Acórdão nº 2691/10.5TBVNG-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2691/10.5TBVNG-B.P1 Sumário do acórdão: I. De acordo com o princípio geral enunciado no artigo 779.º do Código Civil, o benefício do prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando se não demonstre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente.

  1. Ocorre, no entanto, a perda do referido benefício por parte do devedor, na situação de incumprimento das obrigações de prestação fraccionada, como expressamente estipula o artigo 781.º do Código Civil, no qual se prevê que a falta de realização de uma prestação importa o vencimento das restantes.

  2. A perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias, como a que se referiu, o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário do prazo estipulado.

  3. Ocorrendo perda do benefício do prazo nas circunstâncias referidas, o credor (exequente) não fica dispensado de interpelar os devedores (executados).

  4. A referida interpelação é eficaz, quando dirigida para a morada constante da escritura na qual se formalizou o negócio, ainda que se prove que os executados ali deixaram de residir, já que lhes incumbia, numa conduta contratual criteriosa e diligente, o dever de indicar qualquer posterior alteração de residência.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório O B…, SA, instaurou execução com processo comum, contra C… e esposa, D…, para cobrança da quantia de € 94.890,28, referente a um empréstimo para aquisição de duas frações autónomas (habitação e garagem).

    Em 8.07.2010, vieram os executados “deduzir oposição à execução”, alegando em síntese: as obrigações inerentes aos títulos dados à execução não se encontram definitivamente vencidas; o exequente não procedeu, junto dos opoentes, à interpelação para cumprimento com carácter admonitório; e não procedeu à resolução de qualquer contrato perante os opoentes; as diligências destinadas a tornar certa ou exigível a obrigação exequenda revestem a natureza de verdadeiros preliminares da execução, de pressupostos substanciais da mesma; o exequente instaurou o procedimento executivo, antes de tornar certa ou exigível a obrigação; não pode ser reclamado dos opoentes o pagamento de qualquer quantia de capital, ou de quaisquer outros valores e encargos; a divida exequenda não lhe é líquida, certa e exigível.

    Notificado, veio o exequente contestar em 4.05.2012, alegando em síntese: concedeu aos opoentes, dois empréstimos no valor global de € 75.000,00 (€ 65.000,00 + € 15.000,00), os quais deveriam ser amortizados em 564 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, conforme consta da cláusula segunda dos documentos complementares juntos; ficou, ainda, estabelecido que o pagamento das aludidas prestações seria efectuado por débito na conta de depósitos à ordem n.º 45.309.731.402, de que os opoentes são titulares junto do exequente; em meados do ano 2007, o exequente detectou a falta de pagamento de algumas das prestações mensais devidas; facto esse que originou, nos termos e ao abrigo do disposto na cláusula nona dos mencionados documentos complementares, e, bem assim, do art.º 781.º do Código Civil, o vencimento imediato de todas as restantes prestações dos empréstimos em causa, em 01-08-2007 e em 01-05-2008, respectivamente para o primeiro e segundo empréstimos; foi com grande surpresa que o exequente foi, agora, notificado do teor da oposição à execução deduzida pelos opoentes, porquanto é, de todo em todo, infundada a alegação apresentada; ocorrendo incumprimento, não é necessária qualquer interpelação para o vencimento imediato; acresce que o exequente, por carta datada de 6.07.2009, dirigida aos opoentes por via postal registada, interpelou-os para o imediato vencimento e exigibilidade de toda a dívida; por carta datada de 10.04.2010, os opoentes, após o conhecimento da carta de interpelação, tentaram entrar em negociações com o exequente, com vista à dação em cumprimento das fracções hipotecadas e devidamente identificadas no requerimento executivo; na sequência da troca das aludidas comunicações, foi realizada uma reunião com os opoentes, tendo sido comunicado, aos mesmos, que a aludida dação teria o valor de € 68.940,00, valor esse que seria manifestamente insuficiente para a regularização das responsabilidades dos opoentes junto do banco, sendo necessário, um empréstimo adicional no valor de € 22.587,85; informação reiterada por comunicação escrita remetida aos opoentes em 3.05.2010, conforme documento que se junta; a contraproposta do Banco não foi aceite pelos opoentes, não tendo os mesmos procedido à reunião das condições necessárias para a resolução extrajudicial do assunto; motivo pelo qual o exequente avançou com o processo de execução para recuperação coerciva do seu direito de crédito.

    Por despacho de 1.02.2013 foi agendada a marcação de uma tentativa de conciliação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 509º do Código de Processo Civil, com vista a uma solução consensual, tendo as partes requerido a suspensão da instância para negociação de eventual acordo, o qual se veio a frustrar.

