Acórdão nº 832/12.7TAPFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução10 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 832/12.7TAPFR.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1. No Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Instância Local de V. N. Gaia - Secção Criminal - J4, mediante acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, os arguidos B... e C... (devidamente identificados nos autos) imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26º, 28º e 227º, n.º 1, al. a), n.º 2 e 3 do Código Penal, com a redacção que a este último preceito foi dada por via da revisão operada pela Lei n.º 48/95, de 15.03, pela alteração introduzida pela Lei n.º 65/98 de 02.09 e DL 53/2004 de 18.03.

A assistente “D..., Lda” deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, com vista à sua condenação solidária no pagamento da quantia de €9.924,85, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação para contestar até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais que alega ter sofrido.

O assistente Instituto da Segurança Social, IP deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, com vista à sua condenação solidária no pagamento da quantia global de €197.618,05, adicionada de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento, montante correspondente aos valores das contribuições das remunerações dos trabalhadores e membros dos órgãos estatutários no período de Fevereiro a 2007 a Agosto de 2011.

Também a E..., SA, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, com vista à condenação destes no pagamento da quantia de 911,44 euros, acrescida de juros à taxa legal até efectivo e integral pagamento, como forma de ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos.

  1. Realizada a audiência de julgamento, no dia 29.11.2016 foi proferida sentença (constante de fls. 1291 a 1318), onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial na parte relevante): “- Condeno o arguido B... pela prática, em co-autoria, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26°, 28° e 227°, n.º 1, al. a), n.º 2 e 3 do Código Penal, com a redacção que a este último preceito foi dada por via da revisão operada pela Lei n.º 48/95, de 15.03, pela alteração introduzida pela Lei n.º 65/98 de 02.09 e DL 53/2004 de 18.03. na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 6 (seis) euros; - Condeno a arguida C... pela prática, em co-autoria, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 26°, 28° e 227°, n.º 1, al. a), n.º 2 e 3 do Código Penal, com a redacção que a este último preceito foi dada por via da revisão operada pela Lei n.º 48/95, de 15.03, pela alteração introduzida pela Lei n.º 65/98 de 02.09 e DL 53/2004 de 18.03. na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de 10 (dez) euros; (…) - Julgo improcedente, por não provado, o pedido de indemnização cível formulado pela "D..., Lda" e absolvo os demandados do mesmo; - Julgo improcedente, por não provado, o pedido de indemnização cível formulado pelo Instituto da Segurança Social LP. e absolvo os demandados do mesmo; - Julgo improcedente, por não provado, o pedido de indemnização cível formulado pela "D..., SA" e absolvo os demandados do mesmo; (…)” 3. Inconformada com a absolvição dos arguidos no que ao seu pedido de indemnização civil respeita, a assistente/demandante D..., Lda interpôs recurso (constante de fls. 1352 a 1356 fax- o original consta a fls. 1370 a 1378), retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “a. Por sentença, com valor condenatório, foram os arguidos B... e C... condenados pelo crime p. e p. pelo art.º 227.º.1ª), 2 e 3 do Código Penal.

    1. Significa isto, noutras palavras, que foram os arguidos punidos pelo cometimento doloso e em autoria material de um crime de insolvência dolosa, por tal se dizendo que se postula publicamente - a sentença condenatória, corolário da acusação, é indelevelmente pública – que os arguidos destruíram, danificaram, inutilizaram ou fizeram desaparecer parte do património de uma sociedade comercial, a insolvente F..., Lda., em favor ou privilégio de um novo ente, opaco e de fantasia e que pela mesma actividade social pretendia o exercício do comércio por aqueles sem o peso das dívidas, a sociedade G..., Lda.

    2. Nesta giza, quando antecipamos já que os arguidos saíram condenados e só se mostrou absolutória a decisão do pedido de indemnização civil formulado, é por ligarmos incindivelmente aos factos que sustentam a actividade criminosa os baluartes da necessária indemnização civil que justificamos o leitmotiv da pretensão recursiva.

    3. Com efeito, colhidos aqueles (os factos provados), estamos em condições de sugerir, quase apodicticamente, a justa medida da condenação no pedido de indemnização formulado como seu efeito ou consequência.

    4. Nesse arquétipo, um pomo de obviedade começa a revelar-se: o recurso incidirá inelutavelmente sobre um aporte de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, porquanto estamos assaz convictos que os factos provados, de per si, têm monta ou dignidade capaz de estribar a condenação na matéria cível.

