Acórdão nº 93/10.2TAMDL.G1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | NETO DE MOURA |
Data da Resolução | 26 de Maio de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 93/10.2 TAMDL.G1.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 93/10.2 TAMDL, corria termos pelo 2.º Juízo do (entretanto extinto) Tribunal Judicial de Mirandela (e agora corre pela Instância Central, Secção Criminal, da Comarca de Bragança), foram submetidos a julgamento, por tribunal colectivo, os arguidos B,…, C…, D… e E… mediante acusação do Ministério Público que lhes imputou a prática de factos que, em seu critério, eram susceptíveis de consubstanciar a co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e, ainda, aos três primeiros, a co-autoria material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), do regime jurídico das armas e suas munições aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, bem como uma contra-ordenação prevista e punível pelo artigo 97.º, com referência aos artigos 2.º, n.º 3, alínea g), e 97.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido acórdão (fls. 3751 e segs.), datado de 15.07.2014 e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acordam os juízes que constituem o tribunal colectivo do 2.º juízo do Tribunal Judicial de Mirandela em julgar a douta acusação pública parcialmente procedente e, em consequência, decidem: Absolver os arguidos B…, C…, D… e E… do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 21.°, n.º 1, e 24.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e os arguidos B…, C… e D… da contra-ordenação ao disposto no artigo 97.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Condenar os arguidos B…, C… e D…, por haverem cometido um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, nas penas de, o arguido B…, 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, a arguida C…, 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão e, o arguido D…, 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Condenar o arguido B…, por haver cometido um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano de prisão.
Em cúmulo jurídico, condenar o arguido B… na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Decretar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida C…, pelo período de duração da pena de prisão aplicada, mediante regime de prova com duração igual à do período da suspensão.
Declarar extintas as medidas de coacção aplicadas aos arguidos C… e E….
Declarar perdido a favor do Estado o veículo com matrícula ..-..-DB e, bem assim, o produto estupefaciente apreendido e ordenar a destruição deste.
Ordenar a restituição dos demais objectos apreendidos aos seus legítimos proprietários.
Condenar os arguidos B…, C… e D… nas custas, fixando-se em 8 Ucs a taxa de justiça por cada um devida”.
Inconformados com esta decisão, quer o Ministério Publico, quer o arguido D… e, em conjunto, os arguidos B… e C… dela interpuseram recurso para este Tribunal da Relação.
O Ministério Público cingiu o seu recurso a duas questões que, na sua óptica, configuram outros tantos vícios, um deles, afectando a validade do acórdão, por omissão de pronúncia, e o outro constituindo o vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, cuja consequência terá de ser o reenvio do processo para novo julgamento, ainda que limitado à concreta questão suscitada.
O quadro conclusivo que definiu é o seguinte: “1)- É nulo, nos termos do disposto no arts. 379º/1-c) do Código do Processo Penal, o acórdão que, na parte dispositiva, nada decidiu sobre a participação de dois dos arguidos na prática, em co-autoria material com um terceiro arguido, de um crime que lhe vinha imputada na acusação.
2)-Tal vício deve ser sanado pela prolação de um novo acórdão pelo Tribunal “a quo”, que integre a decisão com a parte dispositiva omitida (cfr. arts. 379º/2 e 414º/4 do Código de Processo Penal).
*3)-Assente, em concreto e em síntese, que: -Um arguido cometeu, em co-autoria material, um crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. na disposição do art. 21º do Código Penal, por factos cometidos entre, pelo menos a partir de data não apurada de 2010, pelo que foi condenado na pena de 05 anos e dois meses de prisão; -Do respectivo CRC constava já, nomeadamente, que, por acórdão de 03.11.2003, transitado em julgado em 12.05.2005, nos autos do processo n.º 333/02.1TAVNF, pela prática, em 24.10.2002, de um crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. na disposição do artigo 21º/1 do DL-15/93, de 22/01, fora condenado na pena de 05 anos e 06 meses de prisão; -Embora tal CRC não fosse claro quanto à execução da pena em causa, assim como relativamente a cúmulos jurídicos realizados, penas únicas aplicadas e aos períodos concretos de cumprimento de pena ou outra privação da liberdade; -Mas o Tribunal “a quo” deu até, como assente, com base, essencialmente, no relatório-social, que, tal arguido cumprira uma pena de 09 anos de prisão.
