Acórdão nº 586/16.8PHMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 586/16.8PHMTS.P1 Data do acórdão: 7 de Fevereiro de 2018 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Matosinhos Sumário: ......................................................

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Acordam os juízes acima identificados da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o Ministério Público.

I - RELATÓRIO 1. No dia 2 de Outubro de 2017 foi proferida a sentença recorrida no âmbito dos presentes autos, que terminou com o seguinte dispositivo: "a) declarar ser inadmissível o procedimento criminal contra o arguido B..., no que respeita à prática do crime de violência doméstica sobre C... no período anterior a 28/09/2011, extinguindo-se de imediato o procedimento quanto a estes factos; b) no que respeita ao período de 28-09-2011 a 19/04/2017, considerar não provada e absolver o arguido B... da prática, sobre C..., de factos suscetíveis de serem subsumíveis ao tipo do crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1 alíneas a) e c) e n.º 2 do Cód. Penal, indeferindo por isso o requerimento para aplicação de medida de segurança, nos termos do disposto no artº 91º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal, aplicável a inimputável perigoso.

(…)" 2. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público recorreu da mesma, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos: "A sentença de que ora se recorre fez uma incorrecta interpretação das seguintes normas jurídicas: art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e arts. 282.º n.º 3 e 283.º n.º 3 al. b), ambos do Código de Processo Penal.

De facto, o princípio ne bis in idem, com assento constitucional, no seu art. 29.º, n.º 5, estabelece a regra de que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

No entanto, no caso sub judice, e ao contrário do que sustenta o Mmo. Juiz a quo, o Ministério Público ao fazer constar na acusação que o arguido já havia beneficiado da suspensão provisória do processo, pelo mesmo ilícito criminal e contra a mesma vítima, não pretendeu um novo julgamento relativamente aos factos englobados no despacho que determinou a aplicação do referido instituto (e daí que não tivessem sido articulados no referido despacho), e por conseguinte, em nenhum momento foi violado o referido princípio, o que nos leva a pugnar por uma incorrecta interpretação da norma que o consagra.

Com tal inclusão o Ministério Público teve precisamente a intenção contrária: a de chamar atenção para a existência de tal decisão, com vista a balizar os factos, evitando que fossem chamados à colação, no decurso das inquirições, em especial da vítima, comportamentos do arguido já incluídos no referido despacho de suspensão provisória do processo, como é normal neste tipo de situações, e que pudessem ser, indevidamente considerados.

Por outro lado, as mais elementares regras de apreciação da prova em crimes de violência doméstica, exigem a exposição de um quadro geral de actuação do agressor, com especial acuidade em casos como o em apreço (de inimputáveis perigosos), relativamente aos quais se requer a aplicação de uma medida de segurança, por haver fundado receio de que o comportamento daquele venha a repetir-se.

A circunstância do arguido já ter beneficiado da suspensão provisória do processo é um elemento relevante mas relativamente ao qual não é necessária nem possível a realização de um segundo julgamento, porque nem sequer foram descritos na acusação factos abrangidos por essa suspensão.

Do mesmo modo que se o arguido tivesse tido condenado, por sentença transitada em julgado, por crime da mesma natureza e contra a mesma vítima, faria todo o sentido fazer tal referência, por relevante, sem que a mesma importasse um segundo julgamento e a violação do referido princípio, indispensável no caso de o arguido ser reincidente.

Por outro lado, na sentença de que ora se recorre também se verifica uma incorrecta interpretação do art. 282.º n.º 3 do Código de Processo Penal, decorrente do princípio ne bis in idem, e que impede tão-somente que o Ministério Público venha a deduzir acusação relativamente a factos incluídos em anterior despacho de suspensão provisória do processo, o que claramente não se verificou na situação sub judice.

Na verdade, na acusação deduzida no âmbito do presente processo apenas foram articulados factos praticados pelo arguido após o período de suspensão, fazendo-se referência ao início dos problemas do casal logo após o casamento, por uma questão de contextualização dos mesmos, pelos motivos já acima explicitados, razão pela qual, e ao contrário do defendido pelo Mmo Juiz a quo, tal preceito não foi violado.

Por outro lado, verificou-se uma incorrecta interpretação do art. 283.º n.º 3 al. b) do CPP, ao se ter exigido, de forma abstracta, a articulação do elemento subjectivo.

Tal preceito legal estabelece que a acusação contém sob pena de nulidade, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível o lugar, o tempo e a motivação da sua prática.

