Acórdão nº 01036/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1. O Presidente da Câmara Municipal de Penafiel e B…, LDA, vieram interpor recurso da sentença proferida, em 30.3.07, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que declarou julgou procedente o recurso contencioso de a anulação do acto da autoria do primeiro recorrente pelo qual foi concedida licença de utilização, alvará nº 229/93, atribuída por despacho de 23.9.93, no seguimento do alvará de licença de obras particulares nº 664/93, aprovado por despacho de 28.7.93, referente ao licenciamento da indústria “B…, Lda” – proc. nº 1249/92, de 6.10, declarando a nulidade daquele acto, com fundamento em violação do art. 52, nº 2, al. b), do DL 445/91, de 20.11.

O recorrente Presidente da Câmara apresentou alegação, com as seguintes conclusões: 1. O M.mo Juiz a quo, na douta sentença recorrida, decidiu pela improcedência da excepção da litispendência por considerar que os sujeitos do processo n.º 920/01 e da presente demanda não são os mesmos, pois ali a entidade demandada é a Câmara Municipal, e aqui a entidade demandada é o Presidente da CMP.

  1. Porém, ainda que o recurso de anulação interposto em primeiro lugar tenha sido erradamente interposto contra a Câmara Municipal e o presente recurso contra o Presidente da Câmara, a parte demandada é a pessoa colectiva de direito público MUNICÍPIO, competindo ao presidente da Câmara Municipal representar o município em juízo, nos termos do artigo 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.

  2. Aliás, tal lapso na identificação do autor do acto recorrido, tem sido considerado pela jurisprudência como erro desculpável, havendo lugar a convite para correcção ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, al. a), da LPTA, tendo sido esse o procedimento adoptado pelo 4.º Juiz, no proc. n.º 920/01, que fixou um prazo para que o recorrente procedesse à correcção da petição inicial sob pena de rejeição do recurso, 4. Por outro lado, o Presidente da Câmara Municipal de Penafiel interveio no proc. nº 920/01 - 4.º Juiz, nos termos do art.º 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 169/99, de 18-9, revelando-se, no entender da doutrina e jurisprudência dominantes, o lapso do recorrente, ao requerer a citação da Câmara Municipal, nesta sede irrelevante, "(…) pois mercê da intervenção (…) do órgão autor do acto recorrido, fica garantido o efeito processual que a legitimidade das partes visa acautelar" (Acórdão do STA de 24 de Outubro de 1996 - Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 426, ano XXXVI, Junho de 1997, pp. 724 ss.) 5. Decidiu também a sentença recorrida, quando à excepção da litispendência, que resulta da matéria provada, que o recurso, a que corresponde o processo n.º 920/01, foi rejeitado por ilegitimidade passiva, o que leva à absolvição da instância e como dispõe o artigo 289.º do CPC, "A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo pedido"; 6. Contudo o recorrente do processo n.º 920/01 não veio propor outra acção, pois o processo nº 442/2002 já corria os seus trâmites.

  3. Decidiu também o M.mo Juiz a quo que o Tribunal no processo nº 920/01 não conheceu do pedido formulado, ficando assim assegurada a previsão do artigo 497.º, nº 2 do CPC, ou seja, não existe o risco de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.

  4. Porém, o ora recorrente deveria ter desistido do recurso contencioso interposto em segundo lugar, pois a litispendência obsta ao recurso interposto em último lugar.

  5. E se de facto o risco emissão de sentenças contraditórias, no proc. n.º 920/01 e no processo em curso, deixou de se verificar com o despacho proferido em 19.05.03, no proc. nº 920/01, também é verdade que se mantém um dos prejuízos que o instituto da litispendência pretende evitar, i. é., um "duplo dispêndio (desnecessário) de tempo, dinheiro e de esforços" (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 28 Edição pág. 301).

  6. Por outro lado, a actualidade da litispendência deve ser aferida quando há caso julgado relativamente ao recurso interposto em 1º lugar, ou por outro motivo que não se consubstancie numa conduta processual imputável ao recorrente, como é o caso da desistência do processo mais antigo.

  7. Outro entendimento quanto à actualidade da litispendência, que permita a desistência do processo mais antigo em detrimento de um mais recente como forma de cessação do referido instituto, permite às partes a adopção de condutas processuais censuráveis, não salvaguardando "duplo dispêndio (desnecessário) de tempo, dinheiro e de esforços" e a futura interposição de outras impugnações com o mesmo pedido e causa de pedir seguidas de posterior desistência da mais antiga, e assim sucessivamente.

  8. Face a tudo isto não deve pois o tribunal deixar de apreciar instituto da litispendência sem atender ao comportamento processual da parte, em particular no que toca à observância do princípio da cooperação (art. 266° do CPC) que constitui, a partir da reforma do CPC, um princípio fundamental e angular do processo civil, e do princípio da boa fé processual (art. 266° A do Cod. Proc. Civil), por forma a impedir o "(...) uso reprovável dos instrumentos adjectivos" (Relatório do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro).