    Em 24.01.2014, foi proferido despacho saneador, no qual: se fixou o valor da oposição à execução em € 94.890,28; se proferiu saneador tabelar, concluindo-se pela verificação de todos os pressupostos processuais que permitem o conhecimento de mérito; se definiu a factualidade assente e se elaborou a base instrutória; e se determinou a notificação das partes para o efeito do disposto no n.º 1 do artigo 512.º, do CPC.

    Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença em 2.06.2015, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto e em conclusão, julgo não provada e improcedente a presente Oposição à Execução, pelo que, em consequência, determino o prosseguimento da execução apensa os seus ulteriores e normais termos.

    Custas pelos Oponentes.

    Registe e Notifique.».

    Não se conformaram os executados/opoentes e interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1.º Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos Autos, por se entender que se impõe a modificação da decisão que julgou não provada e improcedente a oposição à execução, determinando o prosseguimento da execução.

    1. Entende, o aqui Recorrente, terem sido violadas, nomeadamente, as normas constantes dos artigos 45.º, 46.º, 729.º, 731.º, todos do C.P.C., 781.º e 224.º do C.C..

    2. Os aqui Recorrentes não se conformam com a interpretação segundo a qual o envio da carta de 06-07-2009, junta por cópia a fls. 21 v e 22, relativa aos contratos em apreço, e que foi remetida para a morada dos aqui Recorrentes constante dos contratos, mas na qual não residem, cumpra as finalidades de interpelação exigíveis.

    3. Bem como entendem que deveria constar da matéria provada, o facto de que o mútuo bancário, com constituição de hipoteca se destinou a aquisição de habitação própria e permanente.

    4. E que a entidade bancária sabia que a fracção autónoma dada de hipoteca se destinava a habitação própria e permanente.

    5. Na escritura designada “compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança”, consta expressamente “a referida fracção “Y” se destina exclusivamente a sua habitação própria permanente” 7.º A Exequente remeteu a correspondência destinada aos aqui recorrentes, para a anterior morada Rua….

    6. Os Recorrentes depositavam na conta bancária referenciada o montante prestacional reportado pelo Banco, não tendo recepcionado qualquer carta, na qual fosse indicado valor diverso (superior).

    7. Foi através dos fiadores que tomaram conhecimento do invocado incumprimento.

    8. Declarou a testemunha E… (…).

    9. A testemunha F… declarou (…).

    10. O Banco Exequente não estava dispensado da legal comunicação aos Recorrentes.

    11. A missiva de 06-07-2009, não detém tal virtualidade, isto é não legitima, nem integra a exigida interpelação.

    12. A Exequente não podia ignorar que a habitação adquirida destinou-se a habitação própria e permanente, sendo obviamente, a partir dessa data, essa a morada dos Recorrentes.

    13. A que acresce o facto de que tal missiva não foi recepcionada pelos Recorrentes.

    14. O artigo 224.º, n.º 1 do C.C. estabelece as regras relativas à eficácia da declaração negocial, estabelecendo que para protecção dos interesses do declarante, dentro dos princípios da boa fé, a declaração também se considera eficaz se só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.

    15. A Exequente em nenhum momento explicou aos Recorrentes a obrigação de informarem o Banco, além da já prestada na escritura de fls., que a morada passaria a ser a indicada, na escritura, como habitação própria e permanente.

    16. O Exequente interveio na escritura! 19.º Teve cabal conhecimento dos seus termos.

    17. A declaração ali prestada pelos aqui Recorrentes de que o prédio dado de hipoteca, passaria a ser a residência permanente dos mesmos não poderia ser mais explícita e clara.

    18. E ao abrigo do previsto no artigo 224.º, do C.C. foi de imediato conhecida da Recorrida que se conformou com tal declaração e a ela nada opôs.

    19. Assim sendo, entendem os aqui Recorrentes que a missiva de fls., não se tornou eficaz e por isso não foi cumprido o dever de interpelação que recaia sobre a Exequente.

    20. A Exequente também não pode ignorar o regime legal específico dos créditos concedidos para habitação, designadamente o Decreto-Lei n.º 51/2007 de 7 de Março, que regula as práticas comerciais das instituições de crédito e assegura a transparência da informação por estas prestada no âmbito da celebração, da renegociação e da transferência dos contratos de crédito para aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para aquisição de terrenos para construção de habitação própria, referindo o seu n.º 2 a aplicação aos contratos em execução.

    21. Tão pouco pode a Exequente ignorar o dever de informação (se entendesse que os aqui Recorrentes deveriam ter...

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