Acórdão nº 748/15.5PAESP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Junho de 2017

Data21 Junho 2017
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 748/15.5PAESP.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do PortoI – RELATÓRIO1. No Processo Comum (Singular) nº 748/15.5PAESP (da Secção Criminal (J7), da Instância Local do Porto, Comarca do Porto), após realização da audiência de julgamento, no dia 06.12.2016 foi proferida sentença (constante de fls. 155 a 159), na qual se decidiu condenar o arguido B… (devidamente identificado nos autos) pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210° nº 1 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 18 (dezoito) meses.

  1. Inconformado, o arguido interpôs recurso (constante de fls. 168 a 177), finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “1° Entende o recorrente que dos factos dados como provados a fundamentação jurídica aduzida pela Mm Juiz a quo, as conclusões que extraiu dos factos e as normas em que se fundou, não se mostram correctas, e outrossim que o desfecho da causa deveria ser distinto.

    1. O Tribunal " a quo" condenou o arguido em autoria material e na forma consumada do crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210° n.º 1 do Código penal, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, nos termos do disposto no artigo 50° do Código Penal.

    2. Estabelece o referido art. 210°, n.° 1 do C.Penal que «Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos».

    3. O objecto do crime de roubo é a "coisa móvel alheia ". A conduta típica consiste no "subtrair " ou no "constranger " o proprietário ou o detentor a que entregue a coisa.

    4. No presente caso, o Tribunal " a quo" deu como provado que o arguido abeirou-se do ofendido e disse-lhe "sou toxicodependente, preciso de 10 euros, para comprar uma dose, estou armado e não fujas pois eu corro muito e apanho te se tentas fugir” o ofendido não tinha essa quantia e o arguido solicitou que aquele fizesse um levantamento de 20.00 euros e de seguida exigiu que lhe entregasse o computador que possuía.

    5. Ora, será que o facto do arguido ter dito que era toxicodependente e estava armado, para o ofendido não correr que o apanhava porque corria muito, é suficiente para provocar medo, inquietação, temer pela sua integridade física? 7° Somos da opinião que não, pois, quer o arguido e ofendido são dois jovens, a estatura física de um e de outro é idêntica. O arguido falou que estava armado, mas não tinha qualquer arma, nem consta nos factos provados que possuía arma. O arguido não empregou qualquer violência para que o ofendido procedesse ao levantamento dos 20.00 euros e lhos entregasse, bem como, o computador.

    6. Como também o facto de ter dito que não adiantava fugir que o apanhava, pois corria muito, é do sendo comum que isto não corresponde à verdade, um individuo que é toxicodependente o seu rendimento na corrida é inferior a um individuo que não consuma produtos estupefacientes.

    7. Pelo que, o arguido cometeu um crime de furto e não de roubo assim como se tem de convolar a acusação do crime roubo - arts. 210° n.° 1 do Código Penal - para o de furto - art. 203°, n.° 1, do mesmo Código - tal convolação implica, necessariamente, a alteração, de alguns factos acusados, já que, tratando-se, embora, de dois crimes contra o património, são bastante diferentes na respectiva configuração típica, objectiva e subjectiva, deste modo deverá ser dado cumprimento do estatuído no artigo 359° do Código de Processo Penal.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, com o douto suprimento que sempre se espera de Vossas Excelências, deve ser reapreciada a matéria de facto e de direito nos termos alegados e, na procedência das conclusões do presente recurso, deverá ser revogada a sentença proferida, substituindo-se por Acórdão desta Relação que ordene a convolação da acusação do crime roubo - arts. 210° n.° 1 do Código Penal - para o de furto - art. 203°, n.° 1, do mesmo Código - tal convolação implica, necessariamente, a alteração, de alguns factos acusados, já que, tratando-se, embora, de dois crimes contra o património, são bastante diferentes na respectiva configuração típica, objectiva e subjectiva, deste modo deverá ser dado cumprimento do estatuído no artigo 359° do Código de Processo Penal.

    Assim sendo Farão V. Exas.

    A costumada e sã Justiça” 3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 178.

  2. A magistrada do Ministério Público, junto da primeira instância (a fls. 186 a 189), respondeu ao recurso, concluindo no sentido de que ao mesmo deve ser julgado improcedente, embora sem apresentar conclusões.

