Acórdão nº 1313/13.7GAVCD-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DION
Data da Resolução14 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO PENAL n.º 1313/13.7GAVCD-A.P1 2ª Secção Criminal Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunta: Jorge Langweg Processo: Instrução n.º 1313/13.7GAVCD Comarca – Porto Matosinhos - Instância Central – 2ª Secção Instrução Criminal-J4 Arguidos B… C… D… Assistentes E… F… G… Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO 1.

Nos autos de inquérito n.º 1313/13.7GAVCD, da Secção Única do DIAP de Vila do Conde, finda a investigação, foi proferida acusação e requerido o julgamento da arguida B… pela prática de 1 (um) crime de ofensas à integridade física negligentes, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 3º b), c) e f), 11º, 33º e 34º, do Dec. Lei n.º 315/2009, de 29/10 e 15º, 26º e 144º, do Cód. Penal, e proferido despacho de arquivamento, de harmonia com o disposto no art. 277º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, relativamente aos dois restantes arguidos por se ter entendido, em síntese, que as lesões físicas provocadas à ofendida G… pelo canídeo de raça rottweiler, denominado “H…”, estavam causalmente ligadas a uma omissão do dever de cuidado unicamente imputável à primeira.

  1. Inconformados com o arquivamento, os assistentes requereram a abertura de instrução, visando a pronúncia dos aludidos arguidos D… e C… pela prática do crime de ofensas à integridade física grave, por negligência, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 33º e 34º, do Dec. Lei n.º 315/2009, de 29/10, e 10º, 15º e 144º, do Cód. Penal.

  2. Admitido o requerimento e declarada aberta a instrução, foram realizadas as diligências tidas por necessárias e convenientes e, realizado o debate instrutório, foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos e reiterado o arquivamento dos autos quanto a eles por se entender que os indícios recolhidos não permitiam concluir pela sua violação de qualquer dever de cuidado causal da ocorrência.

  3. Inconformados com o decidido os assistentes G…, F… e E… interpuseram recurso finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) “

    1. No presente recurso requer-se a reapreciação da decisão da matéria de facto e da decisão de direito, e a consequente revogação do despacho de não pronúncia quanto aos Arguidos-Recorridos C… e D….

      B) Ao considerar os factos constantes das alíneas c), d), e), f), g), i) como “não suficientemente indiciados”, o Tribunal a quo formou a sua convicção com base num raciocínio viciado que, atentas as disposições legais, as regras de experiência e de um homem médio, poderia e seria de todo expectável, a condução a esse, infeliz e injusto, resultado.

      C) Resulta da prova produzida a convicção diversa, de modo a fixar os factos c), d), e), f), g), h) e i) como “INDÍCIOS SUFICIENTES”, de acordo com o n.º do art. 283.º do CPP, em conjugação com o Dec-Lei n.º 315/2009, de 29 de Outubro, na redacção que lhe conferiu a Lei n.º 46/2013, de 4 de Julho e arts. 10.º, 15.º, e 144.º do C.P.

      D) Os elementos de prova que servem para formar tal convicção são constituídos pelos depoimentos, diligências e demais documentos juntos aos autos, para além dos factos notórios e do conhecimento público.

