Acórdão nº 644/16.9PTPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MOTA RIBEIRO
Data da Resolução09 de Maio de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 644/16.9PTPRT-A.P1 – 4.ª Secção Relator: Francisco Mota Ribeiro *Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto 1. RELATÓRIO 1.1 Por despacho de 08/11/2017, proferido no Proc.º n.º 644/16.9PTPRT, Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 2, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi indeferida a pretensão deduzida pelo arguido B..., de revogação do despacho proferido pelo Ministério Público, que constitui fls. 17 (49 dos autos principais), no segmento em que foi determinada a comunicação à ANSR do arquivamento dos autos e do cumprimento pelo arguido da injunção de proibição de condução de veículos com motor, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 148º, nº 2, do Código da Estrada, e dado considerar o arguido que a perda de pontos que lhe adveio de tal comunicação não lhe foi comunicada aquando da sua aceitação da suspensão provisória do processo, o que, além de violar a constituição, constitui irregularidade prevista no art.º 123º, nº 1, do CPP.

Notificado de tal despacho veio o mesmo arguido invocar a sua irregularidade, com as legais consequências, por falta de fundamentação, pretensão esta que foi julgada improcedente por despacho de 07/12/2017, cuja cópia constitui fls. 45 (93 dos autos principais).

1.2.

Não se conformando com tais decisões, delas veio interpor recurso o arguido, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões: “1ª Ao arguido vinha imputado nos presentes autos a prática de um crime de condução sob o efeito do álcool, tendo sido promovida e homologada judicialmente a suspensão provisória do processo com a duração de oito meses, sob condição de o arguido se submeter às seguintes injunções: a) entregar a uma IPSS à sua escolha a quantia de 500 €; b) frequentar a atividade taxa zero dinamizada pela DGRSP; c) proibição de conduzir pelo período de 3 meses.

  1. Tendo o arguido cumprido as injunções aplicadas foi proferido despacho pelo Ministério Público do seguinte teor: "Comunique à ANSR, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 148º, nº 2, do Código da Estrada, o arquivamento dos autos e que o arguido cumpriu a injunção de proibição de condução de veículos a motor." 3ª É entendimento do arguido que a previsão da comunicação à ANSR e os efeitos para a qual é feita (perda de pontos) é, do ponto de vista do arguido, inconstitucional, pelo que as normas que as preveem devem ser desaplicadas, como a seguir se dirá.

  2. De facto, independentemente do nomen juris que se queira dar à figura da perda de pontos, esta não pode deixar de ser considerada como uma condenação numa pena acessória, sendo que tal pena acessória ou efeito da pena, quando o processo é suspenso provisoriamente, não tem como pressuposto a aplicação de qualquer pena principal, por um lado, nem está sujeita a homologação do juiz ou promoção do MP, não estando sujeita a contraditório ou sequer a que se aquilate da culpa do arguido, surgindo como violadora dos princípios estruturantes do processo penal português.

  3. Aplicando-se tal pena à margem do previsto no Código de Processo Penal, designadamente no que toca à promoção do MP e homologação judicial das injunções, há violação de caso julgado.

  4. Em momento algum no decurso dos autos, quer no auto de notícia, quer no decurso da suspensão provisória do processo, isto é, da aceitação, ponderação da aplicação da medida pelo Ministério Público e despacho judicial de concordância, constou ou foi mencionado ou abordado, que ao aqui arguido lhe seriam retirados pontos da sua carta de condução, ou sequer que a medida seria comunicada à ANSR para efeitos de desconto de pontos de carta de condução.

  5. O despacho judicial de concordância com a promoção de suspensão provisória do processo faz caso julgado formal quanto às injunções aplicadas, não podendo ser aplicada qualquer outra injunção que não tenha sido concretamente pedida pelo Ministério Público e aceite pelo arguido (neste sentido os acórdãos citados na motivação que aqui se dão por reproduzidos).

  6. Ao enviar a decisão dos presentes autos à ANSR, para os efeitos previstos nos art.ºs 138º e 139º do Código da Estrada, o Ministério Público está a fazer acrescer à sua "proposta", já aceite e homologada pelo JIC, através do despacho judicial de concordância, uma nova sanção acessória aí não prevista, pelo que está a violar caso julgado ao não submeter à apreciação do juiz a aplicação da pena acessória de perda de pontos.

  7. É preciso não esquecer que o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 7/87 quanto ao art.º 281º do Código de Processo Penal na versão originária já se pronunciou "pela inconstitucionalidade dos n° 1 e 2 do mesmo artigo, na medida em que neles se não prevê qualquer intervenção de um juiz — por violação dos artigos 32º, nº 4, e 206º da Constituição; pronunciar-se pela inconstitucionalidade do nº 4 do mesmo artigo - por violação do direito à segurança, consignado no nº 1 do artigo 27º da Constituição.

