Acórdão nº 647/04.6TBCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR.ª CECÍLIA AGANTE
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTºS 1205º E 1206º DO C. CIV.

Sumário: I – A doutrina e a jurisprudência dominantes qualificam o depósito bancário de dinheiro ou valores equivalentes como depósito irregular, sujeito às regras de depósito mercantil.

II – O artº 1206º C. Civ. estatui que ao depósito irregular se aplicam as normas relativas ao contrato de mútuo.

III – Porém, o contrato de depósito bancário supõe um outro que o antecede, o de abertura de conta, que postula elementos próprios de conta corrente, com a emissão contínua de extractos de conta e correspectivo saldo, por forma a que o cliente possa ser informado da contabilização.

IV – O contrato de abertura de conta (bancária) é tido como o negócio bancário nuclear, definido como um contrato outorgado entre o banqueiro e o cliente, mediante o qual ambos assumem deveres recíprocos no que concerne a diversas práticas bancárias, que decorrentemente podem desenvolver-se da sua celebração, sujeitando o banqueiro e o cliente a deveres de conduta decorrentes da boa f.

V – Tendo o banco, por erro informático, inserido no respectivo sistema bancário um depósito de € 124.000,00 na conta dos RR, assiste ao banco o direito de anular esse movimento, por meio de estorno.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório O A... , com sede em ...., demanda, na presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, B... e esposa, C... , residentes na ..., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a importância de 119.000,80 euros (cento e dezanove mil euros e oitenta cêntimos), acrescida dos juros de mora, contabilizados em 9.471,16 euros até 31 de Março de 2004, e os vincendos até integral pagamento.

Alega que, por erro informático, foi depositada na conta bancária de que os réus são titulares, na agência da ...., ...., no dia 19.10.2001, a quantia de 124.000,00 euros, que estes utilizaram em proveito próprio e que nunca pagaram, apesar de interpelados para o efeito.

Na contestação defendem-se os réus com a alegação de que tal quantia resultou da transferência de 20.000.000$00 para a sua conta, correspondente ao quinhão hereditário do réu por óbito de seu pai.

Pedem reciprocamente a condenação como litigantes de má-fé.

* Elaborado o despacho saneador, exarados os factos assentes e organizada a base instrutória, sem reclamações, e realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal responde à matéria de facto controvertida, sem reclamações.

Proferida sentença, são os réus condenados a pagar ao autor a quantia de 119.000,80 euros (cento e dezanove mil euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados a partir da citação, e, como litigantes de má fé, em oito UC.

Sentença de que recorrem os réus, formulando as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou os réus a pagar ao autor a quantia de 119.000,80 euros e, como litigantes de má-fé, em multa no valor de oito unidades de conta.

2. Do probatório da sentença recorrida resulta evidenciado que, por mero engano e lapso, a conta bancária dos réus (conta ordenado) foi creditada num valor significativamente superior ao descoberto em conta acordado, negociado e, portanto, autorizado.

3. Sendo a causa da transferência um lapso, um engano, o ressarcimento do A.....só poderá ocorrer pela via do enriquecimento sem causa e não, como foi peticionado, com fundamento no contrato da conta bancária.

4. O objectivo de alcançar decisões de mérito pode legitimar o julgador a afastar questões formais, mas tal não pode ser feito em violação do estruturante princípio do dispositivo e dos ónus que incumbem às partes, designadamente o de explicar a causa de pedir e o pedido ou alterá-los de acordo com o decurso da instância. 5. A condenação dos réus como litigantes de má-fé (má-fé material) não pode basear-se apenas no facto de estes não terem conseguido provar na totalidade o que constava do ponto 5º da base instrutória. 6. O comportamento e conduta dos réus na lide não é de molde a permitir tal condenação, que se afigura desproporcionada e injusta.

7. A sentença recorrida violou por deficiente interpretação os artigos 264º e 457º do CPC e o artigo 473º e ss do Código Civil.

Assim defende a procedência do recurso, substituindo-se a sentença recorrida por outra que julgue a acção improcedente, com as devidas e legais consequências.

* Contra-alega o autor com a adução de que a tardia invocação dos réus do inadequado fundamento jurídico apresentado para a sua pretensão constitui uma questão nova, que não pode ser conhecida por via recursiva.

* Delimitado o objecto de recurso em função do normativizado nos artigos 684º e 690º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto, cumpre aferir da causa de pedir da acção e do fundamento jurídico ajustado para a formulada pretensão jurisdicional do autor de reaver a quantia pecuniária que, por lapso informático, depositou na conta bancária de que os réus são titulares, quantia que estes levantaram e se recusam a dar-lhe pagamento, bem como da litigância de má fé dos demandados.

* II. Fundamentação de Facto 1. Os réus são titulares da conta nº 210/32042/000.0, da agência do A .... da .... – .....

  1. Tal conta veio a ser movimentada pelos réus, através de lançamentos a crédito e a débito.

  2. Em 9.11.2001 foi creditado na conta dos réus a quantia de 104.477,94 euros, quantia esta já gasta por estes.

  3. No dia 28.05.2000 faleceu o pai do réu marido, Sr. D... .

  4. Em 19 de Setembro de 2002, a referida conta bancária apresentou um saldo devedor ou negativo de 119.000,80 euros.

  5. O réu marido foi contactado no sentido de os réus procederem ao pagamento de tal débito.

  6. A referida conta bancária foi aberta para nela ser depositado o ordenado do réu marido que auferia, e aufere, na qualidade de funcionário da E... no hipermercado F... da .... e...

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