Acórdão nº 1036-A/2002.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução15 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.

Recurso de Apelação.

Processo n.º 1036-A/2002 do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira – 3.º Juízo Cível.

*Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.

  1. Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.

  2. Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.

*Sumário: I – Se ao preparar a elaboração da sentença o juiz se aperceber que a solução do caso passa por uma construção jurídica que as partes não debateram até ao momento, nem podiam contar com ela, o juiz, ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 3.º do Código de Processo Civil, deve interromper a elaboração da sentença e proferir um despacho a alertar para essa construção jurídica convidando as partes a pronunciarem-se, querendo, sobre ela e só mais tarde, noutro momento processual, elaborará a sentença.

II – Porém se o juiz proferir a sentença sem antes notificar as partes nos termos referidos, tal omissão não gera a nulidade da sentença posteriormente proferida (artigo 615.º do Código de Processo Civil).

III – O ónus da prova quanto ao «justificado interesse» próprio da sociedade garante em relação à garantia prestada, mencionado no n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, recai sobre o credor beneficiário da garantia.

IV – O credor beneficiário da garantia cumpre com tal ónus se provar que o dinheiro que mutuou à sociedade devedora foi também utilizado, em parte, para pagar dívidas da sociedade que prestou a garantia, ainda que não prove o montante exacto.

*Recorrente…………………B…, Lda., com sede em …, …, ….-… Lourosa.

Recorrido...…………………C…, S.

A., com sede em …, …-…, ….-… Porto.

*I. Relatório.

  1. O Banco exequente, ora recorrido, instaurou execução contra a Recorrente B…, Lda., e ainda contra a sociedade D…, Lda., E… e F…, sendo estes dois últimos os únicos sócios e gerentes de ambas as sociedades mencionadas.

    O Banco pretende com a execução obter o pagamento de uma dívida contraída pela sociedade D…, perante si, em 30 de Dezembro de 1997, através de contrato de mútuo, no montante de 40.000.000$00, tendo a sociedade recorrente B… constituído, na escritura pública relativa ao aludido mútuo, uma hipoteca a favor do Banco para garantir o pagamento da dívida então contraída pela sociedade D….

    Os embargos deduzidos pela recorrente B… fundaram-se, entre outras razões já não pertinentes em sede de recurso, no facto da hipoteca constituída a favor do Banco ser nula, no entendimento dos embargantes, por força do disposto no n.º 3, do artigo 6.º, do Código das Sociedades Comerciais, disposição onde se dispõe que se considera «…contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo».

    A sentença não acolheu este entendimento e julgou os embargos improcedentes.

    b) É desta decisão que a embargante recorre, tendo, no final das alegações, formulado as seguintes conclusões: «a) […].

    b) O artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais prescreve o seguinte: “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tal a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras”.

    c) Nessa medida, conforme doutamente refere a sentença recorrida, e nessa parte acompanhamos na plenitude, “Uma sociedade comercial é um ente autónomo, dotado de personalidade própria, que na aparência das coisas não se confunde com os seus membros nem com outros entes congéneres”; d) O artigo 2.º do Código das Sociedades Comerciais estatui o seguinte: “Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adoptada”; e) Apesar da necessidade do recurso ao instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, em concretos casos, a verdade é que, tal figura terá imperiosamente que ter um carácter subsidiário, só devendo ser invocado na falta de qualquer outro fundamento legal; f) Ora, na douta decisão recorrida afastou-se claramente a regra legal prevista no artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais, segundo a qual uma Sociedade comercial é um ente autónomo dotado de personalidade jurídica, ao considerar-se que a sociedade recorrente e a sociedade D…, Lda. são uma só entidade; g) Sucede que a embargada C…, S.A., não aludiu de forma directa ou indirecta à figura da Desconsideração da Personalidade Jurídica, por exemplo, alegando que o prédio objecto da garantia hipotecária prestada pela recorrente foi inscrito a seu favor por algum modo ou objectivo fraudulento, para de seguida ser dado de hipoteca à recorrida e, mais tarde, poder ser invocada alguma razão objectiva de invalidade do negócio; h) A verdade é que, o prédio dado de hipoteca sempre foi da sociedade recorrente; i) Nestes termos, com o devido respeito, que muito é, não vislumbramos uma utilização abusiva da personalidade jurídica da recorrente para dar de hipoteca à recorrida o prédio em crise nos presentes autos; j) Estamos em crer, por isso, que o princípio a autonomia da personalidade jurídica das sociedades comerciais inscrito no artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais só poderia ser afastado, por via do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, no caso de concreta utilização ilícita daquela personalidade colectiva e que, no caso aqui em crise, não sucedeu; k) Nestes termos, não tendo sido invocados fundamentos que autorizem concluir pelo aproveitamento abusivo da personalidade jurídica, não é possível a sua desconsideração pura e simples, só porque os sócios das sociedades são os mesmo e o objecto social se confunde; I) Portanto, a sempre douta decisão recorrida não poderia ter afastado da aplicação o n.º 3 do artigo 6.º pela via do Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica e, assim, decidindo como decidiu violou aquele preceito como também o artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais; m) Acresce que, douta sentença em crise é nula por violação do Princípio do Contraditório; n) O Digníssimo Tribunal a quo ao invocar a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica para fundamentar a douta sentença recorrida decidiu de forma inesperada; o) Ora, como já disse, em momento algum a sociedade recorrida alegou a utilização ilícita e/ou abusiva da personalidade jurídica da recorrente, com o intuito de a prejudicar, por via de conduta contrária a normas ou princípios gerais; p) Ainda que a embargada/recorrida tivesse alegado a utilização ilícita e/ou abusiva da personalidade jurídica da recorrente, com o intuito de a prejudicar, o que não se concede e se coloca por mera hipótese de raciocínio, a fundamentação jurídica da sempre douta sentença recorrida ao interpretar o pedido formulado pela recorrida/embargante – Devem os presentes autos ser julgados não provados e improcedentes com as necessários consequências legais - como um pedido de Desconsideração da Personalidade Jurídica, Sem que aos recorrentes fosse dada oportunidade de exercerem o contraditório nessa questão jurídica, colheu-os de surpresa; q) Embora o Tribunal a quo não esteja vinculado à qualificação jurídica levada aos autos pelas partes, para decidir como decidiu, sempre deveria ter dado cumprimento ao artigo 3.º do Código de Processo Civil, o que não sucedeu; r) A douta decisão recorrida, ao lançar mão do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica para concluir que a recorrente e a sociedade D…, Lda., são uma só entidade, contem em si mesma, um juízo de abuso daquela personalidade; s) Tal abuso nunca foi discutido nos presentes autos; t) E ainda que, por mera hipótese de raciocínio, os patrimónios se confundam, os sócios sejam os mesmos e o objecto social semelhante tal não é, por si, só uma actuação ilegal e/ou abusiva e são inúmeras as sociedades na esfera jurídica portuguesa nessas condições, isto é, os mesmos sócios com património e objecto social confundíveis; u) Em suma, o Digníssimo Tribunal recorrido decidiu sem que tenha sido alegado o abuso da personalidade jurídica por prática de comportamento abusivo e/ou ilícito daquele personalidade, estribou-se num pedido não efectuado pela recorrida e nem sequer deu à recorrente, em consonância com o Princípio do Contraditório, a possibilidade de se pronunciar quanto a essa decisão; v) Nestes termos, a sempre douta sentença é nula violação do Princípio do Contraditório configurando uma decisão surpresa, o que desde já se invoca para os devidos efeitos.

  2. Além do mais, não concorda a recorrente que tenha tido algum interesse ou conveniência com a prestação da garantia hipotecária ou que sobre ela impendesse ónus da prova sobre aquele dito interesse ou conveniência; x) O fim das sociedades comerciais é o lucro, e é esse, o sentido inscrito no preceito “fim” do n.º 1 do artigo 6.º do Código das Sociedades comerciais: Y) Infere o Digníssimo Tribunal a quo do facto dado como provado de que «aquando da solicitação do empréstimo referiam que o mesmo, pelo menos em parte, destinava-se ao pagamento das dívidas da “B…” que tal era do interesse da sociedade; z) Com o devido respeito, não pode concluir-se daquele facto provado que a prestação da garantia hipotecária tenha sido de interesse da Sociedade “B…”; a

  3. Levados mais uma vez ao princípio da autonomia da personalidade jurídica das sociedades previsto no artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais, os sócios e a sociedade são pessoas juridicamente distintas; bb) Uma coisa é a personalidade jurídica dos sócios outra é a personalidade Jurídica da sociedade; cc) E nem sempre os...

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