Acórdão nº 303/14.7T9VFR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | NETO DE MOURA |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 303/14.7 T9VFR-A.P1 Recurso penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 303/14.7 T9VFR, corre termos pela Secção Criminal (J2) da Instância Local de S.
ta Maria da Feira, Comarca de Aveiro, a encerrar o inquérito originado por uma queixa apresentada por B…, entretanto admitida a intervir como assistente, o Ministério Público proferiu despacho em que considerou não estar indiciada a prática de qualquer crime, mas determinou a notificação da assistente “nos termos e para os efeitos do art. 285º, n.º 1, do CPP”.
Na sequência da notificação ordenada, veio a assistente deduzir acusação particular contra C…, devidamente identificada nos autos, imputando-lhe factos que, em seu critério, integram a prática de um crime de injúria previsto e punível pelo artigo 181.º do Código Penal (fls. 12 e segs.), acusação que o Ministério Público não acompanhou (fls. 17).
Distribuído o processo, o Sr. Juiz proferiu o despacho a que aludem os artigos 311.º a 313.º do Cód. Proc. Penal, em que, além do mais, consignou: “O tribunal é competente e a assistente B… tem legitimidade para exercer a acção penal. Não se verificam nulidades, exceções e outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa, de que cumpra conhecer.
Recebo a acusação deduzida a fls. 187 contra a arguida C… pela prática dos factos e violação dos preceitos legais incriminadores aí descritos, que aqui dou por integralmente reproduzidos nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 313.º, n.º 1, al. a), do Código Penal”.
A audiência não se realizou na data designada, mas a Sra. Juiz (nova titular do processo) não designou nova(s) data(s) para o efeito.
Em vez disso, proferiu despacho, datado de 30.11.2015 (fls. 27 e segs.), em que decidiu apreciar a nulidade da acusação, concluindo assim: “Pelo exposto, nos termos que conjugadamente resultam do preceituado nos artigos 181.º, n.º 1, 184.º, 132.º, n.º 2, alínea l), 188.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, e 119.º, alínea b), do Código de Processo Penal, declaro a nulidade insanável correspondente à omissão de dedução de acusação pública pela prática do imputado crime de injúria agravado. Sem custas”.
É contra este despacho que a assistente se insurge, interpondo recurso para esta Relação, com os fundamentos que explanou na respectiva motivação e que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): I. “A ora Recorrente/Assistente não concorda com o teor do despacho que declara a "nulidade insanável correspondente à omissão de dedução de acusação pública pela prática do imputado crime de injúria agravado”.
II. É na qualificação jurídica do crime imputado que reside a razão da discordância da ora Recorrente, pois é seu entendimento que o crime em causa não é o agravado mas sim o simples e, como tal não assume a natureza de crime semi-público, mas sim de crime particular, tendo o Tribunal "a quo" errado ao decidir como decidiu.
III. De acordo com o enunciado fáctico vertido na participação criminal/queixa apresentada pela ora Recorrente contra a Arguida, a esta é imputada a prática de um crime de injúria p.
e p, pelo art.s 181.º do Código Penal, consubstanciando-se tal imputação na circunstância de, sendo ambas funcionárias/trabalhadoras de uma mesma Instituição e, como tal, colegas de trabalho (ainda que com hierarquias e funções distintas), e durante uma conversa de trabalho tida com os membros da Direcção (entidade empregadora de ambas) e de outros funcionários, a Arguida ter apodado directamente a ora Recorrente de incompetente, o que a ofendeu e atingiu na sua honra e consideração, sendo certo que quem dirigia os trabalhos da dita conversa não era a Recorrente, que ali estava apenas porque tal lhe foi determinado pela sua entidade empregadora e o assunto que discutiam, Arguida e entidade empregadora, não era relacionado nem com a Recorrente nem com as funções que esta desempenha na Instituição.
IV. O Tribunal “a quo” entendeu que: "....
a vítima é uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, porquanto exercia as funções de docente ou, pelo menos, de membro de comunidade escolar".
V. O ponto de discordância da ora Recorrente reside precisamente aqui, posto que se entende não poder ser a Recorrente considerada como estando abrangida no núcleo das pessoas visadas em tal normativo legal, pois que, no caso em apreço e tal qual relatado na participação criminal, a Recorrente e a Arguida são funcionárias da mesma Instituição e ainda que com funções, categorias e hierarquias distintas, são colegas de trabalho e, nessa qualidade, encontram-se numa posição de igualdade, não havendo aqui qualquer posição/função que urge proteger, não se impondo, pois, qualquer tutela penal reforçada, pois que quer a Recorrente quer a Arguida se encontram entre pares e numa posição de igualdade.
VI. Não há, no caso em apreciação, uma qualquer necessidade de proteção reforçada da vítima (entendida esta com o sentido que lhe é dado pelo Tribunal " a quo") posto que, e como supra se expôs, os factos cuja prática foram imputados à Arguida surgem quando ambas estão numa posição de paridade, e não quando a Recorrente assume uma posição cuja natureza haja necessidade de proteger.
VII. A previsão normativa do n.º 2, al. l) do art. 132.º do CP, abrange um conjunto de pessoas que, pela posição e funções que detêm e exercem, merecem uma tutela mais forte do que a que se prevê, via de regra, para outras pessoas que sofram da mesma agressão, mas não se encontrem naquela qualidade, nem por causa dela, não se enquadrando, o caso dos autos e da Recorrente, na situação que impõe a aplicação de tal artigo.
VIII. Ao decidir como decidiu e ao considerar que o crime cuja prática é imputada à Arguida é um crime agravado e, como tal, de natureza semi-pública, com as consequências processuais daí advenientes, o Tribunal laborou em erro e decidiu manifestamente contra legem, IX. violando o disposto no art.º 181.º do Código Penal, por o não aplicar, quando o deveria ter feito, considerando-se assim que o crime cuja prática é imputada à Arguida é um crime simples e de natureza particular, e X. violando o disposto nos arts. 184.º e art.º 132.º, n.º 2, al. l), ambos do Código Penal, por os aplicar, posto que, por errada interpretação, subsumiu a factualidade dos autos a tais artigos, quando o não deveria ter feito, uma vez que, repete-se, a Recorrente não se enquadra no núcleo de pessoas visadas em tal artigo 132.º, n.º 2, al. l), do CPP.
XI. Ao caso dos autos deve ser aplicado o disposto no art.º 181.º do Código Penal, devendo considerar-se que o crime em causa é um crime simples (e não agravado) e é um crime de natureza particular (e não semi-pública)”.
*Admitido o recurso e notificados os sujeitos processuais por ele afectados, apenas o Ministério Público veio responder à respectiva motivação, pronunciando-se pela sua improcedência e consequente confirmação do despacho em crise.
*Ordenada a subida dos autos ao tribunal de recurso, e já nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia em sentido, diametralmente, oposto ao do Ministério Público na 1.ª instância, pois entende que o recurso merece provimento.
*Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II - Fundamentação São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, a delimitar o objecto do recurso e a fixar os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010,.
Como resulta claro das conclusões do recurso, a assistente não aceita a (re)qualificação jurídico-penal dos factos (que imputou à arguida na acusação que deduziu) efectuada no despacho recorrido (“É na qualificação jurídica do crime imputado que reside a razão da discordância da ora Recorrente, pois é seu entendimento que o crime em causa não é o agravado mas sim o simples e, como tal não assume a natureza de crime semi-público, mas sim de crime particular, tendo o Tribunal "a quo" errado ao decidir como decidiu” - conclusão II), sem questionar se a Sra. Juiz (de julgamento) tinha poderes para proceder a uma tal alteração e, em consequência, declarar “a nulidade insanável correspondente à omissão de dedução de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO