Acórdão nº 471/13.5GBFLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução13 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 471/13.5GBFLG.P1 Data do acórdão: 13 de Abril de 2016 Relator: Jorge Langweg Presidente da Secção: António Gama Adjunta: Fátima Furtado Origem: Comarca de Porto Este Instância Local de Felgueiras | Secção Criminal Sumário: Não há lugar a desconto de período de proibição de condução veículo com motor, cumprido a título de injunção aplicada no âmbito de suspensão provisória de processo, à pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, aplicada em sentença proferida na sequência do prosseguimento do processo.

  1. A lei penal tipifica nos artigos 80º a 82º do Código Penal os descontos no cumprimento das penas e as injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo não se encontram elencadas nessas normas.

  2. As injunções cumpridas no âmbito de suspensão provisória de processo penal resultam de acordo jurídico-processual que visa a obtenção do benefício legal de não submissão do autor do facto a julgamento e possível aplicação de sanção penal e não têm a natureza de sanção penal.

  3. Tais injunções integram prestações (positivas ou negativas) que não são repetidas, ou seja, não há lugar a compensação pelo seu cumprimento, em caso de prosseguimento do processo, nos termos do disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal.

Acordam os juízes, acima identificados, da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o Ministério Público; I – RELATÓRIO 1. Por sentença proferida em processo sumaríssimo, em 15 de Julho de 2015, na determinação da pena exequenda, o tribunal a quo descontou à sanção acessória aplicada de quatro meses de inibição de condução, os "três meses de inibição" já cumpridos enquanto injunção no âmbito de suspensão provisória do processo.

  1. Inconformado com tal desconto, o Ministério Público interpôs recurso da decisão, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas: «Vem o presente recurso interposto do douto Despacho de fls. 95 a 97, exclusivamente na parte em que determinou o desconto de 3 meses de inibição já cumpridos em sede de suspensão provisória do processo na pena acessória de 4 meses de inibição de conduzir que lhe foi aplicada, ficando o arguido apenas com 1 mês de sanção acessória de inibição de conduzir para cumprir.

    A jurisprudência maioritária que recentemente se vêm afirmando entende que efectivamente se deve proceder ao aludido desconto.

    Todavia, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar, nem nos conformamos com tal entendimento, na medida em que, desde logo, é flagrante a falta de fundamento legal para operar a um tal desconto.

    O Código Penal contém um instituto inteiramente dedicado ao desconto, o qual consta dos arts. 80.° a 82.° do Código Penal.

    Trata-se de um regime bastante detalhado de descontos a efectuar de medidas processuais nas penas - art. 80.°; de penas anteriores - art. 81.° - e de medidas processuais ou pena sofridas no estrangeiro - art. 82º.

    Não consta do mesmo que o legislador tenha positivado a legalidade do desconto nos termos em que a jurisprudência acima referida defende.

    Podíamos pensar que se trata de uma omissão do legislador a qual devia ser integrada por recurso a analogia, neste caso, analogia in bonus partem, ou seja, a favor do arguido.

    Mas, este entendimento, colide com dois pontos: - primeiro, apesar de em 2007 o legislador tem alterado pontualmente o regime do desconto, alargando o seu âmbito de aplicação, e de em 2013 ter alterado o regime da suspensão provisória, acrescentando um nº 3 ao art. 281.° do Código de Processo Penal em que, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor, em nenhum dos casos, expressamente, o legislador passou a letra de lei a obrigatoriedade de um tal desconto; - por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça tirou o Acórdão de fixação de jurisprudência n010/2009 , in DR, I Série de 24-06-2009, segundo o qual, "nos termos do artigo 80º, nº 1, do Código Penal, não é de descontar o período de detenção a que o arguido foi submetido, ao abrigo dos artigos 116º, nº 2, e 332º, nº 8, do Código de Processo Penal, por ter faltado á audiência de julgamento, para a qual havia sido regularmente notificado, e a que, injustificadamente, faltou".

    Ou seja, o STJ entendeu não ser de alargar o desconto na pena de outras medidas processuais para além das legalmente previstas.

    Por outro lado, concomitante a esta falta de fundamento legal para proceder ao dito desconto, há que contar com o facto de o legislador ter, quanto a nós de forma lapidar, tomado posição sobre tal questão.

    Na verdade, o nº 4 do art. 282.° do Código de Processo Penal diz que "o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas".

    Como dissemos o legislador sobre esta matéria foi bastante claro no sentido de que, nas duas situações aí previstas, o processo prossegue os seus trâmites habituais e tudo quanto o arguido haja feito / prestado até aquele momento não lhe pode ser devolvido.

