Acórdão nº 2137/04.8TBMTS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Data15 Dezembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - A absoluta falta de gravação da audiência final, apesar de tal gravação ter sido requerida, por ambas as partes, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 512.º do CPC, produz uma nulidade, pois a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa – art. 201.º, n.º 1, do CPC –, impossibilitando qualquer das partes de impugnar a decisão sobre a matéria de facto – cf. arts. 690.º-A e 712.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC.

II - Tendo o mandatário judicial do autor estado presente nas sessões de julgamento em que foi cometida a nulidade, teria, inevitavelmente, de arguir a nulidade da falta de gravação da audiência até ser dada por finda a audiência final de julgamento, o que não sucedeu.

III - Assim, ficou sanada a nulidade, pelo que não poderia nunca o recorrente vir depois, em alegações apresentadas no recurso de apelação, interposto da sentença proferida na 1.ª instância, arguir tal nulidade, pois ficou precludido o seu direito à arguição dessa mesma nulidade – cf. art. 205.º, n.º 1, do CPC.

IV - Mesmo que se admitisse que a nulidade se não encontrava sanada, aceitando-se que o advogado só se apercebeu da falta absoluta de gravação da audiência aquando da necessidade de proceder à audição da gravação para impugnação da matéria de facto, a atitude do autor não deveria ser arguir a nulidade nas alegações do seu recurso; deveria, antes, vir arguir a nulidade através do competente requerimento e, depois, a ser indeferida a arguição, interpor recurso de agravo de tal despacho.

V - Concluindo, a nulidade cometida encontra-se definitivamente sanada, sendo certo que a situação não tem qualquer similitude com o caso previsto no art. 9.º do DL n.º 39/95, de 15-02, em que se trata, não de uma falta absoluta de gravação, mas de anomalias ocorridas na gravação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos (com tramitação posterior no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde, após ter sido declarada a incompetência territorial daquele tribunal), AA, em acção com processo ordinário, para efectivação da responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, intentada contra BB, Companhia de Seguros, S.A. (agora, Companhia de Seguros T…, S.A.), pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia global de € 92.562,50, acrescida de juros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em acidente de viação ocorrido no dia 18 de Dezembro de 2002, cerca das 11.30 horas, na freguesia de Lage, do concelho de Vila Verde, em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula …-…-HF, conduzido por CC e segurado na Ré, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …-…-CP, conduzido por pessoa que se desconhece, e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula RC-…-…, conduzido pelo aqui Autor.

Na sua contestação, a Ré, além de excepcionar a incompetência territorial do tribunal, defendeu que a acção seja julgada em função da prova a produzir em audiência de julgamento.

Declarado o Tribunal de Matosinhos territorialmente incompetente para o julgamento da presente causa, foram os autos remetidos ao Tribunal Judicial de Vila Verde, considerado competente para o efeito.

Neste último Tribunal, foi proferido o despacho saneador, foi declarada a matéria de facto assente e foi elaborada a base instrutória.

Ao abrigo do disposto no artigo 512º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), Autor e Ré requereram a gravação da audiência final.

Em 22.01.2007, data designada para a audiência de julgamento, o Senhor Juiz, com a presença dos Exmºs Mandatários das partes, depois de ter procedido a um aditamento à base instrutória, passou a ouvir as testemunhas.

Foram, então, inquiridas a toda a matéria as testemunhas M… da C… S… N… C… e F… B… P…, arroladas pelo Autor, tendo esta segunda testemunha, presente no Tribunal Judicial de Matosinhos, sido ouvida por videoconferência, após o que o Senhor Juiz proferiu o seguinte despacho: “Uma vez que não se encontra presente o Sr. Perito e atenta a posição assumida pelo ilustre mandatário da ré, declaro suspensa a presente audiência de julgamento, designando para sua continuação o próximo dia 15 de Março de 2007, pelas 14.30 horas.

Notifique, sendo o Sr. Perito numa das moradas referidas a fls. 234”.

Como se depreende da respectiva acta (cfr. fls. 237 a 239), nada ficou consignado sobre a gravação da audiência.

Depois de diversos adiamentos, procedeu-se à continuação da audiência de julgamento em 11.04.2008, com a presença dos Exmºs Advogados das partes, tendo, por videoconferência, nas Varas Cíveis do Porto, o perito Dr. A… M… prestado todos os esclarecimentos que lhe foram solicitados, após o que foi dada a palavra aos ilustres mandatários para alegações orais, findas as quais o Senhor Juiz designou o dia 18 de Abril, pelas 14h30m, “para leitura da resposta à matéria de facto controvertida, declarando encerrada a presente audiência”.