4)-Importaria averiguar, para correcta decisão de direito, no tocante à eventual reincidência de tal arguido: - Sobre as concretas condenações anteriores e os períodos em que o arguido esteve privado da liberdade entre o momento da prática de tais crimes e o do que corresponde ao objecto dos autos, mormente pela junção de certidões de acórdãos condenatórios ou de cúmulo jurídico, das peças-processuais relativas às contagens da penas e, eventualmente, com as decisões relevantes do TEP respectivo; - Sobre os motivos por que o arguido, não obstante as condenações anteriores (especialmente por “tráfico de estupefacientes”) e a execução das penas respectivas, não se afastou da criminalidade.
5)-Pelo que: - Como resulta do próprio texto da decisão recorrida, não tendo o Tribunal “a quo” incluído na discussão da causa, nem formado a sua livre convicção sobre a concreta e rigorosa conformação de tais circunstâncias, cuja consideração era essencial a uma correcta, justa e criteriosa decisão de direito; - O Acórdão do Colectivo padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na disposição do art. 410º/2-a) do Código do Processo Penal, a ser sanado com o reenvio do processo para novo julgamento, apenas relativamente às questões acima enumeradas, conforme o disposto no preceito do art. 426º/1 do mesmo diploma legal.
*6)-Padece a decisão recorrida dos seguintes vícios: - Nulidade prevista no disposto no arts. 379º/1-c) do Código do Processo Penal; - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na disposição do art. 410º/2-a) do mesmo diploma legal”.
------//------O recorrente D… sintetizou assim os fundamentos do seu recurso: 1. “O douto acórdão padece de diversas nulidades, sendo também total e insanável a discordância do arguido com a fundamentação que o sustenta.
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A matéria de facto dada como provada foi julgada de forma perfeitamente incorrecta, quer porque, porventura, não apreendeu aquilo que efectivamente foi dito, e consta da gravação, quer porque, tendo apreendido, valorou-a de forma errada.
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A discordância do arguido, com o acórdão em apreço, decorre, também na verdade, da contradição insanável da fundamentação, de ter ainda o seu sustentáculo num notório erro de apreciação da prova produzida na audiência de julgamento e por deficiente interpretação e aplicação das normas legais.
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Assim, o depoimento da testemunha, F…, efectuado na sessão de 30/06/2014, depoimento (deveras importante para o arguido pois foi essencial, no prisma dos julgadores, para darem como provados os factos 40.º e 41.º da decisão que agora se impugna) que começou às 10:38:50 e terminou às 10:50:43, é imperceptível, na sua quase plenitude.
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Ou seja, a gravação de tal depoimento, face à sua deficiência, o que permite comparar a mesma à falta de gravação, não permite sindicar verdadeiramente o depoimento em causa.
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A deficiência da gravação dos depoimentos e/ou declarações viciam o julgamento da matéria de facto, consubstanciando nulidade processual a determinar a anulação e repetição do acto viciado e dos actos posteriores que dele dependam, vício que expressamente se invoca 7. O douto acórdão padece também de nulidade mormente quando não se pronuncia sobre a acusação que impendia sobre o arguido, no que concerne ao crime de detenção de arma proibida.
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Tal nulidade é prevista no artigo 379.º n.º1 alínea c) do Código de Processo Penal quando se dispõe que a sentença é nula quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar 9. Padece ainda de nulidade quando, designadamente, o arguido é condenado por factos diversos dos descritos na acusação.
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No caso concreto quando se dá como provado no facto 41.º que “no dia 7 de Março de 2012, conduzindo o veículo da marca BMW, modelo …, com matrícula ..-..-DB, vendeu o arguido D… a F… …” 11. A nulidade em apreço deriva do arguido ser condenado por facto diverso do constante na acusação pública, local onde se não identifica o veículo que o arguido conduziria, facto com verdadeiro relevo para a decisão da causa, pois o veículo em causa é associado ao arguido D…, como pertencendo ao mesmo.
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A alteração em causa é realizada sem que tenha sido dada oportunidade ao arguido, no domínio dos artigos 358.º e 359.º do CPP, de se pronunciar sobre a mesma o que configura, na perspectiva da defesa, uma nulidade da sentença, artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP, nulidade que, mais uma vez, expressamente se invoca 13. Existe ainda uma outra nulidade do acórdão em apreço, mormente quando o Tribunal, na...
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