Acórdão nº 238/16.9PDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 238/16.9 PDPRT.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I - RelatórioNo âmbito do processo comum que, sob o n.º 238/16.9 PDPRT, corre termos pela 1.ª Secção Criminal (J10) da Instância Central da Comarca do Porto, foram submetidos a julgamento, por tribunal colectivo, os arguidos B… e C…, mediante acusação do Ministério Público que lhes imputou a prática de factos que, em seu critério, eram susceptíveis de consubstanciar um crime de tráfico de estupefacientes.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, após deliberação do Colectivo, foi proferido acórdão (fls. 358 e segs.), datado de 09.03.2017 e depositado na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo acordam em julgar a douta acusação parcialmente procedente e, em consequência:

  1. Absolver a arguida C… da prática, como coautora, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº1 do DL 15/93, de 22.1.

  2. Condenar o arguido B…, pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93, de 22.1., com referência às Tabela I-A e I-B anexas a tal diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    * Declaram-se perdidos a favor do Estado:- Todos os produtos estupefacientes apreendidos nos presentes autos e ordena-se a sua destruição (arts. 35º, nº2 e 62º, nº6, ambos do DL 15/93, de 22.01); - Bolsas/sacos (cantos) /embalagens onde esses produtos estavam acondicionados, balança de precisão e lâminas de x-ato, por se tratar de objetos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de tráfico de estupefacientes, e, por oferecerem, pela sua natureza e as circunstâncias do caso, sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, ordena-se a sua destruição (arts. 35º, nº1 do DL 15/93, de 22.01 e 109º, nº1 e 3, do CP); - Declaram-se perdidas a favor do Estado as quantias de € 1.000,00 e de € 573,25 aprendidas ao arguido, atenta a sua proveniência ilícita (36º, nº1 do DL 15/93, de 22.01)”.

    Discordando da decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): 1 - “A arguida C… vinha acusada, em co-autoria com o co-arguido B…, seu marido, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do DL 15/93, de 22.1, tendo o Tribunal a quo decidido pela sua absolvição.

    2 - No Douto Acórdão ora recorrido decidiu o Tribunal a quo a absolvição da arguida do crime pelo qual foi acusada, pelas razões que explicitou na motivação da decisão, mas entendendo o Ministério Público que, perante os factos considerados provados, diversa teria que ser a decisão quanto aos factos integradores dos elementos constitutivos do tipo de crime em causa, assim se verificando um erro de julgamento em matéria de facto, bem como outra deveria ter sido a decisão de Direito, assim se verificando um erro de julgamento em matéria de Direito, tudo no sentido da sua condenação.

    3 - Na verdade, importa ponderar que podia e devia ter sido equacionada a imputação de responsabilidade penal à arguida a título de cúmplice, tendo em conta desde logo que, para a existência da cumplicidade importa a autoria do facto, sendo fundamental a existência de uma relação causal entre a actividade do cúmplice e a actividade do autor, não podendo aquela existir sem esta.

    4 - Por outro lado, na distinção entre autoria e cumplicidade deverá atender-se à denominada teoria do domínio do facto nos termos da qual se entende que o autor, ou co-autor, será aquele que detém ou pode deter a possibilidade fáctica de intervenção nos acontecimentos.

    5 - Conforme diz Hans-Heinrich Jesheck, “cumplicidade é a cooperação dolosa com outro na realização de um seu (dele) facto antijurídico dolosamente cometido. O cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio, não toma parte no domínio do facto”.

    6 - No acórdão recorrido dá-se como provado no ponto 2.: “Os arguidos B… e C…, são casados entre si e a atividade de venda de estupefacientes levada a cabo pelo primeiro era desenvolvida a partir da residência do casal, na Rua …, entrada …, casa .., nº … do Bairro …, nesta cidade.” 7 - E ainda no ponto 3.: “Assim, no dia 18 de Junho de 2016, pelas 01h12m, o arguido B… foi contactado naquela residência por D…, tendo-lhe entregue 0,080 gramas (peso líquido) de cocaína (cloridrato), e em troca recebeu uma nota de cinco euros”, seguindo-se a descrição de que como nessa altura se procedeu a busca na residência de ambos, onde se encontrava a arguida C…, estando esta sentada no sofá da sala de estar, tendo na mesa dessa sala, à sua frente, expostas as descritas quantidades de cocaína, heroína, €573,25 em notas e moedas, uma balança de precisão, lâminas e cantos de plástico próprios para acondicionar doses de estupefaciente; 8 - E nos pontos 6 e 7 dos factos provados, fixou-se que “- A arguida C…, por vezes, a solicitação do seu marido B…, no interior da residência comum do casal, quando este se encontrava na atividade de preparação, doseamento ou acondicionamento dos produtos estupefacientes, chegava-lhe à mão sacos ou outros objetos que aquele lhe indicasse.”; e “- A arguida C… era conhecedora da atividade de venda de produtos estupefacientes levada a cabo pelo arguido B…”; 9 - Tal factualidade assenta, em grande medida, na valoração das declarações prestadas pela arguida perante Juiz de Instrução Criminal, no primeiro interrogatório judicial de 18.06.2016, conforme registo da gravação respectiva, reproduzido em audiência de julgamento, em que admitiu ajudar numa coisa ou outra o marido, na actividade de tráfico.