  9. Refere a douta sentença de 30 de Março de 2007 que a excepção de inutilidade da lide não procede porque, no proc. n.º 271/00, o Tribunal pronunciou-se apenas sobre a validade da anulação administrativa do acto com fundamento em invalidade e, nos presentes autos, o recorrente invoca a nulidade.

  10. Ora, a nulidade é uma forma de invalidade do acto administrativo (artigos 133.º e segs. do CPA), portanto, se a sentença de 30 de Março de 2007 refere que o Tribunal, no proc. n.º 271/00, se pronunciou sobre a validade da anulação administrativa com fundamento em invalidade, não se percebe porque vem depois concluir pela utilidade da presente instância em virtude de ter sido invocada a nulidade.

  11. Com efeito, o que releva aqui determinar é a extensão do caso julgado no proc. n.º 271/00 quer no que respeita à sua eficácia subjectiva, quer, essencialmente no que concerne à sua eficácia objectiva.

  12. Quanto à delimitação da eficácia objectiva, no proc. nº 271/00, foi proferida sentença, que concluiu que: "Nos termos propostos, e com fundamento em violação de lei, decidimos conceder provimento ao recurso contencioso e anular o acto recorrido.".

  13. Nessa decisão o Tribunal apreciou a validade do acto de licenciamento de 22.09.1993, e afastou expressamente a possibilidade deste acto ser nulo, ao considera-lo como "um acto constitutivo de direitos para a sociedade recorrente" e ao manifestar que essa "licença de utilização" configura um acto administrativo válido, não podendo por esse motivo ser revogado.

  14. E o tribunal tinha competência para apreciar se o acto administrativo padecia ou não de nulidade, porque tal vício foi invocado pelas partes nos seus articulados e porque a lei permite que o faça: "A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.

    " (artigo 134.º, n.º 2 CPA).

  15. Tendo a referida decisão jurisdicional sido proferida por um tribunal administrativo, formou caso julgado.

  16. No que concerne à delimitação da eficácia objectiva do caso julgado há que reter que esta não incide apenas sobre o conteúdo anulatório da sentença mas também sobre os motivos que conduziram a tal decisão.

  17. E a sentença foi explicita e precisa quando se pronunciou sobre o despacho 22.09.1993, afastando a possibilidade deste acto ser nulo, ficando este aspecto coberto pela autoridade do caso julgado, não deixando em aberto à administração a possibilidade de declarar nulo o referido acto.

  18. A ser proferida, a declaração de nulidade do acto de licenciamento de 22.09.93, constituiria um desrespeito da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo no proc. n.º 271/00, 2.º Juiz, e por esse motivo uma violação do Dec. Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho.

  19. Por tudo isto, contrariamente ao decidido na sentença de 2007-03-30, deve proceder a excepção de inutilidade da lide invocada.

  20. No que concerne à conclusão da sentença de 2007-03-30 de que o acto impugnado viola as prescrições do alvará de loteamento na parte em que destina os respectivos lotes à habitação e comércio, importa referir que é legalmente possível que os estabelecimentos de restauração e de bebidas possam dispor de instalações destinadas a fabrico de pastelaria, enquadradas na classe D do DR n.º 25/93, de 17/8, e anteriormente Decreto Regulamentar n.º 10/91, de 15 de Março.

  21. Com efeito, a Lei considera estabelecimento de restauração e bebidas todo aquele que, independentemente das quantidades e da denominação, presta ao público, dentro ou para fora do próprio estabelecimento, bebidas e serviço de cafetaria, mediante remuneração (n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do Decreto Lei n.º 168/97, de 4 de Julho - Aprovou o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas).

  22. Refere, ainda, o n.º 4 do mesmo preceito legal que os estabelecimentos de restauração e bebidas "podem dispor de instalações destinadas ao fabrico próprio da pastelaria, panificação (...)", enquadrados na classe D da tabela anexa ao Regulamento do Exercício da Actividade Industrial, determinando que (na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 139/99, de 24 de Abril), estes estabelecimentos ficam sujeitos, não ao regime do licenciamento do exercício da actividade industrial previsto no Decreto Regulamentar n.º 25/93, de 17 de Agosto, mas ao regime da instalação previsto no Decreto Lei n.º 168/97, de 4 de Julho.

  23. E é esse o caso do estabelecimento em apreço que na memória descritiva e justificativa apresentada no processo administrativo n.º 1240/92 (fls. 5) refere que "Pretende-se neste espaço a criar duas zonas uma para instalação de máquinas, forno e aparelhos para fabrico de pão e pastelaria, e outra para...

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