Ora, esta motivação consta da acusação e foi dada como provada: doença psiquiátrica do arguido.

Perante esta particularidade, que altera em absoluto o processo formativo da vontade do arguido, este elemento não pode ser afirmado e nem exigido.

E a propósito não podemos deixar de fazer referência à argumentação utilizada Digna Procuradora-Adjunta, na motivação de recurso a que deu origem o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 10-07-2013, disponível em www.dgsi.pt, com a qual concordamos na íntegra: “(…) No caso dos inimputáveis, existe uma perturbação que lhes afecta a capacidade de entender e de querer, impedindo-os de avaliarem a ilicitude dos actos praticados no momento em que actuam e se determinarem de acordo com essa avaliação.

Esta incapacidade para avaliarem a ilegalidade dos seus atos e entenderem o caráter ilícito do fato, retira-lhes o juízo de culpa ou seja, o elemento intelectual do dolo.

O arguido não podia, assim, querer praticar um ato ilícito típico, porque não estava capaz de avaliar essa ilicitude e se determinar de acordo com tal avaliação.

E porque, na estrutura do dolo, o elemento intelectual antecede sempre o elemento volitivo, já que só se pode querer aquilo que previamente se conheceu, estando ausente este elemento, estará necessariamente irradiado o elemento volitivo.

A exclusão do elemento volitivo, leva à exclusão da imputação dolosa, isto é, do dolo.

Ora, se o dolo está ausente, não poderá ser descrito na acusação, sob pena de estarmos a efetuar a descrição da conduta de um imputável.

Os elementos que terão de constar da acusação serão apenas: - a descrição objetiva dos factos típicos do ilícito de violência doméstica que é imputado ao arguido B…, da leitura da qual se possa deduzir que a sua ação foi resultado de um ato voluntário da sua vontade e não de causas acidentais ou imprevistas externas, - o substrato biopsicológico capaz de lhe excluir a culpa e, consequentemente, o dolo, consubstanciado na anomalia psíquica de que padece, - a verificação do seu efeito normativo, traduzido na incapacidade de, no momento da prática do facto, avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação e - a possibilidade de vir a cometer outros factos da mesma natureza no futuro, capaz de evidenciar a sua perigosidade.

Na verdade, só estes requisitos é que são exigidos para a sujeição do agente a uma medida de segurança, pelo que somente eles é que terão de ficar comprovados e, por isso, ser descritos na acusação. (…)“.

E por conseguinte não se pode afirmar, como fez o Mmo Juiz a quo, que a acusação é manifestamente infundada, por falta de um elemento subjectivo, que em nenhum momento foi concretizado, mas que fundamentou a absolvição do arguido.

Neste sentido leia-se ainda o Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pág. 108, de acordo com o qual “o facto praticado pelo inimputável supõe a existência do ilícito-típico e das causas adicionais de punibilidade, mas exclui os elementos do tipo subjectivo do ilícito e os elementos da culpa”.

Do mesmo modo entendeu certamente a Mma. Juiz que recebeu a acusação (fls. 158-159), como de resto, vem sendo a prática judiciária.

Por outro lado, é também para nós inaceitável que se recorra a uma argumentação meramente teórica, onde se invocam figuras monstruosas e ataques de sonambulismo, que em nada têm com a realidade dos factos, para exigir, de modo abstracto, elementos que não constam da acusação, e assim absolver o arguido.

Na verdade, conforme se deu como provado: No momento da prática dos factos supra descritos, o arguido padecia de psicose delirante crónica de ciúme, sendo por força de tal anomalia psíquica incapaz de avaliar a ilicitude daqueles e se determinar de acordo com tal avaliação, e é possível a reiteração no tempo das condutas ilícitas do arguido na pessoa de seu cônjuge, como sucedeu.

Pelo exposto, os factos dados como provados (insultos e perseguições), ao longo de seis anos de vida em comum entre vítima e agressor, foram motivados pela doença psiquiátrica de que padece o arguido, não requerendo o mencionado preceito a articulação de elementos adicionais que demarquem a situação em apreço de outras, como as equacionadas na sentença, que nada têm a ver, sublinhe-se, com o caso concreto, razão pela qual não podem nem devem ser chamados à colação.

Ou dito de outro modo, os factos foram articulados na acusação pública de forma eficiente, resultando da sua própria estrutura que não há nenhuma causa de “vis absoluta” que justifique a sua prática, não sendo exigível que aquela...

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