Acórdão nº 156/16.0PIVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA ERMELINDA CARNEIRO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo número 156/16.0PIVNG.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Local Criminal – Juiz 3 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:I - RelatórioNestes autos de processo comum singular supra identificado em que é arguido B… (devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença (folhas 153 a 163), onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial): «Em face do exposto, e sem outras considerações, o Tribunal decide: 1. Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C…, condenando o demandado B… a pagar-lhe a quantia de €2.966,68 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento e a quantia de € 750,00 a título de danos não patrimoniais.».

    Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, nos termos constantes da motivação de folhas 174 a 201, a qual finalizou concluindo da forma seguinte (transcrição): «I - Vem o presente recurso da douta sentença que condenou o arguido B…, pela prática de um crime de furto qualificado, revisto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão e julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante C…, condenando o demandado B… a pagar-lhe a quantia de €2.966,68 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento e a quantia de €750,00 a título de danos não patrimoniais.

    II - Entende o Recorrente existir erro na fixação da matéria de facto provada quanto aos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 do elenco de factos considerados provados, os quais deveriam ter sido considerados como não provados, concluindo-se, em consequência, pela ausência de prova que permitisse concluir, para além de qualquer dúvida, que o Recorrente havia praticado o crime pelo qual veio a ser condenado.

    III - Compulsada a prova produzida os depoimentos das citadas testemunhas, verificamos que as mesmas não prestaram quaisquer declarações que permitam, para além de quaisquer dúvidas, concluir que o arguido, ora Recorrente, foi o autor do alegado furto sofrido em casa da Demandante, B….

    IV - Nenhuma das testemunhas viu o arguido em casa da Demandante C…, sendo certo que o facto de ter tido, hipotética e alegadamente, acesso às chaves de casa daquela, em rigorosamente nada contribui para a convicção de que foi o arguido o autor do alegado furto, sendo certo que várias outras pessoas tiveram acesso às chaves de casa da Demandante C….

    V - Do depoimento da testemunha C…, nas declarações prestadas no dia 27/03/2017 (declarações que tiveram a duração de 22m16s, conforme indicação constante da respectiva acta da audiência de discussão e julgamento, com início às 11:45), depoimento supra transcrito no corpo das alegações para o que se remete, resultam meras presunções, feitas pela própria testemunha, não corroboradas, de modo algum, por qualquer prova concreta, não se logrando perceber, sequer, que chaves é que desapareceram, se as de casa, se do carro, se o arguido teria tido acesso às mesmas porque andou a fazer obras em casa da mãe da testemunha, se por alegadamente ter passado pela oficina onde a testemunha deixou o carro a arranjar. Mais, teria sido aqui que a testemunha deixou as chaves? No carro ou em casa? Quantos pares de chaves tinha afinal? Quais foram as chaves que desapareceram? VI - Várias outras pessoas terão certamente passado pela casa da mãe da testemunha, demandante civil, ou pela oficina onde deixou o seu carro a reparar sendo certo ainda que a testemunha não foi capaz de dizer em que local deixou as chaves ao certo e quais as que terão desaparecido, tendo o seu depoimento se apresentado bastante confuso especialmente nesta parte.

    VII - Do depoimento da testemunha D…, declarações prestadas no dia 27/03/2017 (declarações que tiveram a duração de 12m18s, conforme indicação constante da respectiva acta da audiência de discussão e julgamento, com início às 11:58), depoimento supra transcrito no corpo das alegações para o que se remete, resulta que a mesma não possui qualquer conhecimento concreto sobre os factos, apenas reiterando a confusão da testemunha anterior quanto às chaves e nada de objectivo adiantando quanto ao que se poderá ter passado.

    VIII - Não se entende por isso, sempre com todo o respeito, como pode ter sido considerado como provado que o Recorrente foi o autor do alegado furto em casa da Demandante C…, tanto mais que a mera circunstância do arguido ter tido um eventual acesso às chaves de casa da Demandante não pode ser considerado como suficiente para considerar o Recorrente como autor do crime de furto pelo qual foi condenado.

    IX - Existe clara confusão e inexactidão nos depoimentos prestados (conforme supra se evidenciou e resulta de toda a prova testemunhal produzida em audiência) quanto às chaves que desapareceram, quando, em que circunstâncias e modo e quem teria sido o responsável pelo seu desaparecimento, não tendo sido sequer possível descortinar sequer quando é que o alegado furto terá ocorrido.