    10 - Não se pode obviar ainda ao facto de, no dia da busca e apreensão no interior da residência comum do casal, em 18 de Junho de 2016, altura em que foi visualizada uma venda de dose de cocaína à porta da sua residência, a arguida C…, que autorizou a busca domiciliária, se encontrar na sala de estar da residência, sentada no sofá em frente à mesa em cima da qual foram encontradas e apreendidas, além do mais, as quantidades de cocaína, heroína, o dinheiro, a balança de precisão, lâminas e cantos de plástico próprios para acondicionamento de produto estupefaciente (tal como provado no ponto 4 dos factos provados).

    11 - Verifica-se, deste modo, que a conduta da arguida foi para além do mero conhecimento e tolerância à presença de estupefacientes na sua residência e da prática de actos triviais e sem relevo criminal, pois, na verdade, a arguida prestou auxílio activo ao arguido B…, seu marido.

    12 - Admite-se que, perante a prova produzida, se conclua que a arguida não detinha o domínio do facto, apenas actuando como simples auxiliadora, mas a sua conduta não pode deixar de ser integrada na prática, como cúmplice, do descrito crime de tráfico de estupefacientes e, deste modo, determinar a sua condenação.

    13 - Pelo que à luz da interpretação que antecede, fica patente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, ao não dar como provado, ao menos, que “a arguida C… colaborava na actividade desenvolvida pelo arguido B…”.

    14 - Assim se impondo a alteração da matéria de facto de modo a ser dado como provado que “a arguida C… colaborava na actividade de comercialização de estupefacientes desenvolvida pelo arguido B…, agindo sempre livre, consciente e voluntariamente, conhecendo as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que aquele arguido guardava na residência comum de ambos e transaccionava com intenção de obter contrapartida económica, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.” 15 - E, consequentemente, ser determinada a condenação da arguida pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, tal como p. e p. nos artigos 27º, do Código Penal e 21º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22.1, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas a este diploma legal.

    16 - Mostram-se violados, na decisão a quo, os artºs 27º do Código Penal e 21º nº1, do D/L nº 15/93, de 22/01, bem como os princípios contidos no art.º 127º do C.P.P.”.

    Pugna, assim, pela revogação da decisão absolutória e pela sua substituição por outra que condene a arguida C… pela prática, como cúmplice do co-arguido B…, de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22/1, “numa pena, ainda que não detentiva, e no limiar mínimo da moldura respectiva”.

    *Admitido o recurso (despacho a fls. 430) e notificada a arguida C… (a única afectada pela sua interposição), por esta foi apresentada resposta à respectiva motivação, que sintetizou assim: I. - “A Digníssima Procuradora da República não se conformando com o douto Acórdão proferido, na parte em que decidiu absolver a arguida da prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93 de 22.01, do mesmo veio a interpor recurso para o douto Tribunal da Relação do Porto.

    1. - Ora, a decisão sobre esta matéria encontra-se motivada, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a quo, nenhuma delas proibidas por lei, e todas de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção (artº 127º), operando a sua análise crítica (artº 374º, 2 - todos do CPP).

    2. - Também no douto Acórdão se analisam, com detalhe, a eventual participação da arguida C…, como cúmplice, (já que como coautora, estamos todos de acordo, que a mesma não poderia nunca ser condenada).

      IV - E é, a nosso ver, uma fundamentação convincente, na qual é feita a análise das várias provas produzidas, retratando exemplarmente a consagração no direito processual penal dos princípios da oralidade e da imediação, no que toca ao processo psicológico de formação da convicção...

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