Acórdão nº 3760/12.2IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução25 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 3760/12.2IDPRT.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO O Ministério Público veio interpor recurso do douto despacho do 3º Juízo Criminal de Matosinhos que rejeitou a acusação por ele deduzida contra B…, C… e “D…, Ldª” pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «1. Constitui objeto do presente recurso o despacho proferido a fls. 934-938 que nos termos do disposto no art. 311.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, rejeitou o recebimento da acusação pública deduzida nos autos pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por entender que: (i) Os montantes alegadamente recebidos e não entregues ao Estado não se encontram devidamente discriminados com referência aos respetivos períodos.

(ii) Não está verificada a condição objetiva de punibilidade constante do art. 105.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, em relação a alguns períodos.

(iii) A incriminação limita-se a referir o art. 105.º do RGIT, sem qualquer alusão ao n.º 1 ou ao n.º 5 do mencionado preceito legal.

(iv) Não são descritos factos que permitam extrair uma única resolução criminosa dos arguidos.

  1. Como ponto prévio, cumpre referir que a acusação só poderá ser considerada como “manifestamente infundada” para efeitos de recusa de recebimento em sede de saneamento, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art. 311.º, do Código de Processo Penal, quando padeça de “falhas processuais evidentes que manifestamente inviabilizam a sua procedência” – cf. Código de Processo Penal anotado pelos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 2009, pp. 766, nota 5.

  2. Na verdade, a possibilidade de o juiz rejeitar liminarmente a acusação, atenta a avaliação indiciária que faz da mesma em sede de saneamento, terá que se limitar àqueles casos em que mesmo que procedessem os factos narrados, julgamento seria ato inútil, limitando-se aos casos em que seja clara a ausência de fundamento.

  3. Concretizando, a acusação será liminarmente rejeitada quando: (i) Não for suscetível de fixar o objeto do processo, conforme lhe é exigível pela estrutura acusatória do processo penal – cf. art. 32.º, n.º 5, da Constituição; (ii) Não permitir ao arguido o exercício de uma defesa cabal dos factos que concretamente lhe são imputados, de forma a assegurar um processo justo e leal – cf. art. 32.º, n.º 1, da Constituição e 6.º, n.º 3, alínea a), da CEDH.

  4. Contudo, tal não implica que a acusação tenha que ser de tal modo pormenorizada que outros factos, que estejam relacionados com o “thema decidendum”, como sejam os que venham a resultar da discussão da causa, não possam vir a ser atendidos, nos termos do disposto no art. 368.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

  5. In casu, a acusação encontra-se devidamente elaborada, com desenvolvimento factual lógico, onde estão descritos e circunscritos temporalmente os factos praticados, o elemento subjetivo da atuação dos arguidos e a qualificação jurídico-penal da conduta acusada não sendo, por conseguinte, “manifestamente infundada”.

  6. No que concerne à discriminação dos montantes não entregues resulta concretamente da acusação que nos “meses de Março, Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2012, os arguidos receberam dos clientes a quantia global de cento e cinquenta e dois mil e cinquenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos” que ao invés de a entregarem ao Estado conforme estavam obrigados a utilizaram “para fins empresariais, nomeadamente, o pagamento de fornecimentos, financiando-se à custa do Estado Português”.

  7. Sendo que, apesar de não referir em concreto qual o montante recebido e não entregue em cada período mensal, a acusação remete expressamente para a notificação feita aos arguidos nos termos do art. 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT, que discrimina em concreto tais montantes, o que é perfeitamente admissível – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em 06/12/2002, em acórdão proferido no âmbito do processo n.º 02P3615, disponível em www.dgsi.pt.

  8. A forma como a acusação está redigida, não só não prejudica a cabal defesa dos arguidos, como não prejudicou a capacidade de apreensão dos montantes em causa pelo Tribunal, que no despacho que rejeitou a acusação deduzida nos autos, apreciou e ponderou os montantes concretamente em dívida nos respetivos períodos mensais – cf. fls. 937, último e penúltimo parágrafo.

  9. No que respeita à alegada inexistência de elementos que permitam aferir uma única resolução criminosa, cumpre esclarecer que ao longo do segmento acusatório o Ministério Público imputa aos arguidos sempre a mesma conduta, praticada de forma homogénea que se prolongou por seis meses, dando especial ênfase à quantia global dos montantes de que os mesmos ilegitimamente se apropriaram.

  10. Por outro lado, o elemento subjetivo está descrito de forma global e una, de forma a demonstrar a resolução criminosa única adotada pelos arguidos, sendo certo que ainda que assim não se entendesse, tal resultaria inequívoco da ponderação global da factualidade em causa.

  11. Acresce que a imputação aos arguidos de um único crime de abuso de confiança fiscal na execução de uma única resolução criminosa, é inequivocamente mais favorável aos mesmos, pelo que ainda que existisse alguma ineficiência na descrição dos factos, esta sempre seria a favor dos arguidos e jamais colidiria com os seus direitos de defesa.

  12. De outro prisma, entendemos que o Ministério Público indicou as disposições legais aplicáveis relevantes para efeitos de qualificação jurídica, mencionando expressamente a norma constante do art. 105.º, do RGIT, apenas se olvidando de indicar as disposições relativas à moldura penal aplicável contidas no n.º 1 ou 5 do referido preceito legal.

  13. Tal omissão, embora indesejável, não inquina a procedência da acusação em sede de audiência de discussão e julgamento na medida em que as disposições conjugadas dos arts. 339.º, n.º 4 e 358.º, n.º 3, ambas do Código de Processo Penal, permitem a livre qualificação jurídica pelo tribunal de julgamento com a restrição da comunicação prévia de tal alteração ao arguido.

  14. Por último, resta referir que se encontra verificada a condição objetiva de punibilidade constante da alínea b) do n.º 4 do art. 105.º, do RGIT, na medida em que a mesma não carece de ser efetuada apenas com referência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT