Acórdão nº 1927/05.9TAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL SOARES
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1927/05.9TAVNG Comarca do Porto, Tribunal de Vila Nova de Gaia Instância Local, Secção Criminal, J3 Acórdão decidido em Conferência no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório 1.1 Decisão recorrida Por sentença proferida em 21OUT2008, mas apenas notificada ao arguido B… em 11MAR2016, a Sra. Juiz decidiu condená-lo pela prática de um crime de burla, previsto no artigo 217º nº 1 do Código Penal (CP), na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 6 euros e a pagar à demandante C… a indemnização de 350 euros, acrescida de juros de mora, a partir da data da sentença.

1.2 Recurso O arguido interpôs recurso da decisão, que motivou resumidamente nos seguintes termos: - O procedimento criminal está prescrito, o que deve conduzir à extinção da responsabilidade; - Não se decidindo assim, a sentença incorreu na nulidade do artigo 120º nº 2 al. d) do Código de Processo Penal[1], porque o tribunal não averiguou as condições económicas e sociais do arguido, necessárias para graduar a pena de multa e o seu quantitativo diário, nem fez constar as razões impeditivas dessa averiguação; - O que também integra o vício de insuficiência da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º nº 2 al. a), com as consequências do artigo 426º nº 1; - Caso assim não se entenda, a pena fixada não é justa nem adequada aos factos apurados e aos critérios legais, porque os antecedentes criminais do arguido são posteriores ao crime deste processo e apenas uma das suas condenações se reporta a crime da mesma natureza; - A pena deve ser especialmente atenuada; - O quantitativo diário da multa deve ser fixado perto do mínimo, dado que não foi ponderada a real situação económica e financeira e encargos pessoais do arguido.

1.3 Resposta O Ministério Público respondeu ao recurso, alegando em síntese o seguinte: - O procedimento criminal não está prescrito porque o arguido foi julgado na ausência e o prazo esteve suspenso enquanto a sentença não pôde ser-lhe notificada; - A nulidade do artigo 120º nº 2 al. d) não se refere à sentença e no artigo 379º não se encontra previsto o alegado vício apontado no recurso; - A pena de 180 dias de multa é adequada às razões de prevenção geral e à ausência de circunstâncias atenuantes; - O quantitativo diário da multa, fixado em 6 euros, é adequado.

1.4 Parecer do Ministério Público na Relação Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acolhendo os argumentos expostos na resposta ao recurso.

  1. Questões a decidir no recurso As questões a que temos de dar resposta são as seguintes: - Está prescrito o procedimento criminal? - A falta de averiguação das condições económicas e sociais do arguido gera nulidade da sentença ou qualquer outro vício processual? - A pena de multa e o seu quantitativo diário são desajustados dos factos apurados e dos critérios legais aplicáveis? 3. Fundamentação 3.1 Factualidade provada na sentença Foram considerados provados os seguintes factos: (transcrição) MATÉRIA DE FACTO PROVADA: DA ACUSAÇÃO: 1. Em Novembro de 2004, o arguido tinha na sua posse o impresso de cheque nº ………. relativo à conta ……….. de que era titular no D…, título esse já sem validade para circular porquanto se destinava a ser utilizado em escudos; 2. O arguido decidiu então proceder à sua utilização, com vista a beneficiar da quantia que, através do cheque, lograsse obter; 3. Em execução de tal propósito, o arguido colocou na frente do cheque um carimbo com os dizeres "E…, Lda.", rasurou a palavra "Escudos" e escreveu, em sua substituição, o símbolo correspondente a "euros", assinou o cheque com o seu nome e apôs no mesmo a data de 24 de Novembro de 2004 e a quantia de 250 euros em numerário e por extenso; 4. No dia 24 de Novembro de 2004, ao final da tarde, o arguido deslocou-se à mercearia da ofendida C…, situada na Rua …, nº …, nesta comarca, onde adquiriu géneros alimentícios no valor de €10,00 (dez euros); 5. Seguidamente, o arguido solicitou à ofendida que lhe descontasse o cheque em causa, dizendo que era da sua sociedade e que precisava do dinheiro, não podendo nesse momento deslocar-se ao banco por àquela hora já se mostrar encerrado; 6. C… acreditou na versão apresentada pelo arguido, seu cliente habitual, e julgou que o cheque era válido, razão pela qual acedeu ao pedido, recebendo o cheque e entregando ao arguido a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), da qual este fez coisa sua; 7. A ofendida apresentou posteriormente o cheque a pagamento numa instituição bancária que não o aceitou por se tratar de um cheque sem validade; 8. O arguido agiu com o intuito concretizado de enganar a ofendida e de obter para si um benefício patrimonial no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) a que sabia não ter direito, à custa da ofendida, causando-lhe prejuízo de igual natureza e montante; 9. O arguido actuou voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punível; MAIS SE PROVOU: 10. A demandante aceitou receber o cheque e entregar ao arguido a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) em dinheiro, dada a sua insistência e atendendo a que não era pessoa estranha; 11. No acto da entrega do cheque pelo arguido, a demandante não o conferiu; 12. O demandado até ao momento nada pagou à demandante; 13. O comportamento do demandado causou à demandante aborrecimentos, nervosismo, preocupações e transtornos; 14. A demandante deixou de contar com esse dinheiro para as suas necessidades; 15. Constam do Certificado de Registo Criminal do arguido, junto aos autos, as seguintes condenações: - Uma condenação proferida, em 18/11/2005, no Processo Comum Singular nº 4854/02.5 TDPRT da 1ª Secção do 3° Juízo Criminal do Porto, numa pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática, em 09/12/2001, de um crime de emissão de cheque sem provisão; - Uma condenação proferida, em 27/04/2006, no Processo Comum Colectivo nº 71/04.0 GCSAT do Tribunal Judicial de Sátão, numa pena única de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, subordinada à condição de proceder ao pagamento da quantia de € 855,00, no prazo de 6 meses, pela prática, em 28/06/2004, de um crime de burla simples e de um crime de falsificação de documento; - Uma condenação proferida, em 10/05/2006, no Processo Comum Singular n° 535/04.6 GTVIS do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, numa pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, pela prática, em 08/11/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, a qual foi declarada extinta por despacho de 11/09/2007; - Uma condenação proferida, em 10/01/2007, no Processo Comum Singular nº 57/04.5 PBVIS do 1 ° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, numa pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 18/06/2003, de um crime de condução sem habilitação legal.

    MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: 1. O comportamento do demandado causou à demandante desgostos.

    3.2. Análise das questões de direito 3.2.1. Prescrição do procedimento criminal O crime de burla do artigo 217º nº 1 do CP, é punível com prisão até 3 anos ou pena de multa. O prazo de prescrição é de 3 anos, contados desde a data dos factos – 24NOV2004 (artigos 118º nº 1 al. c) e 119º nº 1 do CP). Em 15MAR2007 interrompeu-se o prazo de prescrição e iniciou-se a contagem de novo prazo, com a declaração de contumácia do arguido (artigo 121º nº 1 al. c) e nº 2 do CP). O prazo foi portanto elevado no seu limite máximo a 7 anos e 6 meses – até 24MAI2012 (nº 3 do referido artigo 121º). Sucede, no entanto, que a contagem do prazo de prescrição esteve suspensa entre 21OUT2008 e 11MAR2016, uma vez que a sentença não pôde ser notificada ao arguido, que foi julgado na ausência (artigo 120º nº 1 al. d) do CP).

    Sendo assim, até à data deste acórdão, do prazo total de 7 anos e 6 meses, apenas decorreram 3 anos, 10 meses e 37 dias (de 24NOV2004 a 21OUT2008) mais 7 meses e 29 dias (11MAR2016 a 9NOV2016).

    É manifesto que não ocorreu a prescrição e que este fundamento do recurso é improcedente, dado que o recorrente apenas contou o prazo de prescrição mas ignorou que esse prazo se interrompeu e esteve suspenso.

    3.2.2. Omissão de diligências para averiguação dos factos relativos às condições económicas e sociais do arguido Diz o recorrente que a sentença padece da nulidade do artigo 120º nº 2 al. d) e do vício de insuficiência da matéria de facto provada do artigo 410º nº 2 al. a), por o tribunal não ter averiguado as condições económicas e sociais do arguido nem feito constar na sentença as respectivas razões impeditivas. Invoca em abono desta tese o acórdão do TRC, de 23JAN2013[2], segundo o qual tal omissão gera o vício do referido artigo 410º nº 2 al. a).

    Não podemos concordar.

    Vejamos primeiro o que nos diz o processo sobre as reais possibilidades que o tribunal tinha de averiguar as condições económicas e sociais do arguido.

    A queixa que deu origem ao inquérito foi apresentada em 11MAI2005 (fls. 2). Pese embora as diligências desenvolvidas, não foi possível notificar o arguido antes da acusação, uma vez que ou não residia ou era desconhecido nas moradas e tinha até sido declarado contumaz noutro processo (fls. 38, 46v e 60). Por razões idênticas, não foi notificado da acusação (fls. 100).

    Recebido o processo para julgamento, foram feitas cinco tentativas de notificação nas moradas conhecidas, todas sem êxito pelas mesmas razões (fls. 116, 119, 130, 165 e 167v).

    Face à impossibilidade de proceder à sua notificação para o julgamento, o arguido foi declarado contumaz (fls. 150). O tribunal no entanto continuou a realizar oficiosamente diligências para o localizar e notificar, que se revelaram infrutíferas (fls. 177), até que foi localizado pela polícia em Espanha, à qual forneceu uma morada daquele País (fls. 199). Dias depois voltou a ser localizado pela polícia na fronteira, vindo a ser de imediato notificado da acusação e do pedido de indemnização e tendo...

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