Acórdão nº 1502/13.4TJPRT-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015

Data24 Fevereiro 2015
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pc. 1502/13.4 TJPRT-B.P1 – 2ª Secção (apelação em separado) __________________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Francisco Matos Des. Maria de Jesus Pereira* * *Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório: No âmbito do procedimento cautelar de arresto instaurado por B…, residente nesta cidade do Porto, contra C…, SA, com sede também nesta cidade, e no qual foi decretado o arresto de três fracções autónomas, correspondentes às letras E, I e J do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 3203/20080626 e inscrito na matriz sob o art. 8628, requereu a requerida, a dado passo, que fosse determinada a suspensão da respectiva instância, ao abrigo do nº 1 do art. 17º-E do CIRE [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas], por, entretanto, ter requerido a sua revitalização, instaurando o competente processo especial que corre termos, sob o nº 841/14.1TYVNG, no Juiz 3 da 2ª Secção de Comércio de Vila Nova de Gaia, da Instância Central do Porto, no qual foi já proferido o despacho de nomeação do administrador judicial provisório a que alude a al. a) do nº 3 do art. 17º-C do CIRE.

Observado o contraditório, pugnando a requerente do procedimento cautelar pelo indeferimento da pretendida suspensão da instância, o Tribunal «a quo» proferiu o seguinte despacho: “Conforme informado nos autos, corre termos pelo 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o nº 841/14.1TYVNG, o processo especial de revitalização referente à aqui Requerida ‘C…, SA’.

Dispõe o artigo 17º-E, nº 1 do CIRE que «A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do art. 17º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».

Ora, os presentes autos configuram procedimento cautelar de arresto e não acção para cobrança de dívida.

Assim, atento o teor literal do preceito legal acima citado, entendemos – tal como a Requerente – que o mesmo apenas se aplica às acções (na acepção do artigo 10º do CPC) e não aos procedimentos cautelares.

Em face do exposto, indefere-se a requerida suspensão da presente instância.

Notifique.” Inconformada com esta decisão, interpôs a ‘C…’ o recurso de apelação em apreço [admitido com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo], culminando as alegações com as seguintes conclusões: “I. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica da Meritíssima Juiz a quo, afigura-se à Recorrente que a douta decisão de fls. , de 27-10-2014, que indeferiu a suspensão do presente procedimento cautelar de arresto com fundamento no elemento literal do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE por entender que a referida disposição legal apenas é aplicável às ‘acções’, e não aos procedimentos cautelares, uma vez que estes, em virtude do disposto no artigo 10.º do Código de Processo Civil, não podem ser considerados ‘acções’ para efeitos de aplicação da primeira das citadas normas, não poderá manter-se por consubstanciar uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigorosa.

  1. Entende a Recorrente, pelo contrário, que o elemento literal do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE não só não impõe a conclusão retirada pelo Tribunal a quo – não obstante o elenco de espécies de acções previsto no artigo 10.º do Código de Processo Civil –, como, na verdade, aponta no sentido de uma interpretação ampla do preceito, ao que acrescem os princípios jurídicos subjacentes ao Processo Especial de Revitalização e ao regime de suspensão das acções judiciais movidas contra o devedor revitalizando prevista no artigo 17.º-E do CIRE.

  2. Senão vejamos, ao contrário do que acontece com o regime previsto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRE, que tende a ser definitivo, o regime estabelecido no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE só o será se vier a ser aprovado plano de recuperação e, caso tal não suceda, a suspensão vigorará por um período curto de tempo, na medida em que o Processo Especial de Revitalização tem uma duração máxima de três meses.

  3. Por esse motivo, com o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE visou o nosso legislador abranger pelos efeitos do Processo Especial de Revitalização, não as situações previstas no n.º 1 do artigo 88.º do CIRE para o processos de insolvência, mas um leque de acções ainda mais vasto do que aquele a que esta norma se reporta, sendo certo que o regime previsto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRE abrange os procedimentos cautelares quando estes atinjam o património do insolvente.

  4. Acresce que, a norma prevista no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE deve ser interpretada à luz dos princípios orientadores do Processo Especial de Revitalização constantes da Resolução de Ministros n.º 43/2011, de 25 de Outubro, para os quais o n.º 10 do artigo 17.º-D expressamente remete, assumindo aqui especial relevância o quinto princípio, de acordo com o qual «durante o período de suspensão, os credores envolvidos não devem agir contra o devedor, comprometendo-se a abster-se de intentar novas acções judiciais e a suspender as que se encontrem pendentes.».

  5. O que se pretende com o período de suspensão é proteger o património do devedor contra as agressões/iniciativas judiciais dos seus credores durante o curto período de tempo do Processo Especial de Revitalização, caso contrário, a recuperação do devedor que o Processo Especial de Revitalização visa poderia ser facilmente inviabilizada pela instauração de iniciativas judiciais pelos credores que afectem o seu património, o qual é essencial para a sua revitalização, uma vez que o bem jurídico visado pelo Processo Especial de Revitalização – recuperação do devedor e inerente salvaguarda do interesse público na defesa da economia – justifica a restrição (temporalmente limitada) ao direito de iniciativa judicial dos credores.

  6. Ora, as agressões ao património do devedor susceptíveis de inviabilizar a sua recuperação – que o legislador, como ficou visto, quis acautelar – não se restringem, naturalmente, a ‘acções’ no sentido estrito da palavra, conforme entendeu o Tribunal a quo, daí excluindo necessariamente os procedimentos cautelares, tendo sido a intenção do legislador acautelar, de forma ampla, toda e qualquer iniciativa judicial dos credores contra o devedor susceptíveis de afectar o seu património e, assim, inviabilizar a sua revitalização, motivo pelo qual utilizou conceitos e expressões genéricas como ‘acções para cobrança de dívida’ ou ‘acções com idêntica finalidade’.

  7. Pelo que a interpretação redutora do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE perfilhada pelo Tribunal a quo não se coaduna, de forma alguma, com os objectivos que o legislador visou acautelar com a mesma e é susceptível de colocar em crise o fim último de salvaguarda do interesse público na defesa da economia que pauta todo o regime do Processo Especial de Revitalização e, aliás, todo o regime do CIRE que, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, consagrou, verdadeiramente, o primado da recuperação.

  8. Acresce que, o regime consagrado no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE foi inspirado na ‘automatic stay’ consagrada no direito norte-americano que suspende todo o tipo de iniciativas judiciais em curso quer contra o devedor quer contra o seu património.

  9. É, por isso, indiferente o tipo de iniciativa judicial em questão para que seja determinada a sua suspensão, desde que, naturalmente, ela afecte o património do devedor em revitalização, motivo pelo qual o legislador utilizou uma fórmula ampla, porquanto se o objectivo do legislador foi salvaguardar o património do devedor e se esse fim pode ser colocado em crise tanto por meio de uma acção declarativa de condenação, como por uma acção executiva, como por um procedimento cautelar de arresto ou de apreensão judicial de bem, nenhum sentido faz limitar o período de suspensão apenas às ‘acções’, e já não aos procedimentos cautelares.

  10. Não colhe, por isso, o argumento literal e restrito de que a norma do n.º 1 do artigo 17.º-E...

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