Acórdão nº 7843/10.5TAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | MARIA MANUELA PAUP |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo número 7843/10.5TAVNG.P1 Acordam, em conferência, na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório Nestes autos de instrução que correram termos pelo 1º Juízo de Instrução Criminal do Porto, foi proferida decisão de não pronúncia do arguido B….
Inconformado com essa decisão veio o assistente dela interpor recurso, com os fundamentos que constam de folhas 443 a 486 dos autos, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos concluindo pela forma seguinte: (transcrição) “I- Os presentes autos contêm indícios suficientes de que o recorrido incorreu na prática de um crime de frustração de créditos, p. e p., pelo art°.227°-A do Cód. Penal.
II Tais indícios resultam dos seguintes elementos: - a queixa crime deu entrada em 26 de Outubro de 2010 — cfr. fls.2 dos autos, tendo a sociedade C…, Lda. sido dissolvida em por decisão transitada em julgado em 29 de Outubro de 2009, sendo por isso impossível apresentar denúncia contra a mesma; - o recorrido foi sócio-gerente da sociedade C…, Lda. desde a data da sua constituição até à data da sua dissolução e liquidação; - o recorrente intentou acção judicial contra a sociedade C…, Lda. com vista à cobrança dos seus créditos laborais — cfr. fls.172 e segs. dos autos -; - a acção supra referida terminou por acordo que foi homologado por douta sentença, a qual não foi cumprida pela sociedade C…, Lda., tendo o recorrente intentado a competente execução para cobrança coerciva do seu crédito reconhecido por sentença judicial — cfr. fls.179 e segs. dos autos-; - a execução acima mencionada foi intentada em 22 de Fevereiro de 2002 —cfr. fls. 180 dos autos-; - entre 5 de Setembro de 2001 e 30 de Novembro de 2006 a sociedade C…, Lda. recebeu da sociedade D…, Limitada, o montante de Esc.60.000.000$00 ( sessenta milhões de escudos ), a que corresponde o contravalor de € 299.278,73 (duzentos e noventa e nove mil duzentos e setenta e oito euros e setenta e três cêntimos ) — cfr. fis. 22 a 47 e 123 e 124 dos autos; - o recorrente, enquanto sócio-gerente da sociedade C…, Lda., deixou de cumprir as obrigações fiscais a partir de 2000 — cfr. fls.293 dos autos; - foram levantados ou depositados em contas pessoais do recorrido ou de familiares deste sedeadas no E…, vinte e três cheques, no valor global de € 122.205,72 (cento e vinte e dois mil duzentos e cinco euros e setenta e dois cêntimos ), valor esse que era pertença da sociedade C…, Lda., que era a entidade patronal do assistente— cfr. fls.336 a 363 e 402 e segs. dos autos —; - na conta pessoal do recorrido sedeada no E… — conta n°. n°…………..
, foram depositados cinco cheques, num total de € 14.548,30 ( catorze mil quinhentos e quarenta e oito euros e trinta cêntimos ) — cfr. fls. 358 e segs. dos autos -; - na conta pessoal do recorrido sedeada F…, com o n°……….. domiciliada na Agência … foram depositados vinte cheques, no valor total de € 58.193,20 (cinquenta e oito mil cento e noventa e três euros e vinte cêntimos ) - cfr. fls.386 dos autos -; - a instâncias do Meritíssimo Juiz do 2° Juízo do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, proc. n°339-A/2001, em que o recorrente foi exequente, a recorrido informou o tribunal de que “o dinheiro que recebeu do trespasse foi todo entregue à F…, ao senhorio do estabelecimento, bem como a fornecedores (por variadíssimas dívidas existentes), à executada não lhe restou qualquer quantia do referido trespasse.” — cfr. fis. 181 e 182 dos autos.
III Perante a existência dos aludidos elementos, o Meritíssimo Tribunal a quo deveria ter pronunciado o recorrido pela prática de um crime de frustração de créditos, p. e p., pelo art°.227°-A do Cód. Penal.
IV Ao não entender assim, violou a douta decisão recorrida o disposto no art°.227°-A do Cód. Penal e também o disposto no art°.308°, n°1, do Cód. Proc. Penal.
V Nos presentes autos foram também apurados elementos factuais passíveis de consubstanciar indícios suficientes de que o recorrido praticou um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art°.205, n°4, alínea b) e n°5, do Código Penal.