    5. Por outro lado, quando é contra essa parte da sentença que se rebela a demandante, e assentando ela em pilares e numa argumentatividade que pugna pela ausência de preenchimento do taetbestand do art.º 483.º do Código Civil, será por apelo ao instituto da responsabilidade civil aquiliana e à sua aplicação in casu que iremos, também, mostrar-nos prosélitos de uma nova decisão ad quem.

      Por tanto, g. Com relevo para a discussão da causa e em relação de causa-efeito com a condenação, resultaram provados, da acusação pública, os seguintes factos com susceptibilidade de inversão do decidido a quo no atinente ao pedido cível da agora recorrente D..., Lda: •Factos provados f), g), h), i), j), l), m), n), o), p), q), r), t), u), aa) a ac) e af), nesta última merecendo destaque a consciência e afirmação jurisgénica por que os factos reveladores do crime de insolvência dolosa se desenharam sob um arquétipo ou idealização criminosa traduzido na consciente “frustração da garantia patrimonial dos seus créditos, mediante a ocultação e realização de transferências de propriedade de bens pertencentes à insolvente, em benefício dos próprios, de forma a evitar que os equipamentos e veículos acima descritos viessem a integrar a massa falida do processo de insolvência da F..., Lda., que todos sabiam iminente, e impedir que os credores fossem pagos pelo produto da venda dos mesmos”.

    6. O elenco dos factos provados supra indicados serve o senhor ou diapasão seguinte: a saber, mostram indiscutivelmente um intento criminoso por banda dos arguidos, corporizado através de uma miríade de actos e contratos que, com pré-consciência, visavam esvaziar o património da insolvente F... em favor da G..., Lda., máxime através da alienação da frota automóvel, do activo societário (vide, andaimes), dos trabalhadores e, ainda, da clientela.

    7. Ora, nesse campo, o da demonstração da ocultação ou perda patrimonial provocada, cumpre apurar se por si, pelos factos, não deveria a decisão incrustar, automaticamente, a condenação dos arguidos no pedido cível.

    8. Cremos que sim, sobremaneira quando o facto provado af), atinente ao intento logrado da frustração da garantia patrimonial dos credores, revela à saciedade a consequência patrimonial que da insolvência dolosa resultou para a recorrente.

    9. Sem património, com relações ou créditos sobre uma sociedade opaca, depois insolvente - a F..., Lda. -, e sabendo nós que esse património só não existia porque o activo, os contratos, os trabalhadores, o imobilizado, a frota automóvel e a clientela foram transferidos para a sociedade veículo que os arguidos criaram, resta-nos ver na sentença, entre os factos provados f), g), h), i), j), l), m), n), o), p), q), r), t), u), aa) a ac) e o facto provado af) uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

    10. Com efeito, se se apontam os factos da insolência dolosa e se diz que eles são consequência da frustração da garantia patrimonial dos créditos, tem se se ver, entre uma fundamentação com pendor favorável a uma pretensão cível e uma decisão que a posterga, uma insanável contradição.

    11. Ora, nos termos do art.º 410.º.2.b) do CPP, esta contradição insanável entre a fundamentação e a decisão constitui causa de apresentação de recurso, ao que se abre ensejo.

      Contudo, sem prescindir e orientando o recurso, agora, para o preenchimento dos requisitos do art.º 483.º do Código Civil e por aí devendo advir a condenação no pedido cível, n. A recorrente, sabemo-lo já, formulou nos autos um pedido de indemnização cível contra os arguidos, pelo valor de 9.924,85 Euros, acrescido de juros, por tanto corresponder ao danos patrimoniais que sofreu pelos actos que estes perpetraram sobre a sociedade F... e seus credores, onde se inclui.

    12. Ora, é inexorável que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, nos termos do art.º 129.º do CP, donde recorre a expressa remissão para o art.º 483.º do CCivil e, por aí, para o escalonamento ou estrutura piramidal de pressupostos por que ela depende.

    13. Gizam-se eles, na hermenêutica que todo o jurista faz da lei, por cinco: um facto voluntário, com natureza de ilícito, imputado ao agente e com efeito ou eficácia danosa, sustentando-se este tipo de responsabilidade, ainda, com um imprescindível nexo de causalidade entre o facto e o dano.

    14. É, nos termos do art.º 563.º do Código Civil e na esteira da chamada teoria da causalidade adequada na fórmula negativa de Enneccerus-Lehmann, o que se sustenta pela seguinte transcrição legal: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

    15. Quer isto...

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