mesmo art° 61º n°2 do C.P.]; 5. Uma vez verificados esses pressupostos -- formais e materiais — de que a mesma depende, o tribunal tem o poder-dever de conceder a liberdade condicional.

  13. Ora, o regime de permanência na habitação, prevista pelo art° 44° do C.P, na redacção também introduzida pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, quer se considere como uma verdadeira pena de substituição, seja como uma forma de execução da pena de prisão, o que realmente releva é que se trata, tal como a pena de prisão, de uma medida detentiva, privativa da liberdade; 7. Com a única diferença, assim, a de que, enquanto esta é cumprida em estabelecimento prisional, a obrigação de permanência na habitação consiste na permanência na habitação do arguido ou de terceiro, mediante vigilância electrónica; 8. De todo o modo — como se disse — ambas as medidas são restritivas da liberdade do indivíduo, na manifestação do seu jus ambulandi, de modo que a obrigação de permanência na habitação se configura como uma verdadeira prisão domiciliária; 9. Tanto assim que, quando aplicadas como medida processual cautelar (art°s 198° e 202° do C.P.P.), ambas são descontadas por inteiro no cumprimento da pena (art° 80, n.° 1 do C.P.); 10. E estão sujeitas ao mesmo regime de reexame dos seus pressupostos (art° 213° do C.P.P.) e aos prazos máximos da sua duração (art°s 215° e 218° n° 3, do mesmo C.P.P.), sendo-lhe, igualmente, aplicável o regime de suspensão, em caso de doença e de libertação, por extinção da medida ou esgotamento dos respectivos prazos (art°s 216°, 217°, aplicáveis à obrigação de permanência na habitação, por força do art°218°, n.º 3 do C.P.P.); 11. E assim que, como bem refere a Digna magistrada recorrente, ubi lex non distinguit. nec nos distinguere debemus; 12. Pelo que não vislumbramos, por isso, qualquer razão para afastar do regime da concessão da liberdade condicional os condenados que, nos termos do art° 44° do C.P, se encontrem a cumprir pena no regime de obrigação de permanência na habitação; 13. Posto, que se verifiquem os demais pressupostos acima referidos, designadamente quando se formule um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade; 14. Acresce que, quando o condenado é sujeito ao regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, por efeitos da concessão da adaptação à liberdade condicional (art° 62° do C.P.), findo o período respectivo, sem que a mesma tenha sido revogada, o Juiz do TEP, após parecer do Ministério Público, tem, também, de avaliar as necessidades preventivas do caso com vista á concessão da liberdade condicional, seguindo os critérios gerais do art° 61º n°2 do C.P.; 15. Não sendo de convocar o Conselho Técnico do EP, desde logo porque o condenado já não se encontra submetido ao regime prisional; 16. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, sendo admissível a concessão da liberdade condicional a condenado que se encontra sujeito ao regime de permanência na habitação, nos termos do art° 44º, n° 1 do C.P., não se vêem, igualmente, que dificuldades práticas possam impedir a aplicação aos mesmos da liberdade condicional, verificados que sejam os seus pressupostos; 17. Dificuldades, todavia, que nunca poderiam fazer postergar a aplicação do regime da liberdade condicional, com restrição do direito à liberdade, protegido pelo art° 27° n° 1 da CRP; 18. E daí que, a interpretação do disposto no artigo 61° do Código Penal, conjugado com o artigo 484° do Código de Processo Penal, no sentido de a concessão da liberdade condicional não abranger os condenados sujeitos ao regime de obrigação de permanência na habitação, mediante vigilância electrónica, aplicada nos termos do art° 44°, n.° 1 do Código Penal, é inconstitucional, por violação do artigo 18°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguarda outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; 19. Inconstitucionalidade que foi, expressamente arguida pelo Ministério Público na instância, em conclusão da sua motivação de recurso (conclusão 11), e que, aqui, se reitera.

    Termos em que se entende, assim, que o recurso interposto pelo Ministério Público merece integral provimento».

    4.

    Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo...

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