      E) Desde logo, resulta suficientemente indiciado que ambos os Recorridos, D… e C…, eram os proprietários dos dois canídeos que permaneciam na outrora casa de morada de família, sita na Rua … n.º . em …; pelo que se exige essa complementação ao facto 2 dos “suficientemente indiciados”, uma vez que não existe prova em contrário; F) Ou seja, não existe prova (e segura) que confira a propriedade do canídeo H… como sendo exclusiva do Arguido D…; confira-se que dos elementos constantes do sistema de identificação e recuperação animal do boletim sanitário (constantes de fls.11, 12, 13 e 139 a 150), em ambos os formulários só havia espaço para colocar a identificação de uma pessoa como proprietário, sendo normal e expectável que constassem apenas os dados daquele que lá foi tratar do assunto; G) Acresce que, em momento algum do processo, é afirmado por qualquer dos intervenientes, que a Recorrida C… não é proprietária dos canídeos, nem nunca o disse o Recorrido D…! H) Além disso, os canídeos foram adquiridos na constância do matrimónio, e, por isso, presume-se que são um “bem” comum do casal (art.1724.º alínea b do CC), pelo que não é permitido concluir, nem se ilidir tratar-se de bem próprio! I) De todo o modo, ainda, que a propriedade dos canídeos (em especial a do H…) fosse exclusiva do Recorrido D…, os animais sempre permaneceram na referida residência, e desde Abril de 2013, só lá habitava a Recorrida C…, também, Detentora dos animais (art. 3.º al. f do DL), ora, legalmente responsável por estes! J) Consequentemente, sobre ambos os Arguidos /Recorridos, impendia o dever de guarda e vigilância; K) Impera atentarem um ponto fulcral, até agora desmesuradamente esquecido: o evento a que se reportam os autos não pode ser visualizado dum ponto de vista estático, mas antes dinâmico, resultado do encadeamento de um conjunto de actos, todos eles, determinantes, e, é desta forma que tem de ser analisado! L) Acresce um outro, a falta/omissão de cuidado, zelo e diligência por parte dos Arguidos-Recorridos C… e D… não ocorreu apenas no dia 14 de Dezembro de 2013, pelas 10:30 (momento do ataque à menor de dois anos de idade, G…), mas desde a data em que os canídeos se encontram alojados na referida residência! M) Da dinâmica dos factos e de toda a prova produzida, da clara violação das disposições constantes do Decreto-Lei n.315/2209, de 29 de Outubro, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 46/2013, de 4 de Julho, e do bem jurídico que se visa proteger, sem esquecer a restante legislação penal (C.Penal), era imperativa a decisão totalmente diversa por parte do Tribunal a quo, uma vez que esta não reflecte os parâmetros do Direito e da Justiça do nosso ordenamento jurídico, como Vs. Ex.ªs facilmente poderão constatar! N) Na fundamentação da matéria de facto, a analisada toda a prova produzida indiciária, que demonstra a imprudência, a falta de cuidado e diligência, as violações legais, e atitudes cívicas e morais totalmente reprovadoras, decidiu a Meritíssima Julgadora não pronunciar os Arguidos, aqui, Recorridos C… e D…, permitindo (e protegendo) condutas negligentes e imprudentes, e que põem em risco a integridade física, e até mesmo a vida de outrem! O) Esclareça-se a boca de um rottweiler não é a sua única fonte de ataque! P) Tal significa que, mesmo açaimado, se o animal H… tivesse fugido e saltado para cima da menor G…, com apenas dois anos de idade, resultava, directa e necessariamente, ofensa à sua integridade física, embora não com a mesma gravidade, assuma-se! Q) Assim sendo, quanto aos factos c), d), e), f), g) considerados como não suficientemente indiciados, em boa verdade se admita que não podiam os Recorridos ignorar a realidade(!) de que qualquer dos canídeos pudesse sair para o exterior e atacar alguma pessoa ou animal, de todos conhecida, e que não escapa ao homem médio, que lhe associa consequências típicas! R) Relembre-se que os canídeos não estavam sempre presos no canil que lhes era destinado, não era usual, mas antes circulavam livremente pelo jardim da habitação, sem qualquer medida de protecção, como o confessou a Arguida B… (fls.55 a 57) e confirmou a testemunha I… (fls.163 e 164) – como aconteceu nesse dia fatídico.

    2. Essa testemunha não especifica, se, das vezes que chegou a ver os cães a sair da residência, sempre que alguém entrava ou saía, estavam açaimados, pelo que daí não se pode concluir que isso apenas ocorreu uma das vezes, conforme consta da motivação “Apenas numa ocasião viu um deles sem açaime”, uma vez que, quanto a esta frase, a testemunha reportava-se ao passeio dos cães! T) O canídeo H… permanecia alojado na outrora casa de morada de família do casal, onde apenas ficou a residir provisoriamente a Recorrida C…, e resulta dos autos, que momentos antes do ataque, o canídeo H… estava solto, no jardim – como era habitual -, e sem qualquer protecção e, a Recorrida C… encontrava-se na residência no momento antes, durante e após os factos! U) A Recorrida encontrava-se na residência, enquanto o canídeo H… livremente passeava no logradouro, momentos antes do ataque perpetrado pelo canídeo de que era detentora! V) A Recorrida, portanto, ciente disso, não cumpriu com a diligência e cuidado que sobre ela impendiam, uma vez que, também, esta, tinha a detenção efectiva do canídeo! Porque não o prendeu no canil? Porque não chamou atenção de tal facto à Arguida B…? Porque não tomou qualquer providência de detenção e protecção? W) Dúvidas não se suscitam de que a reiterada inércia desta Arguida-Recorrida claramente potenciou o resultado típico! X) Tratando-se de animais irracionais e perigosos, podem ter reacções susceptíveis de pôr em perigo a integridade física e até a vida de outrem; daí que a sua detenção por parte dos seus donos, ou de quem os tenha a seu cuidado, deva obedecer a determinadas regras, destinadas a minimizar os perigos de eventuais ataques que possam protagonizar; é essa a ratio da Lei da Detenção – A Protecção De Terceiros! Y) As condutas omissivas de todos os Arguidos facilmente permitem formular juízo de reprovação pelo que fizeram, bem como pelo que deixaram de fazer, quando podiam e deviam ter feito! Z) Os dois canídeos permaneciam na outrora casa de morada de família do dissolvido casal, sita na Rua … n.º . em …, onde desde o mês de Abril de 2013, apenas residia a Recorrida C…, ou seja, a Detentora dos dois canídeos, H… e J…, e que, portanto, sobre ela impendia, também, o cumprimento das condições legais, dos deveres de cuidado! A

    3. O pedido de licença do canídeo apenas foi solicitado pelo arguido D…, em 20-01-2014, data posterior aos factos, “não existindo nesta Junta de Freguesia qualquer pedido anterior a esta data” (conforme fls.273 a 278, nosso sublinhado), contrariamente ao invocado pelo mesmo (fls. 207 a 209, e fls. 3 a 7).

      BB) À data dos factos não estava em vigor qualquer...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT