Acórdão nº 509/17.7GDVFR-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Março de 2018

Data14 Março 2018
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)
  1. secção criminal Proc. nº 509/17.7GDVFR-B.P1 Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO:Nos autos de inquérito (Actos Jurisdicionais nº509/17.7GDVFR, do Juiz 1 do Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira em que é ofendida B… e denunciado C…, a Exmª srª Juiz de instrução proferiu o seguinte despacho: (…) O M°P° veio requerer se proceda a tomada de declarações para memória futura da denunciante B…, maior, ao abrigo do disposto no art. 24°, n° 1 da Lei n° 130/2015 de 04.09 e do art. 271° do Código de Processo Penal, relativamente aos factos que o M°P° refere poderem, em abstracto, indiciar a prática de Um Crime de Maus Tratos, p. e p. pelo art. 152°-A, n° 1, al. a) do Código Penal.

Face à escassez de factos denunciados a poderem consubstanciar a prática do aludido ilícito criminal, e dada a fase muito embrionária do processo, não resultando claro a existência de um concreto denunciado sequer, foi proposto ao M°P° que indicasse qual ou quais os eventuais suspeitos que vislumbrava poderem existir em face da necessidade decorrente da lei de lhe ou lhes ser nomeado um Defensor para a diligência requerida, em acto prévio à mesma e dado que tal ainda não havia sido feito pelo titular do Inquérito.

Nesse seguimento o M°P° veio pronunciar-se a fls. 27, referindo o seguinte: "Conforme resulta da leitura dos autos, a denunciante não indicou (nem é obrigada a indicar) a identidade do(s) denunciado(s), não sendo portanto a sua identidade ainda conhecida, cabendo ao Ministério Público e, neste caso, ao Juiz de Instrução Criminal (autoridade judiciária a quem compete a tomada de declarações para memória futura à vítima) averiguar, através da inquirição da mesma, quem é ou são essa ou essas pessoas, porquanto a sua identidade poderá até não ser conhecida da vítima.

Assim, afigura-se que os suspeitos serão, em abstrato, toda e qualquer pessoa que exerça funções que impliquem contacto com os utentes da instituição, bem como, em abstrato, toda e qualquer pessoa responsável pela tomada de decisões administrativas, médicas e técnicas na mesma instituição'".

Ora, equivoca-se o M°P°, pois que não cabe ao Juiz de Instrução "averiguar, através da inquirição da mesma, quem é ou são essa ou essas pessoas", pois que previamente a tal deverá proceder-se a tal nomeação, podendo, eventualmente, estarmos perante mais do que um suspeito da prática de ilícito criminal, podendo ser, inclusivamente, tais Defesas incompatíveis ou conflituantes, a impor nomeação de mais do que um Defensor.

Seja como for, compulsados os autos resulta referido (se bem que não documentalmente comprovado) que a denunciante padecerá de esclerose múltipla. Porém, como a mesma afirma e não se encontra contrariado, a mesma estará no controlo pleno das suas faculdades mentais, cingindo-se as limitações inerentes à doença apenas à mobilidade física - cfr. fls. 3 dos autos Apensos.

Dispõe o art. 24°, n°. 1 da Lei n°. 130/2015 de 04.09 que "o Juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271° do Código de Processo Pena F.

O mecanismo processual de tomada de declarações para memória futura tem cariz excepcional, sendo de salientar que o mesmo, constituindo excepção ao princípio da imediação, obedece a exigências de tutela da personalidade da testemunha (evitar os danos psicológicos implicados na evocação sucessiva pelo declarante da sua dolorosa experiência e a sua exposição em julgamento público) e visa proteger a integridade da prova testemunhal.

Esta nova disposição legal supra citada integrada na referida Lei n°. 130/2015, não pode, no entanto, ser desligada do regime geral estabelecido para a inquirição de testemunhas e para a protecção das mesmas.

Admitindo o citado art. 24.° da Lei n.° 130/2015, de 04/09, que a vítima especialmente vulnerável possa prestar declarações para memória futura e não se estabelecendo a obrigatoriedade da prática desse acto, importa procurar na lei um critério que permita determinar os casos em que ele deve ter lugar.

A nosso ver, esse critério há-de resultar de uma ponderação entre o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável à consecução das finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça.

Para aplicar o critério traçado a este caso concreto há que ter especialmente em atenção: - A complexidade do processo, que em muito resulta da personalidade das pessoas envolvidas; - A importância que a inquirição da queixosa tem para o apuramento da verdade em toda a sua extensão; - A relevância que para a correcta valoração da prova tem, especialmente neste caso, o contacto directo do juiz de julgamento com...

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