Acórdão nº 683/11.6GCSTS.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução10 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 683/11.6 GCSTS.P2 Recurso penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 683/11.6 GCSTS, corre termos pelo 1.º Juízo de Competência Criminal da Comarca de Santo Tirso, B…, melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento, por tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.

C… deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença, datada de 11.03.2013 (fls. 216 e segs.), com o seguinte dispositivo.

“Pelo exposto, julgo procedente a acusação pública e, em consequência:

  1. Condeno o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5, o que perfaz um total de € 250; b) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido e, em consequência, condeno o arguido no pagamento do montante de € 350, acrescido de juros à taxa legal a contar da sua notificação deste pedido cível, absolvendo-o quanto ao demais peticionado”.

    Dessa sentença interpôs o arguido recurso para esta Relação que, por acórdão de 30.10.2013 (fls. 283 e segs.) julgou-o procedente, anulando a decisão condenatória e determinando a elaboração de nova sentença sem o vício que se lhe apontava (insuficiência de fundamentação, por falta de exame crítico da prova).

    Em cumprimento do ordenado, foi proferida nova sentença, datada de 27.01.2014 e depositada em 30.01.2014, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo procedente a acusação pública e, em consequência:

  2. Condeno o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 45 dias de multa à taxa diária de € 5, o que perfaz um total de € 225; b) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido e, em consequência, condeno o arguido no pagamento do montante de € 300, acrescido de juros à taxa legal a contar da sua notificação deste pedido cível, absolvendo-o quanto ao demais peticionado”.

    Ainda inconformado, veio o arguido interpor, de novo, recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes “conclusões” (em transcrição integral): I- “O recorrente foi condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples pelo artigo 143.º, n.º1 do Código Penal, na pena de multa de 45 dias à razão diária de € 5,00, bem como, ao pagamento de € 300,00 ao demandante a título de danos não patrimoniais e respetivos juros à taxa legal a contar da sua notificação do pedido civil; II- Da sentença de que se recorre não consegue, o Recorrente, depreender o raciocínio que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência em detrimento de outros, por não se encontrar devidamente fundamentada, violando o disposto no n.º2 do artigo 374.º do C.P.P estando consequentemente ferida de nulidade, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P.

    III- Atentas as discrepâncias evidenciadas nas declarações da assistente e da única testemunha que alega ter presenciado a suposta agressão, impunha-se que o tribunal recorrido tivesse justificado como apesar de tais discrepâncias deu como provados os factos constantes da acusação; IV- Essa falta de concretização dos elementos que o tribunal valorou, não permite ao recorrente impugnar sequer devidamente a decisão.

    V- A sentença comporta três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo, sendo que a fundamentação deve conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, de forma a que fique salvaguardo o disposto no art.° 32°, n° 1, da Constituição; VI- Da leitura da sentença recorrida não se pode chegar a outra a conclusão que não o facto de estarmos perante uma sentença insuficientemente fundamentada à luz das regras da experiência e da lógica, fundamentação tão deficiente que impede o recorrente de poder compreender a razão por que está a ser condenado, os elementos que o tribunal se baseou para tal facto.

    VII- Acresce que, o Tribunal “a quo” valorou erradamente a prova produzida, acabando por violar o princípio do in dúbio pro reo.

    VIII- O recorrido foi condenado única e exclusivamente com base nas declarações prestadas pela assistente e da testemunha D… que diz ter presenciado a agressão; IX- No entanto, tais depoimentos são contraditórios entre si, a assistente diz (minutos 3.19 do seu depoimento gravado) que as agressões aconteceram no interior da viatura automóvel, tendo o arguido entrada para o efeito dentro da mesma pelo lado do pendura; X- A testemunha D… (minutos 1.30 do seu depoimento gravado) diz que as agressões passaram no exterior da viatura atendendo a que o arguido terá metido a cabeça dentro do carro através da janela do lado do condutor tentado tirar as chaves da ignição e depois abriu a porta e puxou a assistente para fora da mesma tendo-a empurrado e agredido; XI- Acresce que, refere a assistente que a discussão termina com o arguido a desistir e, a testemunha D… (minutos 02.36) refere que a mesma termina com a chegada de duas supostas funcionarias de uma escola que existia ao pé do local onde decorrera a suposta agressão; XII- São versões claramente opostas e contraditórias, pelo que, ditam as regras da experiência que perante depoimentos tão divergentes no que respeita aos facto e modo como ocorreu a suposta agressão o depoimento da mencionada testemunha deveria ter sido desconsiderado ou, quanto muito valorado com as reservas que se impunham.

