Acórdão nº 43/13.4JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 43/13.4JAPRT.P1 Comarca do Porto Porto – Instância Local – Secção Criminal – J6 (Processo nº 43/13.4JAPRT) Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1. No âmbito presentes autos de Processo Comum (Singular) em que é arguido B… (devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento, no dia 01.04.2016 foi proferida sentença (constante de fls. 379 a 403, mas depositada apenas no dia 15.04.2016 - cfr. declaração de depósito de fls. 407), onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial na parte relevante): “I - Condenar o arguido, B…, pela prática, em autoria material, de um crime de violação, previsto e punível pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 164.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, em conjugação com o disposto no artigo 4.º do DL n.º 401/82, de 23/09, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.

*II - Nos termos do estabelecido no artigo 50.º, nºs 1, 4 e 5, do Código Penal, suspendo, pelo período 1 (um) ano e 10 (dez) meses, a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

Tal suspensão será acompanhada, nos termos dos artigos 50.º, 52.º, 53.º e 54.º, do Código Penal, por um regime de prova, mediante a imposição, além de outras que venham a mostrar-se necessárias, das subsequentes obrigações e regras de conduta: a) - cumprir um plano individual de readaptação social, a elaborar, no prazo de 2 meses, pelos serviços de reinserção social; b) - manter a consulta de adultos no Departamento C1… do Centro Hospitalar C… ou noutro departamento C1…; c) - procurar e exercer ocupação profissional adequada às suas qualificações e aptidões; d) - realizar, durante o período de suspensão, entrevistas com um técnico da DGRS, com a periodicidade por este definida; e) - receber visitas do técnico de reinserção social ou apresentar-se à DGRS, quando para tal for convocado, e prestar quaisquer esclarecimentos sempre que necessário; e f) - informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência.

(…)” 2. Inconformado, o arguido interpôs recurso (constante de fls. 409 a 428 – correio electrónico, o original consta a fls. 429 a 438), extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. Há erro notório na apreciação da prova (art 410°-2 c) CPP) quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado daquela forma.

  1. Na Douta Sentença aqui em crise, o Mmo Juiz a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova quando considerou que o acto sexual entre o Recorrente e o D… não foi consensual.

  2. Incorreu em erro notório na apreciação da prova quando considerou que o Recorrente teria ameaçado o D….

  3. Incorreu em erro notório na apreciação da prova quando considerou que tal ameaça causou medo no D….

  4. Incorreu em erro notório na apreciação da prova quando considerou que tal ameaça e o medo por ela causado constrangeu o D… a suportar ser sodomizado contra a sua vontade.

  5. Incorreu em erro notório na apreciação da prova quando considerou que tal ameaça foi uma ameaça grave.

  6. Incorreu em erro notório na apreciação da prova quando considerou que o Recorrente agiu com dolo.

  7. Tais erros decorrem de uma simples análise crítica, feita à luz das regras da experiência comum e à lógica normal da vida, e posem ser imediatamente percepcionados pela simples leitura da matéria de facto dada como provada e da sentença proferida.

  8. Corrigidos tais erros o Recorrente não pode deixar de ser absolvido, desde logo, por ausência de dolo - cfr. art. 13°-1 do CP.

  9. Ainda que assim se não entenda, o que se não concede, igualmente se teria de absolver o arguido por falta do requisito objectivo essencial para que haja violação que é o do constrangimento.

  10. Para a remota possibilidade de tal ainda assim se não entender, jamais se poderá entender a frase alegadamente ameaçatória como uma "ameaça grave", pelo que aqui, para além do erro notório na apreciação da prova, teria ainda o Mmo Juiz a quo violado o disposto no art. 164°-1 e 2 do CP, 12. Devendo, consequentemente, reformular-se na parte decisória a qualificação penal a qual, não podendo ultrapassar a da previsão do art. 164°-2 do CP, com uma moldura penal claramente inferior, o que implicará que a pena seja recalculada.

    TERMOS EM QUE REQUER A V. EXA.: Que, por tempestivo e legal se digne admitir o presente recurso com efeito suspensivo, e, a final, seja o mesmo julgado procedente por provado com as respectivas consequências legais, Tudo com o que Como sempre, Vas Exa.s farão JUSTIÇA! 3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 450.

  11. O Ministério Público (a fls. 543 a 464), respondeu ao recurso, concluindo no sentido da sua improcedência e manutenção da decisão recorrida.

  12. Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta (a fls. 473 a 476), emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do recurso.

