Acórdão nº 2800/13.2TAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução10 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 2800/13.2TAVNG.P1 Origem: comarca do Porto, V.ª N.ª de Gaia- juízo local criminal- J2I – RELATÓRIOPara julgamento em processo comum e intervenção de Tribunal Singular, o Ministério Público deduziu acusação contra B…, nascida a 12 de setembro de 1952, imputando-lhe a prática dos factos descritos na douta acusação de folhas 319 e seguintes, passíveis de integrarem a autoria material, pela mesma arguida, de um crime de coação, previsto e punido pelo artigo 154º, nº1, do Código Penal.

Marcada a audiência de julgamento, após a produção das provas indicadas pelos sujeitos processuais, a Ex.ma Juíza proferiu despacho em que manifestou o seu entendimento no sentido de que os factos da acusação configuravam, não um só crime de coação, mas antes cinco crimes de coação (atendendo ao número de ofendidos), ordenando, consequentemente, a notificação de todos os sujeitos processuais para os efeitos previstos no nº 3 do artigo 358º do Código de Processo Penal.

Como todos estes disseram nada terem a opor, a Ex.ma Juíza optou por proceder, de imediato, à leitura da sentença, em que decidiu: - condenar a arguida B… como autora material e em concurso real de cinco crimes de coação, previstos e punidos pelo artigo 154º, nº1, do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta dias) de multa, por cada um deles, à razão diária de €7 (sete euros) e, em cúmulo jurídico, na pena única de 650 (seiscentos e cinquenta) dias de multa, à mesma razão diária de €7 (sete euros), no total de €4550 (quatro mil quinhentos e cinquenta euros); - julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado por C…, D…, E…, F… e G…, e, em consequência, condenar a demandada B… a pagar a cada um dos demandantes a quantia de €350 (trezentos e cinquenta euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.

*Inconformada com o assim decidido, veio a arguida interpor o presente recurso, em que sintetizou a sua motivação através das seguintes conclusões: «

  1. A arguida vinha acusada da prática de um crime de coação previsto e punido pelo artigo 154°, n° 1 do Código Penal, punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.

  2. O tribunal “a quo” condenou a arguida pela prática de cinco crimes de coação.

  3. Atenta a moldura penal prevista para o crime de coação e a condenação da arguida pela prática de cinco crimes de coação, sempre o Tribunal Singular seria incompetente para julgar o presente processo.

  4. O tribunal “a quo” proferiu decisão num processo em que estava em causa a possibilidade de aplicação abstrata de uma pena de prisão superior a cinco anos e sem que o Ministério Público tivesse requerido a intervenção do Tribunal Singular, violando, assim, as regras da competência.

  5. A Sentença de que ora se recorre é nula por violação do disposto no artigo 16º do Código de Processo Penal f) Ocorreu, assim, uma nulidade insanável, por violação das regras da competência do tribunal, prevista no artigo 119°, alínea e), do Código de Processo Penal.

  6. Deve declarar-se a nulidade da sentença recorrida, nos termos dos artigos 119°, alínea e), e 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

  7. Dos factos provados da sentença recorrida apenas se sabe que a arguida sobrevive com um rendimento líquido que corresponde a pouco mais do que o salário mínimo nacional.

  8. Nenhum facto dado como provado elucida ou indicia a situação económica e social da arguida.

  9. O tribunal recorrido não dispôs de qualquer elemento objetivo suficiente para apuramento do quantum da multa aplicada.

  10. Com a agravante de ser elemento que está no cerne do objeto do recurso e é determinante no apurar do montante da multa aplicada.

  11. Enquanto responsável civil, a situação económica da arguida é também determinante para a fixação dos danos não patrimoniais.

  12. Sobrevém, pois, a impossibilidade de fazer aplicação do disposto no nº 2 do artigo 47º do Código Penal e no disposto no artigo 496º do Código Civil por ausência dos factos pertinentes.

  13. Ocorre, pois, o vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que se não consegue saber, com um mínimo de objetividade, se a razão diária fixada para a multa é justa ou não é justa e se os danos não patrimoniais estão fixados com equidade.

  14. A pena aplicada é excessiva.

  15. Conforme estipula o artigo 71°, nº 1 do Cód. Penal, a determinação concreta da pena far-se-á dentro dos limites da moldura penal abstrata fixada na lei, tendo em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, de harmonia com os fatores de ponderação ínsitos no n° 2 do citado artigo 71°, desde que tais fatores não constituam elementos do tipo ou elementos qualificativos do crime.

