Acórdão nº 255/16.9Y2VNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA ERMELINDA CARNEIRO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 255/16.9Y2VNG.P1 Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia - Instância Local – Secção Criminal – J1 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório: No processo de contraordenação com o nº ………., a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária aplicou à arguida B… (melhor identificada nos autos) sanção acessória de inibição de conduzir especialmente atenuada, pelo período de 30 (trinta) dias pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 27º, nºs 2 al a) e 3, 28º, nºs 1 al b) e 5, 138º e 146º, al. c), todos do Código da Estrada, ocorrida em 07/08/2013 (a arguida havia pago a correspondente coima no valor de € 300,00).

Notificada da decisão administrativa, apresentou a arguida competente impugnação judicial ao abrigo do disposto no artigo 59º do RGCC., defendendo, em síntese, ser nula a decisão administrativa por insuficiência de fundamentação pugnando, ainda, pela suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, por considerar que a sua conduta deveria ser considerada como infração grave e não muito grave como foi cominada. Invoca, por fim, a ausência de registo de condenações anteriores e a sua situação profissional e familiar.

Proferido despacho nos termos do disposto no artigoº 64º, nº 2 do RGCO, o tribunal “a quo” decidiu mediante despacho, no qual manteve integralmente a decisão administrativa.

Novamente inconformada, recorreu a arguida para este Tribunal, terminando a motivação, após aperfeiçoamento, com as seguintes conclusões: (transcrição) I.

A sentença proferida nos presentes autos deve ser revogada II.

Com efeito, subsiste nos autos vícios que inquinam todo o processado, isto é, falta de notificação da arguida e falta de fundamentação do despacho e da desnecessidade da produção de prova oferecida pela arguida.

III.

Vícios geradores de nulidade processual, que devem determinar a absolvição da arguida, com todas as legais consequências.

IV.

O tribunal a quo deu, designadamente, como provado que: - No dia 07.08.2013 pelas 17h10m, na Avenida … nesta cidade de Vila Nova de Gaia, sentido sul/norte, junto às bombas da C…, a arguida B…, identificada nos autos, circulava conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-LS-.., pelo menos à velocidade 93km/h, correspondente à velocidade registada de 98 km/h deduzido o valor de erro máximo admissível, sendo a velocidade máxima no local de 50km/h, velocidade essa verificada através do Radar Multanova, Mod. MR6FD, aprovado pela ANSR, pelo despacho n.º 15919/11 de 12.8.2011; - A arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e com a prudência a que o trânsito de veículos aconselha, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a conduta descrita é proibida e sancionada pela lei contraordenacional; - Dos autos não resulta que com a sua conduta a arguida tenha provocado, em concreto, perigo para o restante tráfego ou pessoas; - Do registo individual de condutor da arguida não resulta averbada a pratica de qualquer contraordenação; - A arguida pagou voluntariamente a coima.

V.

A arguida nunca foi notificada nos termos do artigo 113º nº 10º CPP VI.

Facto pelo qual foi violado o artigo 113.º n.º 10 CPP, o qual prevê a notificação do arguido, na sua pessoa, da decisão instrutória.

VII.

Uma vez que, o despacho no qual se considere possível decidir por simples despacho (64º nº2 do RGCO) equiparar-se à decisão instrutória.

VIII.

Na verdade, conforme douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no recurso nº 558/96 “No processo de contra-ordenação, o despacho que, aceitando a impugnação judicial, designe dia para julgamento, ou, no qual se considere possível decidir, por simples despacho conforme se permite nos artigos 64º e 65º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, equivale ao de pronúncia”.

IX.

Assim, o despacho em causa constituiu-se num dos despachos que tem também de ser notificado à recorrente, independentemente de realizada a notificação na pessoa do seu mandatário, nos termos do disposto no artigo 113º., nº 10 CPP.

X.

Acresce que, a falta de notificação da arguida causa uma diminuição efectiva das suas garantias de defesa, violando o previsto no artigo 32.º n.º 1 da CRP.

XI.

Termos em que, o despacho em que se considerou possível decidir por simples despacho padece de nulidade, por preterição de notificação, nos termos do disposto no artigo 120º, nº 2 do CPP XII.

O mesmo se diga da falta de fundamentação do despacho no qual se considerou possível decidir por simples despacho.

XIII.

Com efeito, o douto despacho não revela os motivos da desnecessidade de audiência de julgamento nem da produção de prova apresentada pela arguida.

XIV.

É certo que o nº 2 do artigo 64º do RGCO não prevê expressamente o dever de fundamentação da decisão, apenas fazendo menção à exigência legal de notificar o Ministério Público e o arguido para estes declararem se se opõem ou não à decisão por simples despacho.

XV.

Contudo, decorrência dos princípios gerais de direito e do artigo 97º, nº 5 do CPP, qualquer acto decisório tem de ser sempre fundamentado.

XVI.

Isto porque, “o dever de fundamentação das decisões judiciais é uma garantia integrante do próprio Estado de direito democrático, artigo 2º da Constituição da República, ao menos quanto àquelas que tenham por objeto a solução da causa em juízo", cfr Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3 ed. pág. 798), pois “são necessários para convencer da sua legalidade” e para “garantir o direito ao recurso, desde logo” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 216/07.9TAMBR-C.P1).

XVII.

Acresce que tal fundamentação também não consta do douto despacho recorrido, o qual não faz qualquer menção aos motivos da desnecessidade da audiência de julgamento nem da produção de prova apresentada pela arguida.

XVIII.

Pelo que, padece de vício de falta de fundamentação gerador de nulidade, face ao conteúdo das disposições conjugadas dos artigos 97.º n.º 5 do CPP e 2.º, 32.º n.º 1 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 119º. Al c) e al f) e 120º, nº 2 al b) do CPP.

XIX.

Mais se diga que, a arguida indicou uma testemunha para ser ouvida em sede de audiência no recurso interposto da douta decisão da autoridade administrativa.

XX.

E, “independentemente da relevância da defesa, é normal que o recorrente espere que o juiz apenas decida (…) depois de lhe serem comunicadas as razões porque se considera a prova irrelevante” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/09/2015.

XXI.

Com efeito, conforme douta decisão do Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 0311921, “a desnecessidade da audiência para a decisão do recurso de impugnação judicial pressupõe que o tribunal, ao formular o juízo sobre essa acusação, considera haver no processo todos os elementos de facto que viabilizam uma correcta decisão de direito”.

XXII.

E, “em caso da manutenção da decisão administrativa, o juiz deve fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos, como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção (artigo 64.º nº 4 do RGCO)”.

XXIII.

Com efeito, no caso concreto, a Mm. ª Juiz apenas dá como provado os factos constantes do auto de notícia.

XXIV.

Não fundamentando a desnecessidade da produção de prova, violando o dever de fundamentação dos actos decisórios, conforme previsto no artigo 97º, nº 5 do CPP XXV.

Mais, tanto do artigo 48.º do RGCO, como subsidiariamente do artigo 243.º do CPP, não resulta expressamente que o auto de notícia faça fé em juízo.

XXVI.

E, ainda que o artigo 151.º, nº 3, do C E estatua que "o auto de notícia levantado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário", a verdade é que esta norma, não pode erigir-se como princípio geral de todo o processo contraordenacional.

XXVII.

Pelo que se concluí que, não sendo o auto de notícia o único elemento de prova, por a arguida ter oferecido prova testemunhal, o tribunal não poderia dar como provados os factos mencionados no despacho, o que é contraditório com o entendimento expresso de ser possível decidir por mero despacho e evidencia um ostensivo erro notório na apreciação da prova, configurando-se, pois, os vícios das alíneas b) e c) do nº 2 do art. 410 do CPP.

Termos em que e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se a sentença recorrida, tudo com as legais consequências e em conformidade com as conclusões.

Fazendo-se assim, a habitual e necessária Justiça».

Recebido o recurso, o Ministério Público na 1ª instância apresentou resposta pugnando pela manutenção da decisão em recurso.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, pronuncia-se pela manifesta improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo a recorrente apresentado resposta, na qual reiterou a posição vertida nas suas conclusões.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II-Fundamentação: Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das...

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