VI Os aludidos indícios resultam dos seguintes elementos: - não cumprimento as obrigações fiscais a partir de 2000 — cfr.
fls.293 dos autos; - não apresentação à insolvência no prazo previsto no art°. 18° do CIRE ( o recorrido sempre soube que o crédito do recorrente era certo, líquido e exigível e não estava pago — cfr. fis. 181 e 182 dos autos); - não ter mantido qualquer tipo de contabilidade organizada desde a data do trespasse — cfr. fls.123 e 124 dos autos; - o recorrido ter informado, a instâncias do Meritíssimo Juiz do 2° Juízo do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, proc. n°339-A/2001, em que o recorrente foi exequente, que “o dinheiro que recebeu do trespasse foi todo entregue à F…, ao senhorio do estabelecimento, bem como a fornecedores (por variadíssimas dívidas existentes), à executada não lhe restou qualquer quantia do referido trespasse.” — cfr. fis. 181 e 182 dos autos — sabendo que tal informação nunca poderia ser confirmada por virtude de inexistir a contabilidade da sociedade C…, Lda.; - o recorrido ter levantado ou depositado em suas contas pessoais, ou de familiares, no E…, vinte e três cheques, no valor global de € 122.205,72 ( cento e vinte e dois mil duzentos e cinco euros e setenta e dois cêntimos ), valor esse que era pertença da sociedade C…, Lda., que era a entidade patronal do assistente—cfr.fls.336 a 363 e 402 e segs. dos autos—; - o recorrido ter depositado na sua conta pessoal sedeada no E… — conta n° ………….., foram depositados cinco cheques, num total de € 14.548,30 (catorze mil quinhentos e quarenta e oito euros e trinta cêntimos ) — cfr. fls. 358 e segs. dos autos -; - o recorrido ter depositado na sua conta pessoal sedeada F…, com o n°……….. domiciliada na Agência … foram depositados vinte cheques, no valor total de € 58.193,20 (cinquenta e oito mil cento e noventa e três euros e vinte cêntimos) - cfr. fis.386 dos autos -.
VII Perante a existência dos aludidos elementos, o Meritíssimo Tribunal a quo deveria ter pronunciado o recorrido pela prática de um crime de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art°.205, n°4, alínea b) e n°5, do Código Penal.
IV Ao não entender assim, violou a douta decisão recorrida o disposto no art°.205, n°4, alínea b) e n°5, do Código Penal e também o disposto no art°.308°, n°1, do Cód. Proc. Penal.» A este recurso responderam o Ministério Público (folhas 493 a 500) e o arguido (folhas 501 a 517), ambos concluindo pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido.
A folhas 537 dos autos, a Senhor Juíza de Instrução manteve o decidido.
Neste Tribunal a senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu Parecer concordante com o do Ministério Público junto da 1ª instância.
Cumprido o preceituado no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal nada veio a ser acrescentado nos autos.
Colhidos os Vistos foram os autos submetidos a conferência.
II) – Fundamentação: É do seguinte teor a decisão recorrida: (transcrição) “Inconformado com o arquivamento, veio o assistente requerer abertura de Instrução, alegando, em síntese, que o arguido deve ser pronunciado pela prática dos crimes de abuso de confiança e frustração de créditos.
Arrolou prova que foi produzida, em observância aos procedimentos legais, inexistindo qualquer ilegalidade na sua obtenção.
Procedeu-se a Debate Instrutório, com observância do legal ritualismo.
Cumpre decidir.
Analisemos o tipo legal abuso de confiança: São elementos típicos do crime de abuso de confiança: a) a entrega ao agente, por título não translativo de propriedade, de coisa móvel, por parte do proprietário ou legítimo detentor desta, entrega essa livre e válida, em virtude de uma relação fiduciária entre o agente e o dono ou detentor da coisa, que constitua aquele na obrigação de afectar a coisa móvel, que lhe foi entregue materialmente ou colocada sob a sua disponibilidade, a um uso determinado ou na obrigação de a restituir; b) a posterior apropriação da coisa móvel pelo agente, contra a vontade do proprietário ou legítimo detentor desta, através da prática de actos que exprimem a inversão do título de posse, isto é, que revelem ter o agente passado a dispor da coisa ut dominus, com animus rem sibi habendi, integrando-a no seu património; c) o conhecimento pelo agente dos elementos descritos sob as als. a) e b) e a vontade de realizar o referido sob a al. b) ou a consciência de que da conduta resulta a sua realização como consequência necessária ou como consequência possível e conformando-se, neste último caso, com o resultado.
O crime de abuso de confiança é de natureza dolosa – neste sentido, entre outros, o AC da RE, de 17/03/87, BMJ, 366/580.
O seu elemento típico subjectivo – o dolo -, consubstancia-se em o agente saber que o objecto material do crime se encontra em seu poder por título que implica a obrigação de restituir ou apresentar esse objecto, ou o valor equivalente, e em querer descaminhá-lo ou dissipá-lo em prejuízo ou possibilidade de prejuízo para o seu proprietário, possuidor ou detentor e dispondo desse objecto como se fosse proprietário”. – cfr., o AC do STJ, de 24/06/92, Proc. n.º 42857.
Tanto a jurisprudência como a melhor doutrina confluem na afirmação de que, a consumação do crime de abuso de confiança tem lugar com a apropriação da coisa entregue, passando o agente a actuar em relação a ela animo domini. Mas, tal como em relação a todo o facto do foro psicológico, e portanto interior, concluímos pela existência dele a partir de comportamentos objectivos que o revelem (assim, entre outros, Ac. do STJ de 12-01-1994, Proc. n.º 45894 -3.ª).
No crime de abuso de confiança, o intuito de apropriação, enquanto elemento do tipo objectivo de ilícito, há-de exteriorizar-se através de um comportamento que inequivocamente o revele: o agente que recebera a coisa móvel uti...
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