  3. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 197 e 198), emitiu parecer também no sentido da improcedência do recurso.

  4. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

  5. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

    No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, seguindo uma ordem de precedência lógica, as questões a conhecer são as seguintes: - Impugnação da matéria de facto - Qualificação jurídica dos factos (defendendo o recorrente que não se mostra preenchido o crime de roubo por que foi condenado, mas apenas o crime de furto).

  6. Decisão recorrida:Definidas as questões a tratar, vejamos, desde já, o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à motivação da matéria de facto (transcrição):“FACTOS PROVADOS1.- No dia 28 de Setembro de 2015, cerca das 21h40m, na Rua …, …, no Porto, o arguido B… decidiu abordar o ofendido C…, com o fim de lhe subtrair o dinheiro e bens que este transportasse consigo, ainda que para concretizar os seus intentos tivesse que usar de violência.

  7. - De seguida, o arguido dirigiu-se ao ofendido C… e disse-lhe “sou toxicodependente, preciso de 10 euros para comprar uma dose, estou armado e não fugas pois eu corro muito e apanho-te se tentas fugir”.

  8. - O citado ofendido referiu que não possuía tal quantia, altura em que o arguido lhe exigiu que fizesse um levantamento bancário de €20,00 (vinte euros), o que aquele, temendo pela sua integridade física e vida, de imediato fez, procedendo ao levantamento de tal quantia na Agência do Banco D…, sita no …, …, no Porto, e entregando-a ao arguido, bem como a quantia que tinha na sua posse de €5,00 (cinco euros).

  9. - De seguida, o arguido exigiu ao ofendido que lhe entregasse o computador que possuía, o que aquele, temendo pela sua integridade física e vida, de imediato fez, entregando- lhe um computador portátil, de marca “Packard Bell …, de cor branca, no valor na altura de cerca de €300,00 (trezentos euros), mas que anteriormente lhe tinha custado cerca de €800,00 (oitocentos euros).

  10. - O arguido B… agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito, concretizado, de integrar no seu património dinheiro e bens de valor pertencentes ao ofendido C…, bem sabendo que não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade daquele.

  11. - O arguido atuou sempre com a intenção, concretizada, de criar no espírito do ofendido medo ou receio iminente quanto à sua integridade física e vida, colocando-o na impossibilidade de resistir.

  12. - Mais sabia o arguido que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei e o fazia incorrer em responsabilidade criminal.

  13. - O arguido é solteiro, antes de preso estava desempregado, mas já tinha trabalhado como pescador e empregado de mesa; tem o 5.º ano como habilitações literárias, tem o apoio da mãe e dos irmãos; na altura dos factos consumia haxixe, heroína e cocaína, faz tratamento no estabelecimento prisional e deixou de consumir tais produtos; quando sair da prisão tem onde trabalhar.

  14. - O arguido tem antecedentes criminais como consta do seu certificado junto a fls. 137-138, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e já foi condenado pelos crimes de furto qualificado e de roubo, por decisões de 19/09/2014, de 27/11/2014 e de 26/03/2015, com aplicação de duas penas de prisão suspensa e uma pena de 14 meses de prisão efetiva.

  15. - No decurso da audiência de julgamento, o arguido admitiu os factos, declarou-se arrependido e pediu desculpa ao ofendido.

    FACTOS NÃO PROVADOSNão resultaram ‘não provados’ quaisquer factos com relevância para a causa, sem prejuízo do que provado ficou.

    MOTIVAÇÃO DE FACTOComo se sabe, vigora entre nós o princípio da livre apreciação da prova, incluindo da prova testemunhal cfr. o art. 127.º do CPP.

    Este princípio significa que o tribunal deve julgar segundo a sua consciência e segundo a convicção que formou, face às provas produzidas e tendo em conta a perceção direta que a imediação, o contraditório e a oralidade conferem.

    Todos estes elementos constituem um acervo de informação verbal e não verbal rica, imprescindível e incindível para a apreciação e valoração (racional e crítica) da prova produzida, de forma a permitir a sua motivação e controlo.

    Tendo em atenção tudo o que ficou dito, no seu critério de livre apreciação o tribunal pode mesmo considerar provado um facto afirmado no depoimento de uma única testemunha, embora perante ele...

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