    X - Várias outras pessoas tiveram acesso às chaves de casa da Demandante, quer as mesmas tenham desaparecido de casa da sua mãe, quer tenham desaparecido do seu carro, já que quer a casa da mãe da Demandante, quer a oficina onde esta deixou o carro a reparar foram frequentadas por outras pessoas no lapso temporal (alargado e não determinado!) durante o qual as chaves poderão ter desaparecido.

    XI - Foram feitos exames periciais, com recolha de impressões digitais pelas entidades policiais competentes, e não foram encontrados quaisquer vestígios que permitissem concluir que o arguido esteve na casa da Demandante (tendo sido encontradas outras impressões digitais no local – vide relatório de fls._ dos autos).

    XII - Nenhuma testemunha presenciou efectivamente o arguido/Recorrente a entrar em casa da Demandante e a retirar os objectos que esta afirma dali terem desaparecido, não existindo qualquer prova que permita concluir quem, como, quando e de que forma terão desaparecido os objectos que a Demandante alega terem desaparecido.

    XIII - Não é possível, face à total ausência de prova, dar-se como provado que o Recorrente foi o autor do furto pelo qual veio a ser condenado.

    XIV - As testemunhas ouvidas em audiência – E… e F… – não adiantaram pontos relevantes no que concerne à prática do crime, já que são agentes da PSP que tomaram conta das ocorrências e não presenciaram quaisquer factos.

    XV - O arguido não prestou declarações, quer durante o inquérito, quer durante o julgamento, sendo que não se poderá ter em consideração quaisquer conversas que outras testemunhas aleguem ter tido com o arguido, tanto mais que as testemunhas apenas podem ser inquiridas sobre factos de que possuam conhecimento directo e que constituam objecto da prova.

    XVI - As testemunhas G… e H…, cujos depoimentos foram prestados no dia 27/03/2017, com as durações de 05m07s e 03m08s, respectivamente, conforme referência constante da respectiva acta de audiência de discussão e julgamento, apenas depuseram quanto ao pedido de indemnização civil, nada tendo acrescentado quanto aos factos propriamente ditos, não tendo logrado referir informação relevante relativamente aos bens que alegadamente terão sido furtados da casa da Demandante ou dos valores dos mesmos.

    XVII - Face à total ausência de prova, aos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, constante das gravações, nomeadamente os supra transcritos, e conjugação com o relatório pericial de fls._ entendemos que se impunha considerar os citados pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados, como materialidade não provada.

    XVIII - Constando do processo todos os elementos de prova que serviram de base à fixação da matéria de facto e dado cumprimento ao imposto pelo artigo 412º, nº 3 do CPP, impõe-se a modificabilidade da decisão recorrida, nos termos do disposto nos artigos 412º, nºs. 3 e 4 e 431º, alíneas a) e b), todos do Cód. Proc. Penal, o que se requer para todos os devidos e legais efeitos.

    XIX - Tendo em conta que esse Venerando Tribunal da Relação conhece de facto e de direito, e que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e constante das gravações, não conduz à factualidade apurada na douta decisão em crise, supra discriminada, justificado está o pedido supra formulado de modificabilidade da decisão do tribunal de 1ª. Instância sobre a matéria de facto, nos termos apontados e conforme disposto no artigo 431º do Código de Processo Penal.

    XX - Sem prescindir do exposto, sempre se dirá que, quanto mais não fosse, por força da aplicação do princípio in dubio pro reo se impunha a absolvição do arguido, já que na dúvida ou ausência de certeza, e essa dúvida ou ausência de certeza é bem patente nestes autos, em obediência ao Princípio In Dubio Pro Reo, inexistindo total certeza acerca da prática pelo arguido dos factos que lhe são imputados, impor-se-ia a sua absolvição, o que se invoca e requer expressamente para todos os devidos e legais efeitos.

    XXI - Ao condenar o Recorrente, em vez de a absolver, como deveria ter feito, o douto Tribunal “a quo” violou também o Princípio da Presunção da Inocência, In dubio pro reo, e o disposto nos artigos 32º, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e 127º do Código do Processo Penal, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.

    XXII - Face à ausência de prova do crime de furto qualificado imputado ao arguido/Recorrente e consequente inegável absolvição do Recorrente pela prática de tal crime, impõe-se, salvo o devido respeito por melhor...

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