  16. Devemos ter em atenção que a recorrente é primária e aufere pouco mais do que o salário mínimo nacional.

  17. A pena encontrada pelo Tribunal recorrido para a arguida é excessiva e violadora do princípio consagrado no artigo 71º do Cód. Penal.

  18. Deverá a medida da pena ser reduzida.

  19. Entende-se que a quantia fixada a título de danos morais é também ela excessiva, pelo que tal valor deverá ser reduzido para quantia inferior.

  20. O tribunal "a quo" violou o disposto nos artigos 40º, 47º, 71º e 72º do Código Penal vigente, e, ainda o disposto nos artigos 483º e 496º do Código Civil.

  21. Ao aplicar a pena de 650 dias de multa pela prática de cinco crimes de coação, ainda que com uma única resolução criminosa, o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 40º do Código Penal, por ser excessiva.» Terminou a arguida este seu recurso pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição “por outra que: a) Declare nula a sentença recorrida, por ocorrer uma nulidade insanável nos termos dos artigos 119°, alínea e), e 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e, em consequência, que determine a realização de novo julgamento mediante tribunal coletivo, ao abrigo do artigo 16º, nº 3, do Código de Processo Penal e, em seguida, em cumprimento dos artigos 312º e 313º, Código de Processo Penal, designe data para julgamento. Caso assim se não entenda, o que não se concede, b) Anule parcialmente o julgamento e, em consequência, determine o reenvio parcial do processo ao tribunal recorrido – nos termos da parte final do artigo 426º nº 1 do Código de Processo Penal – o qual deverá reabrir a audiência exclusivamente para apurar os rendimentos e despesas efetivas ou médias da recorrente, após o que deverá ser lavrada nova sentença para fixação das penas e dos danos não patrimoniais; Ou, caso assim se não entenda, c) Reduza a pena aplicada à recorrente, bem como o montante que foi condenada a pagar a título de danos não patrimoniais, para montantes mais adequados e proporcionais à gravidade dos factos praticados pela arguida e ainda suficientes para atender às necessidades de prevenção geral e especial (…)”.

*O Ministério Público apresentou resposta em que que entendeu que assiste razão à arguida, no que toca à arguição da nulidade insanável decorrente da incompetência material do Tribunal, porquanto, por força da “alteração dos factos” (número de crimes de coação imputados à arguida, que passou de um crime de coação, para cinco), operada nos termos do artigo 358º, nº 3, do Código de Processo Penal e considerando a moldura penal abstratamente aplicável, por força das regras da punição do concurso de crimes, a competência para o julgamento caberia ao Tribunal Coletivo (artigo 14° nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal), pelo que deve ser reconhecida tal nulidade, com as legais consequências, tornando-se despicienda a pronúncia sobre todas as outras questões suscitadas.

*Já nesta 2ª instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronunciou, igualmente, no sentido da procedência da invocada nulidade de incompetência material.

*Cumpre decidir.

* II – FUNDAMENTAÇÃO Questão préviaAlém de recorrer quanto à parte criminal, a arguida inclui, no seu recurso, um último segmento que se prende com o pedido cível contra si deduzido pelos ofendidos/demandantes.

O valor peticionado por cada um destes, a título de indemnização civil, foi de 350,00 euros, num total de 1.750,00 euros, sendo certo que a arguida/demandada acabou por ser condenada no pagamento de uma indemnização de 350,00 euros a cada um dos demandantes, perfazendo um montante global de 1.750,00 euros.

Dispõe o nº 2 do artigo 400º do Código de Processo Penal que (…) o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

De acordo com o disposto com o nºs 1 e 3 do artigo 44º da Lei nº Lei 62/2013, de 26/8 ([1]), em matéria cível, a alçada dos tribunais de 1ª instância era já de 5.000,00 euros.

Evidencia-se, pois, que nenhum dos requisitos cumulativos exigidos pela lei processual penal para a admissibilidade do recurso em matéria de indemnização civil se encontra preenchido no caso vertente.

Portanto, basta esta simples constatação, para ter que se entender que a parte cível do recurso não deveria ter sido admitida pela 1ª instância, e vai rejeitada por este Tribunal da Relação, que de tal parte não pode conhecer.

Custas cíveis a cargo da arguida/demandada cível/recorrente.

*O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [2], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

As questões a decidir são, assim, as de saber: - se a sentença recorrida enferma da nulidade insanável por violação daa regras de competência material do tribunal singular – artigos 119º, alínea e) e 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal; - se a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, por falta de indagação...

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