Igualmente como decorre da correspondente acta (cfr. fls. 336), nada foi registado sobre gravação da audiência.

Em 18.04.2008, tendo em conta a ausência dos Senhores Advogados, o Senhor Juiz procedeu “à entrega da Resposta aos Quesitos na respectiva secção de processos” (cfr. acta de fls. 341).

Em 21.04.2008, foi proferida a sentença de fls. 342 a 348, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condenada “a pagar ao A. a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral reembolso” (tendo-se fixado em € 22.500,00 o valor da indemnização, deduziu-se a quantia de € 5.000,00 já entregue pela Ré ao Autor).

Por cartas registadas de 22.04.2008, foram os Exmºs Advogados das partes notificados da sentença, tendo o Autor, por requerimento de 02.05.2008, e a Ré, por requerimento de 08.05.2008, dela interposto recurso de apelação, tendo sido proferido despacho a admitir ambos os recursos (apesar de o Senhor Juiz aludir apenas a “recurso”, depreende-se que se reportou a ambos os recursos).

Os Senhores Advogados foram notificados do despacho de admissão de recurso por cartas registadas remetidas em 13.05.2008.

Em 16.06.2008, o Autor apresentou as suas alegações e respectivas conclusões, pedindo o Autor que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que decida, em via principal, a renovação dos depoimentos das testemunhas do recorrente, com gravação desses depoimentos, ou, em alternativa, que se julgue a acção totalmente procedente, e pedindo a Ré que se reduza de € 22.500,00 para € 7.500,00 o montante correspondente à indemnização por danos não patrimoniais (só a este título se arbitrou indemnização).

Foi proferido, no Tribunal da Relação de Guimarães, acórdão, nos termos do qual se decidiu julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e procedente o recurso de apelação interposto pela Ré, revogando-se parcialmente a sentença, reduzindo-se de € 22.500,00 para € 7.500,00 o valor da indemnização.

Inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.

O recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª – Autor e Ré requereram no devido tempo a gravação da audiência final, nos termos do artº 512º/nº 1, do Código de Processo Civil.

  1. – Contudo, o registo dos depoimentos prestados na audiência final não se encontra gravado.

  2. – A falta de gravação é susceptível de produzir nulidade por poder influir na decisão da causa, sendo certo que o Juiz, na decisão da matéria de facto do caso concreto, se baseou nos depoimentos das testemunhas que foram inquiridas.

  3. – Assim, tal nulidade, tendo sido tempestivamente arguida, acarreta a anulação, quer do acto de inquirição das testemunhas arroladas, quer da decisão de facto com base nos respectivos depoimentos proferida, quer da decisão final.

  4. – A falta de gravação da prova importa unicamente a anulação do(s) depoimento(s) que não tenha(m) sido gravado(s) e não propriamente a anulação do julgamento.

  5. – Tal desiderato resulta precisamente da 2ª parte do nº 2 do artº 201º do CPC, já que a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.

  6. – O mesmo regime está estatuído no artº 9º do Dec.-Lei 39/95, segundo o qual, verificando-se ter sido omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade.

  7. – O que se exigia ao Advogado foi aquilo que ele fez, requerendo a gravação da audiência final.

  8. – O Advogado confia, pressupõe que a gravação é feita de forma adequada, sem imperfeições ou defeitos, na medida em que, conforme resulta dos arts. 4º a 6º do Dec.-Lei 39/95, a gravação é monitorizada por um funcionário judicial, que deve zelar pela observância de todos os requisitos de ordem técnica conducentes a um registo sonoro que permita a posterior reprodução e eventual transcrição dos depoimentos prestados, a fim de obviar à repetição da prova produzida, nos termos do artº 9º do mesmo diploma.

  9. – Se a lei obriga, ao funcionário que monitorize tal gravação, que zele pela observância de todos os requisitos de ordem técnica conducentes a um registo sonoro que permita a posterior reprodução e eventual transcrição dos depoimentos prestados, não se entende que o Douto Acórdão sob recurso pretenda que tal tarefa deva ser incumbida ao Advogado.

  10. – É excessivo exigir-se ao Advogado que vigie e fiscalize os actos dos senhores funcionários, e estamos convictos que abre um grave precedente que vai obrigar, no futuro, ao Advogado a vigiar e fiscalizar a distribuição do processo, se as moradas constantes das notificações feitas pela secretaria estão correctas, se os processos são conclusos ao Juiz dentro do prazo legal, etc..

  11. – Não tendo sido apenas o...

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