Acórdão nº 702/14.4GBAMT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Junho de 2016

Data22 Junho 2016
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso 702/14.4GBAMT.P1 Origem: comarca de Porto Este – Amarante- instância local- Secção criminal- J1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Em processo abreviado, foi deduzida acusação pública contra B…, nascida a 5 de julho de 1962, residente na Rua…, n.º …, , Amarante, sendo-lhe aí imputada a autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143°, n.º 1, do Código Penal.

O "Centro Hospitalar C…, E.P.E.," deduziu pedido de indemnização civil contra a mesma arguida, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de € 51, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento, na sequência da assistência e tratamentos efetuados na pessoa do ofendido D…, pelos factos ocorridos a 18 de agosto de 2014.

A final da audiência de julgamento, foi proferida sentença, em que se decidiu: - julgar a acusação pública improcedente, por não provada e, em consequência, absolver a arguida do crime de que vinha acusada; - julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo "Centro Hospitalar C…, E.P.E.", absolvendo a arguida/demandada civil da totalidade do pedido.

*Não se resignando com o assim decidido, o Ministério Público interpôs o presente recurso, em que formulou as seguintes conclusões: «- Afigura-se-nos temerária a fundamentação do Tribunal a quo quando afirma que "se a arguida tivesse intenção de agredir o ofendido ao abrir a porta, desferia-lhe uma bofetada ou murro, mas não foi isso que se passou, nem foi essa a intenção da arguida, mas apenas a de exigir que o ofendido fosse repor a água, até porque a arguida tinha pessoas em casa para jantar e a falta de água foi na hora de preparar o jantar"; - O Tribunal labora em erro quando sustenta a sua perceção de que a arguida não agiu com intenção de agredir o ofendido na alegada opinião do ofendido e das testemunhas de acusação; - Em momento algum da sua fundamentação o Tribunal recorrido questiona ou põe em causa que as lesões que o ofendido apresentava tenham resultado da conduta da arguida e nessa medida deveria ter dado como provado no ponto 4º dos factos provados que foi a conduta da arguida descrita no ponto 3º dos factos provados que causou direta e necessariamente eritema pós traumático na região ventral do terço proximal do antebraço, lesões de unhadas de dimensões infra centimétricas e dores no terço proximal do antebraço direito, para cura do que esteve doente durante 2 dias, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional, tendo recebido tratamento no Centro Hospitalar C…; - Nos termos da sua própria fundamentação, o Tribunal recorrido deveria ter dado como provado que os factos, naturalísticos ou objetivos, praticados pela arguida, constantes do ponto 3 dos factos provados causaram ao ofendido direta e necessariamente as lesões dadas como provadas no ponto 4 dos factos provados; - Na sua própria fundamentação, o Tribunal recorrido aceita implicitamente que foi a conduta da arguida que determinou as lesões do ofendido; - O Tribunal recorrido confunde diferentes planos, confunde os factos objetivos com os elementos subjetivos que lhes estão associados; - Ao não dar como provado que "com a conduta descrita causou a arguida ao ofendido direta e necessariamente as lesões referidas no artigo 4° dos factos provados" o tribunal recorrido entra em contradição com a sua própria fundamentação já que a única explicação que avança é a de que "nenhuma prova foi feita quanto à intenção da arguida de agredir o ofendido, nem sequer a título de dolo necessário ou eventual"; - Impunha-se ao Tribunal recorrido concluir que a arguida ao tentar tirar o ofendido à força da viatura onde seguia agarrando-lhe pelo braço lhe causou as lesões que constam do ponto 4 dos factos provados; - Concluir o contrário apenas com o argumento de que a arguida não agiu com intenção de agredir o ofendido é um contrassenso, é ilógico, não faz sentido à luz das mais elementares regras de experiência comum, é contraditório com a própria fundamentação da sentença recorrida e constitui erro notório na apreciação da prova, o que releva nos termos do artigo 410°, nº2, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal; - O Tribunal recorrido deveria ter dado como provado que foi a conduta descrita no ponto 3 dos factos provados que causou ao ofendido direta e necessariamente as lesões descritas no ponto 4 dos factos provados e ao não fazê-lo incorre em contradição insanável entre a fundamentação e os factos provados e bem assim incorre em erro notório na apreciação da prova por atentar contra as mais elementares regras de experiência comum; - O Tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova ao não dar como provado "a arguida atuou de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de molestar o ofendido no seu corpo e na sua saúde, mau grado saber que não podia nem devia fazê-lo e que tal conduta era proibida e punida por lei"; - Não faz sentido o Tribunal fundamentar a "sua opinião" relativamente às intenções da arguida com a "opinião" da arguida, das testemunhas e do ofendido; - O Tribunal recorrido, na sua fundamentação, enuncia de forma tabelar que "nenhuma prova foi feita quanto à intenção da arguida de agredir o ofendido, nem sequer a título de dolo necessário ou eventual", mas não explica a razão de ser da sua opção e devia fazê-lo; - Dos factos praticados pela arguida, resulta inelutavelmente que agiu com intenção de agredir o ofendido, e que se tal não foi a sua intenção principal, dolo direto, agiu com dolo necessário e essa sua conduta é penalmente censurável nos termos dos artigos 14°, nº 2, 143°, nº 1, do Código Penal; - Se o Tribunal recorrido tivesse efetivamente ponderado sobre a possibilidade de a arguida ter agido com dolo necessário, impor-se-lhe-ia de forma natural a conclusão de que a arguida, ao agir como agiu sobre o ofendido, sabia que o ia magoar e nessa medida agiu dolosamente; - Ainda que o Tribunal recorrido tivesse boas razões, que inexistem, para concluir que a arguida não tinha agido intencionalmente, sempre teria, então, que indagar da possibilidade de a arguida ter agido de forma negligente e nessa medida teria incorrido num crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido no artigo 148°, nº 1, do Código Penal; - O Tribunal, ao não dar como provado que a arguida teve intenção de agredir o ofendido não aplicou ou aplicou mal o disposto no artigo 14°, nºs 1 e 2, e 143°, nº 1, do Código Penal; - Consequentemente, deveria o Tribunal ter condenado a arguida pela prática do crime ofensa à integridade física simples previsto e punido no artigo 143°, nº 1, do Código Penal.» Finalizou o Ministério Público o seu recurso pedindo que se considerem provados os factos dados como não provados na sentença recorrida e que se condene a arguida pela prática do crime ofensa à integridade física simples, previsto e punido no artigo 143°, nº 1, do Código Penal, que lhe foi imputado na acusação.

*A arguida não apresentou resposta em 1ª instância.

Já nesta instância de recurso, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com o recurso interposto, pronunciando-se pelo respetivo provimento.

A arguida/recorrida respondeu ao mencionado parecer, pugnando por que seja negado provimento ao recurso.

*Cumpre decidir.

*II – FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

As principais questões a decidir são as de saber: - se a sentença recorrida enferma dos vícios de contradição insanável entre a não prova do facto a) e a motivação e/ou de erro notório na apreciação da prova; - se, em todo o caso, existe erro de julgamento da matéria de facto; - quais as eventuais consequências jurídico-criminais e civis da procedência do recurso.

*Para mais facilmente se aferir sobre a pertinência dos diversos aspetos da impugnação, passa a reproduzir-se a parte da sentença recorrida respeitante à decisão sobre a matéria de facto, que tem o seguinte teor: «

  1. Factos...

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