    XIII- Assim, tendo em conta a forma como foi valorada a prova dando credibilidade absoluta a uma testemunha que claramente apresenta uma versão diversa da assistente não deveria o tribunal ter dado como provados os factos constantes da acusação, pelo que, ao faze-lo incorreu num clamoroso desvio de raciocínio na apreciação das provas e bem assim da formulação de juízos ilógicos, arbitrários, os quais afrontam de forma manifesta as regras da experiência comum, padece dos vícios referidos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal.

    XIV- Sendo certo que, em face das duas tão opostos posições entre assistente e a testemunha, única testemunha ouvida que disse ter presenciado os acontecimentos teria sempre que conduzir a uma dúvida razoável face às regras da experiência, pelo que, por não poder resultar uma certeza inabalável teria que ter o tribunal julgado favoravelmente ao arguido tal facto ao abrigo do princípio da presunção de inocência e in dúbio pró reo.

    XV- O principio «in dúbio pró reo» “pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como do dolo ou da negligência do seu autor” – Cristina Líbano Monteiro “Perigosidade de ininputaveis e «in dúbio pró reo»”, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p.11.

    XVI- Constituindo uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, deveria, por ter sido criada no espírito do julgador essa certeza, decorrente das próprias expressões que utilizou na parca fundamentação da sentença (“parecem mais sensíveis” e “soou”), o meritíssimo juiz a quo no caso dos autos aplicar tal principio e como tal ter absolvido o recorrente.

    XVII- Face à prova produzida, existe, no mínimo, uma dúvida mais do que razoável, resultante no facto de saber se a ofendida se feriu em virtude de o arguido lhe ter querido intencionalmente magoar, ou se tais ferimentos resultaram de ambos terem tentado mutuamente ficar com as chaves do carro propriedade de ambos e que em virtude de a ofendida ter abandonado o lar dois dias antes pretendia ficar com o carro; XVIII- A convicção da Mª. Juiz “a quo” para considerar que o arguido representou como possível estar a agredir a assistente, tendo-a agarrando-a e empurrado, apertando-lhe os braços e os pulsos formou-se em simples presunções, de estarmos diante de um homem e de uma mulher, ignorando todo o quadro fatual associado ao divorcio; XIX- Acresce que relativamente ao elemento subjetivo o mesmo também não se encontra preenchido, desde logo, por falta de prova, pese embora seja um crime doloso e que admite qualquer tipo de dolo tal não significa que prescinda do elemento emocional do dolo.

    XX- Assim, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, no entender, do recorrente nenhuma prova foi feita ou foi sequer dito que o arguido ao supostamente ter apertado os pulsos da ofendida, fê-lo consciente de que estava molestar o seu corpo ou sequer representou tal possibilidade, nem ficou provado que tal lesão foi causa única e exclusiva dos danos que alega padecer.

    XXI- Assim, não se encontrando preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de ofensas à integridade física não poderia o recorrente ser condenado pelo crime de que vinha acusado; XXII- No que respeita aos factos provados de que a ofendida “sofreu, em consequência da agressão supra descrita, dores e sentiu-se acabrunhada, humilhada, angustiada, deprimida e com medo de sair à Rua”, tal matéria deveria ter sido dada como não provada por não ter sido efetuada prova a tal respeito.

    XXIII- As testemunhas limitaram-se a dizer que “devia ter sofrido” e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT