Acórdão nº 632/16.5GAALB-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução29 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 632/16.5GAALB-A.P1 1ª Secção ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo de inquérito nº 632/16.5GAALB, que corre termos na Comarca do Aveiro, Instância Central, 2ª Secção de Instrução Criminal, J1, após interrogatório judicial de arguido, foi imposta a medida de coacção de prisão preventiva a B…, melhor identificado nos autos.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): CONCLUSÕES I - Em 05 de Dezembro de 2016, o ora recorrente foi presente ao Tribunal a quo de Águeda, o qual, em sede de primeiro interrogatório judicial, decretou a sua prisão preventiva, enquanto suspeito da prática de um crime de violência domestica, p.e p. pelo art. 152.° n.1 al. a) e c), n.º2, n.º3, n.º4, n.º5 e n.º6 do Código Penal.

II- O recorrente encontra-se preso no Estabelecimento Prisional de Aveiro desde o dia 06 de Dezembro de 2016.

III - Na sua fundamentação, o tribunal invocou que" tendo em conta a reiteração dos factos, a personalidade do arguido, a gravidade dos factos, entendemos que se verifica em concreto, a continuação da actividade criminosa que se impõe acautela".

IV - A prisão preventiva do recorrente fundou-se ainda" permitir que o arguido saia com liberdade sem aplicar uma medida preventiva da liberdade é dar-lhe a possibilidade de contactar de imediato com a ofendida e poder perpetrar atos ainda mais graves que o do dia de ontem, designadamente atentar contra a vida da mesma, que se impõe acautelar".

V - Conforme veremos, não se verificam as condições e os pressupostos legais exigíveis para a aplicação de medida tão gravosa.

VI - O recorrente tem cerca de 50 anos de idade e não tem antecedentes criminais.

VII - Podemos assim concluir que os factos em investigação nos autos, a confirmarem-se, constituem um episódio isolado na sua vida, que, até aqui, tem sido orientada de acordo com os ditames do direito.

VIII - Aliás, a sua evidente ingenuidade e simplicidade estão patentes no comportamento que adotou aquando da sua detenção e prisão e no próprio interrogatório judicial, bem como no facto de não se ter furtado à justiça, tendo inclusive colaborado com esta.

IX - Antes de ser preso, o recorrente tinha paradeiro fixo e certo, vivendo com a sua mulher, com um filho de 14 anos e com uma filha maior, mãe de 2 filhos, sendo um óptimo pai.

X - Na verdade, para além da sua família, todos os seus amigos ficaram chocados, perturbados e preocupados com o sucedido.

XI - Acresce que, era o recorrente era o pilar económico do agregado familiar, que agora se debate com dificuldades económicas para prover o seu sustento e pagar as despesas mensais.

XII - Do ponto de vista social, o recorrente é visto pela comunidade como uma pessoa pacífica, respeitadora e humilde, encontrando-se plenamente inserido no meio onde vive.

XIII - Ou seja, estamos perante uma pessoa plenamente inserida do ponto de vista familiar e social.

XIV - Um dos princípios basilares de um Estado de Direito é o princípio da liberdade do cidadão, o qual está, no nosso ordenamento jurídico, consagrado no art.º 27, n.º1, da Constituição da Republica Portuguesa (de ora em diante CRP) XV - Assim, só em situações de maior gravidade e por imperativo social relevante tal princípio poderá ser limitado.

XVI - A aplicação da prisão preventiva está sujeita não só às condições gerais contidas nos arts. 191° a 195°, do Código de Processo Penal (de ora em diante CPP), em que avultam os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, como aos requisitos gerais previstos no art. 204° e aos específicos consagrados no art. 202°. Cfr. o Ac. da RP, de 16.11.2011 in www.dgsi.pt (Proc.n0828/10.3JAPRT-D.P1).

XVII - Como se lê no art, 191°, n.º1 do CPP, " a liberdade das pessoas só pode ser limita, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei".

XVIII - Por outro lado, o art. 193°, n.º1 , do CPP, prevê que" as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas".

XIX - Neste contexto, a aplicação de medidas de coação, maxime da prisão preventiva, pautando-se pelo princípio constitucional da presunção da inocência, deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.

XX - Princípios esses que impõem " que qualquer limitação à liberdade do arguido anterior à condenação com trânsito em julgado deva não só ser socialmente necessária mas também suportável " JOAO CASTRO E SOUSA in "Os Meios de Coação no Novo Código de Processo Penal.

XXI - A prisão preventiva, enquanto medida de coação de natureza excecional e de aplicação subsidiária, só pode ser determinada quando as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes, devendo ser dada prioridade a outras menos gravosas por ordem crescente (cfr., conjugadamente, o art. 28°, nº2, da CRP e o art. 193°, nºs2e 3, do CPP).

XXII - Por outras palavras, a prisão preventiva é concebida como uma medida de coação de "ultimo ratio" ou "extrema ratio" ou seja, o Tribunal só pode aplica-la quando após a "verificação no caso não só de algum ou alguns dos requisitos gerais previstos no art. 204°, cumulados com os referidos na al, a) do n° 1 do art. 202°, mas também (... ) que todas as outras medidas de coação se mostrem inadequadas ou insuficientes (... )" ODETE MARIA DE OLIVEIRA in "As Medidas de Coação no Novo Código de Processo Penal", Jornadas de Direito Processual Penal - o Novo Código de Processo Penal, CEJ, Almedina, 1995, p.182.

XXIII - No caso concreto, não se verificam os pressupostos da prisão preventiva.

XXIV - Tal medida, aplicada ao recorrente, assentou na possibilidade continuação da actividade criminosa.

XXV - Sucede que o perigo aqui em causa, "deve ser real e eminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de factos vários, como sejam toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar".

Ac. da RC, de 19.01.2011 in www.dgsis.pt (Proc. nº 2221/10.9PBAVR-A.C1) XXVI - Ou seja, deve ser "aferida em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada - "em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido" nos termos da alínea c) do art.204°, do CPP".

Ac. da RC, de 19.01.2011 in www.dgsi.pt (Proc.no 2221/10.9PBAVR-A,C1) XXVII - Conforme se lê no sumário do Ac. da RC, de 02.06.99, citado no Ac. da Rc, de 19.01.2011 in WWW.dgsi.pt (Prac.nº 2221/10.9PBAVR-A.Cl): O perigo" terá de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou indiciem e não de mera presunção (abstracta ou genérica) ...o perigo terá de ser apreciado caso a caso, em função da contextualidade de cada caso ou situação, pelo que não cabem aqui juízos de mera possibilidade, no sentido de que só o risco real (efectivo) de continuação da actividade delituosa pode justificar a aplicação das medidas de coação, maxime a prisão preventiva".

XXVIII - ln casu, não foram mencionados factos susceptíveis de permitir a aplicação de medida tão gravosa ao recorrente, tendo a mesma assentado apenas em meros juízos abstratos, não concretizados em factos, tal como exige o art. 204°, do CPP.

XXIX - Até porque, não estão indiciados quaisquer factos que façam depreender a continuação da atividade criminosa e o perigo de perturbação do inquérito, nem a perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.

XXX - Na verdade, o comportamento colaborante, pacífico e humilde do recorrente, revela uma faceta da personalidade que, conjugada com a ausência de antecedentes criminais, a sua plena inserção social e familiar e a gravidade da conduta criminal indiciada, permite, indesmentivelmente, afirmar que estamos perante uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua prisão preventiva. Cfr. Ac. da RP, de 16.11.2011 in www.dgsi.pt (Proc.nº 828/10.3JAPRT-D.Pl).

XXX - Sem prescindir e admitindo-se por mera hipótese que existissem os perigos plasmados no art. 204,do CPP, os mesmos, no caso em análise, nunca teriam a carga atribuída pelo tribunal a quo e que justificou a prisão preventiva.

XXXI - De facto, atendendo à personalidade do recorrente, à ausência de antecedentes criminais e à sua plena integração social, as necessidades cautelares, que eventualmente existissem, podiam ser igualmente satisfeitas através de outras medidas de coação menos gravosas, nomeadamente e por ordem crescente, as constantes dos arts. 198° (obrigação de apresentação periódica) e 200° (proibição e imposição de condutas).

XXXII - De outra forma, a prisão preventiva deixará de ser uma medida excecional, a ultima ratio, passando a assumir-se como medida de coação regra.

XXXIII - Assim, a prisão preventiva é desproporcional ou excessiva face à gravidade do crime de que vem indiciado o recorrente.

XXXIV - Como salienta a RP, no Ac. de 02.12.2010 in www.dgsi.pt (Proc. nº30/10.4PEVRL-A.Pl): "Na verdade, não faria sentido que ao arguido fosse aplicada uma medida preventiva mais gravosa do que aquela em que se prevê ele venha a ser condenado. Isto porque aquela tem um carácter meramente instrumental e dependente desta - o que se visa não é mais do que assegurar a aplicação de uma sanção, pelo que seria absurdo que a medida preventiva ultrapassasse em gravidade a pena final." XXXV - No caso particular da prisão preventiva, o princípio da proporcionalidade desempenha "a função negativa de limitar a aplicação da mesma tão só aos casos em que a pena final previsível seja de prisão efectiva.

"Ac. da RP, de...

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