Acórdão nº 260/14.0PFVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DION
Data da Resolução04 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO PENAL n.º 260/14.0PFVNG.P1 2ª Secção Criminal Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Jorge Langweg Origem: Comarca do Porto Vila Nova de Gaia - Instância Local - Secção Criminal-J3 Processo Comum Singular n.º 260/14.0PFVNG Arguido B… Recorrente Ministério Público Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO 1.

Na sequência de detenção por condução sob efeito do álcool com TAS superior a 1,20g/l, o arguido aceitou a suspensão provisória do processo supra referenciado, então ainda a correr termos pelos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, 1ª Secção, mediante a obrigação de frequentar o programa Taxa Zero, de prestar 50 horas de serviço de trabalho de interesse público em instituição a indicar pela DGRSP e de não conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias, com a entrega da carta de condução nos autos, no prazo de 10 (dez) dias, após notificação para o efeito.

  1. Obtida a concordância do Juiz de Instrução Criminal respectivo, o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo, pelo período de 6 meses, mediante as injunções já referenciadas, por despacho proferido a 18/9/2014.

  2. Após incidentes vários, relacionados com a falta de entrega da carta de condução por parte do arguido, a pretexto do seu pretenso extravio, o Ministério Público acabou por aceitar a junção de documento de substituição - apenas concretizada a 20/3/2015 e na sequência de notificação para comprovar ter solicitado a 2ª via do documento ao IMTT – determinando, nessa mesma data, que os autos aguardassem o decurso do prazo de suspensão, sendo certo que essa obrigação de não conduzir e respectivo período nunca foram comunicados a quem quer que fosse (autoridades policiais, ANSR, IMTT) para efeitos de fiscalização, pese embora a previsão do n.º 5, do art. 281º, do Cód. Proc. Penal.

  3. Todavia, os autos vieram a prosseguir, com dedução de acusação, a 26/5/2015, por virtude do arguido não ter cumprido as horas de trabalho fixadas a título de injunção.

  4. Realizado o julgamento, foi o arguido B… condenado, pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos arts. 292º n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, em 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis) euros e em 6 (seis) meses de proibição de conduzir, determinando-se que nesta fossem descontados os 2 (dois) meses e 18 (dezoito) dias respeitantes à injunção de proibição de conduzir veículos com motor cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo.

  5. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso finalizando a motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) “1 - A injunção e a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor têm natureza absolutamente diversa, não podendo a primeira ser convertida na segunda; 2 - O instituto da suspensão provisória do processo é um instituto de consenso em que o arguido, caso incumpra, apenas tem como consequência, a sujeição da sua conduta à apreciação judicial após dedução de uma acusação; 3 - A pena acessória de proibição de conduzir, como pena que é, caso seja incumprida tem como consequência o cometimento de novo crime por parte do agente - o que já não acontece, de todo, em caso de incumprimento de injunção aplicada cm sede de suspensão provisória do processo; 4 - Quando o arguido incumpre os termos da suspensão provisória do processo, a mesma é revogada, o processo prossegue e, nos termos do preceituado no n.º 4 do art. 282.º do Código de Processo Penal as prestações não podem ser repetidas; 5 - Este conceito de "prestação" é um conceito abrangente que não inclui apenas as prestações de natureza pecuniária mas abrange também outras de proibição de exercer determinadas actividades (como é o caso da proibição de condução) ou mesmo relativamente ao tempo de serviço público efectivamente cumprido; 6 - Não se entender deste modo significa colocar em causa as finalidades de toda e qualquer punição. Vejamos a hipótese de um arguido a quem, concluído o inquérito, em que se investigava a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º l e 69º, n.º l, alínea a), ambos do Código Penal, são propostas, e por este aceites, as regras de conduta de prestar 80 horas de serviço de interesse público e, bem assim, o compromisso de não conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses, com a entrega da sua carta de condução nos autos. Obtida a concordância do Sr. J.I.C., o processo fica suspenso provisoriamente. O arguido, pese embora o compromisso que assumiu, decide continuar a conduzir. Em determinado dia, estando ainda a decorrer o prazo em que se comprometera não conduzir, é surpreendido pelas autoridades policiais, que lavram a informação respectiva e a remetem ao processo que se encontra suspenso provisoriamente.

    7 - Muito provavelmente, a suspensão provisória é revogada e o processo prossegue os seus termos. Pergunta-se: que prejuízo teve com isso o arguido? Se for descontado o período a que se comprometeu não conduzir na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, até ao dia em que foi surpreendido pelas autoridades policiais, nenhum! Pelo contrário, se tal período respeitasse ao cumprimento de uma pena acessória, o arguido cometeria um crime de violação de proibições, imposições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal. O máximo que lhe pode acontecer, defendido que seja este entendimento, é que o período até àquele dia seja descontado! Ou seja, nenhum inconveniente lhe advém do facto de incumprir o compromisso a que se vinculou...

    Pelo que se mostra ilegal o desconto na pena de proibição de condução do tempo de abstenção de conduzir que o arguido cumpriu no âmbito da suspensão provisória do processo; 8 - Refere-se na sentença que "não obsta ao desconto a mencionada natureza diversa da injunção e da pena, posto que também são diferentes a natureza e a razão de ser das medidas de coacção privativas da liberdade e da pena de prisão e a lei expressamente determina que o cumprimento das primeiras seja descontado nestas [...], por haver substancial equivalência entre elas". Antes de mais, refira-se que, como é sabido, em Direito Penal é expressamente proibido o recurso à analogia, nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 3, do Código Penal, em homenagem ao princípio da legalidade.

    9 - Depois, e precisamente por terem natureza diversa, é que o legislador se viu obrigado a expressamente prever o desconto da detenção, prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação na pena de prisão a cumprir por parte do arguido. Caso contrário, isto é, se o não previsse, não poderia o julgador fazê-lo - ou, pelo menos, ficaria dependente da interpretação de cada julgador. Entender que esta previsão se aplica mutatis mutandis ao desconto a efectuar nas penas acessórias, em virtude do cumprimento de uma injunção aplicada em fase anterior do processo é olvidar precisamente a necessidade que o legislador teve de expressamente prever essa situação para que a mesma fosse aplicada.

    10 - Significa isto, no nosso entendimento, que tendo o legislador previsto como única consequência processual, em caso de incumprimento das injunções aplicadas no âmbito de uma suspensão provisória do processo, o prosseguimento dos autos, não pode o julgador substituir-se a ele e efectuar um desconto que a lei não prevê em lado algum.

    11 - Fazê-lo significa uma clara violação do disposto no artigo 282º, n.º 4, do CPP e, bem assim, do próprio e citado artigo 80º, n.º l, do Código Penal (assim como do artigo 69º, n.º l, alínea c), do mesmo Código), que refere muito claramente a que situações se refere - que, repete-se, se não existisse, não podia o julgador efectuar tal desconto.

    12 - Ao não decidir do modo descrito, violou o Tribunal a quo as disposições legais previstas nos artigos 69º, n.º l, alínea c), 80º, n.º l, a...

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