    O arguido perde tudo quanto prestou.

    O legislador não distingue: entre prestações facto e outras.

    Se fosse essa a sua intenção seria muito fácil passar essa distinção a letra de lei.

    A regra da não repetição é igual para todas as prestações feitas até ao momento em que se determina o prosseguimento dos autos.

    A ratio desta norma é a de pretender incutir ao instituto da suspensão provisória, assente numa base consensual, alguma responsabilidade ao arguido, no sentido em que este, aceitando a aplicação da suspensão provisória do processo deve empenhar-se no seu cumprimento e manter um comportamento recto, quer no cumprimento das injunções, quer na não prática de outros factos ilícitos, sob pena de perder tudo quanto até esse momento prestou por conta da suspensão provisória do processo.

    Esta solução não tem nada de inovador e extraordinário e até encontra algum paralelismo nos casos em que se determina a revogação da suspensão da pena de prisão.

    Dispõe assim o arte 56.°, n," 2 do Código Penal: "a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado" (sublinhado nosso).

    Nesta situação, caso se determine essa revogação e ainda que o arguido tenha cumprido alguma coisa ou algum tempo por conta da suspensão inicialmente determinada, não tem direito a qualquer desconto.

    Cumpre a pena principal por inteiro.

    Diz assim Maia Gonçalves, in Código Penal Português, Anotado e Comentado, 14.a Ed. 2001, em anotação ao art. 56.0 a pág. 205: "o nº 2 corresponde, sem alteração do relevo, ao art. 67. ° do Projecto de 1963 e ao art. 7 da Base VIII da Proposta de Lei n." 91X.

    Da discussão na Comissão Revisora resultou a eliminação da possibilidade de, em vez da pena decretada e que ficara suspensa, serem aplicadas outras sanções correspondentes ao crime.

    A parte final do n.°2 significa que o delinquente não poderá reaver quantias cujo pagamento lhe tenha sido imposto nos termos do nº 1 do art. 51.°, como condições de que dependia a suspensão da pena".

    Devidamente enquadradas (art. 56.°, nº 2 do Código Penal e art. 282.°, nº 4 do Código de Processo Penal), a teleologia das normas é a mesma.

    De resto, no entendimento defendido pela jurisprudência assinalada, não se compreende como possa falar-se numa ideia de justiça material, quando a consequência derivada da sua aplicação resulta, em nosso entendimento, numa clara violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, no art. 13.°, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

    Ou seja, nem todos os arguidos a quem fosse revogada a suspensão provisória poderiam posteriormente beneficiar do desconto.

    Na verdade, essa Jurisprudência apenas defende esse desconto para alguns casos, nomeadamente, o caso de sanções acessórias, o caso de pagamento de quantias ao Estado ou prestação de horas de serviços públicos.

    Mas, por que razão não hão-de os demais arguidos beneficiar de igual benesse? Por que razão uma pessoa que entrega € 500 a uma IPSS não pode ver a sua prestação repetida e alguém que entrega essa quantia ao Estado já a pode descontar numa posterior pena de multa? Por que razão uma pessoa que cumpre 40 horas de serviços públicos pode descontar 40 dias de multa numa posterior pena de multa e alguém que tenha estado 2 meses sem contactar com a vítima, não tenha frequentado determinado local ou tenha feito um pedido de desculpa à vítima não o pode fazer? Só porque não existe um critério aritmético que faça a devida correspondência.

    Por conseguinte, a tentativa de criar uma situação de descontos "ad hoc", há margem do regime dos descontos legalmente previsto, cria um grave problema de desigualdade de tratamento dos arguidos que viram a sua suspensão provisória do processo revogada, consoante o tipo e natureza de injunção que lhes Segundo o Ac. TRP de 22.04.2015. reI. Des. Pedro Vaz Pato, "... entende esta corrente que o conceito de "repetição" tem o sentido que lhe é dado no direito civil e, por isso, dela decorre que não será possível reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já efectuadas tenham de ser efectuadas outra vez".

    Ora, a posição que partilhamos e que cremos foi aquela que o legislador consagrou, para além do mais, não gera esta desigualdade de tratamento.

    A regra é simples e clara para todos: tudo o que foi prestado, seja ele de que natureza for, é perdido e não pode ser tido em conta posteriormente.

    E, nem se diga, que um tal entendimento pode gerar situações próximas da violação do princípio "ne bis in idem".

    Desde logo porque em termos técnicos não se pode falar nem em dois julgamentos, nem em duas penas em confronto.

    Mas, mais do que isso, uma e...

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