  13. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

  14. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    * II. FUNDAMENTAÇÃOConstitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

    No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, seguindo uma ordem de precedência lógica, as questões a conhecer são as seguintes: 1ª. Saber se a sentença recorrida padece do erro notório na apreciação da prova (vício a que se reporta o artigo 410º nº 2 alínea c) do Código de Processo Penal).

    1. Erro de Julgamento 3ª. Qualificação jurídica dos factos (defendendo o recorrente que não se mostra verificado/preenchido o nº 1 do artigo 164º do Código Penal).

      Vejamos, desde já o que na sentença recorrida consta quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à fundamentação da matéria de facto (transcrição):“FUNDAMENTAÇÃO MATÉRIA DE FACTO PROVADA: O arguido, B…, nascido a .. de junho de 1996, encontrava-se inserido, em janeiro de 2013, em meio institucional, no Centro E… e residia numa das casas daquela Instituição - a E1… -, destinada apenas a rapazes, localizada no …, na Rua …, no Porto; Nessa mesma data, D…, nascido a … de março de 1995, também estava inserido na referida Instituição e residia igualmente, de domingo a sexta-feira, na mencionada E1…; No dia 6 de janeiro de 2013, cerca das 19 horas, o D…, pretendendo tomar banho, dirigiu-se ao seu quarto na E1…, despiu a roupa, embrulhou-se numa toalha e encaminhou-se para a casa de banho; Após, tomou banho, secou-se e enrolou novamente a toalha ao corpo; De seguida, o arguido abriu a porta da divisão do chuveiro, baixou as calças e as cuecas e disse ao D…: "é hoje, é hoje!"; diante disso, o D… empurrou-o; O arguido tirou então a toalha ao D… e disse-lhe, por duas vezes: anda lá, senão dou-te uma coça; Após, com as mãos, usando para tal a pujança física que possuía, o arguido agarrou o D… abdómen, inclinou-o ligeiramente e introduziu-lhe o seu pénis ereto no ânus; O D…, com medo de que o arguido lhe batesse na altura e posteriormente, acabou por facilitar a penetração; A dada altura do ato, o D… começou a chorar e, perante tal, o arguido deixou então de o penetrar; A conduta do arguido causou dor ao D…; Antes de abandonar a casa de banho, o arguido dirigiu-se ao D… e disse-lhe que, se contasse o sucedido aos monitores, lhe dava uma sova e que o abafava; Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o intuito, concretizado, de praticar cópula anal com o D… e de satisfazer, assim, os seus instintos libidinosos, o que fez contra a vontade daquele, tendo, para o feito, usado a robustez física de que era portador; O arguido, apesar de saber que punha em causa o direito à autodeterminação sexual do D…, não se absteve de tal conduta; O arguido sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei; O D…, atualmente, é homossexual e, na ocasião dos factos, já manifestava essa tendência; O D… tem limitações cognitivas relevantes e faz tratamento psiquiátrico, desde pequeno, no Hospital F…; Na altura, era uma pessoa timorata e com capacidade física limitada; No domínio do Relatório de perícia médico-legal, referente ao arguido, B…, elaborado pelo Gabinete Médico-Legal G… em ../12/2015, consta o seguinte: "A observação clínica do examinando, a informação facultada pela mãe e a consulta dos elementos processuais disponibilizados pelo Tribunal, permitem concluir: 1 - Nasceu de termo, parto eutócico, numa instituição hospitalar. Integra uma fratria de seis irmãos e cresceu em ambiente familiar descrito como amistoso; 2 - Completou o 2.º Ciclo do Ensino Básico aos 14 anos, tendo revelado dificuldades a nível da aprendizagem "não tinha interesse pela escola ... fazia asneiras ... era agressivo com os colegas e os professores" (sic). Sabe ler e escrever, mas hesita na execução das operações aritméticas básicas. Conhece o valor facial e aquisitivo do dinheiro; 3 - Sem atividade ocupacional estruturada; 4 - História de relações amorosas esporádicas, sendo que a atual aparenta ter alguma consistência; 5 - A partir dos 8 anos de idade consumos regulares de álcool, haxixe e tabaco, sobretudo em contexto grupal. Registo de furtos em cafés, lojas e na sua casa. Esteve internado em várias instituições, o último dos quais ocorreu na "E…" situada no Porto. Voltou há um ano para o seio da família biológica. Mantém hábitos tabágicos e consumo ocasional de haxixe. Manifestou vontade em arranjar trabalho; 6 - A narrativa sobre a...

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