  8. Com efeito, como se diz em tal acórdão já se não aceita, porém, a atribuição ao Ministério Público da competência para a suspensão do processo e imposição das injunções e regras de conduta previstas na lei, sem a intervenção de um juiz, naturalmente o juiz de instrução, e dai a inconstitucionalidade, nessa medida, dos nºs 1 e 2 do artigo 281º por violação dos artigos 206º e 32º, nº 4, da Constituição.

  9. Isto com a agravante de se estar a aplicar uma sanção (tenha ela o nomen iuris que se lhe queira aplicar: pena acessória, efeito da pena ou qualquer outra), sem que o arguido em nenhum momento seja ouvido pelo MP ou pelo juiz quanto à aplicação da mesma, com violação frontal do princípio do acusatório e do contraditório e após a homologação das injunções e da suspensão provisória do processo pelo juiz, violando-se assim o princípio do Estado de Direito na sua vertente da proteção da confiança.

  10. Deve entender-se que as disposições conjugadas dos art.ºs 281° do Código de Processo Penal e dos art.ºs 148° nº 2, 149º nº 1 al. c) e nº 2 do Código da Estrada e os art.ºs 4º nº 1, al. e), nº 3 al. e) e 6º nºs 5 e 6 do DL 317/94, devem ser consideradas inconstitucionais, quando aplicadas a arguido em processo penal sujeito a suspensão provisória do processo, na medida em que lhes é aplicada uma sanção não promovida pelo Ministério Público, sem que lhes seja conferido o exercício do contraditório e sem intervenção do juiz de instrução criminal, por violação do princípio da proteção da confiança, do acesso ao Direito e aos Tribunais, do acusatório e do contraditório, designadamente do disposto nos art.ºs 2º, 20º nº 1, 32º nºs 1, 4, 5 e 10, 202º nº 2 e 219º nº 1 da Constituição.

  11. Acresce que, o registo individual de condutor é um registo de infrações.

  12. Ora, o recorrente não foi punido pela prática de qualquer crime ou contraordenação, não podendo entender-se que a suspensão provisória do processo equivale a uma condenação ou que o cumprimento das injunções equivale ao cumprimento de pena, pelo que não poderia haver lugar à comunicação em causa.

  13. A aplicação de tais normas e a remessa da decisão para constar como infração no RIC integra irregularidade, prevista no art.º 123º nº 1 do Código de Processo Penal que deveria ter sido declarada como tal, uma vez que o Tribunal deveria ter desaplicado tais normas.

  14. Acresce que, a subtração de pontos da carta de condução constitui um efeito automático da infração estradal, sendo de aplicação administrativa pela ANSR.

  15. E tal sanção não é uma injunção aplicada em processo criminal, não pode ser uma pena acessória (ou sanção acessória) porque não há pena principal (ou sanção principal), nem é um efeito da pena porque não há nenhuma pena. A sanção em causa não se enquadra em qualquer dos institutos, tratando-se de uma invenção legislativa atípica.

  16. O princípio da não automaticidade dos efeitos das penas pressupõe, assim, um juízo autónomo, com base em critérios legais, que permita averiguar da necessidade do efeito da pena (a perda de um determinado direito) - cfr. Constituição Portuguesa Anotada, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, pág. 338.

  17. Se por absurdo se entender que a perda de pontos poderá preencher o elemento formal da pena acessória ou efeito da pena, ou seja, a condenação numa pena principal (que não se sabe qual é e que não pode ser a injunção aplicada ao arguido), já não preenche, obviamente, qualquer elemento material ou pressuposto material.

  18. Com efeito, como pressuposto material da aplicação da pena acessória deveria aquilatar-se da "especial censurabilidade do condutor" no caso concreto.

  19. No fundo, temos a previsão de uma pena acessória, efeito da pena ou sanção administrativa com um elemento objetivo preenchido, mas sem que se preveja um elemento subjetivo, ou seja, o dolo ou a especial censurabilidade na prática do facto que haveria de redundar na aplicação da pena acessória ou efeito da pena.

  20. A lei não faz depender do preenchimento de qualquer pressuposto, que não seja a aplicação de injunção de proibição de conduzir, para que a subtração de pontos opere, ou seja, a mesma subtração decorre necessária e automaticamente da definitividade da decisão homologatória, sem que seja aquilatada a sua necessidade no caso concreto, daí a violação dos art°s 2º, 18º nº 2, 29º nº 1, 30º nº 4 e 32º nºs 1 e 10 da Constituição.

  21. Existe uma sanção na perda de pontos, a que deveria corresponder um processo, no qual deveriam ser assegurados os direitos de audiência e defesa, que claramente não existem em violação do art.º 32º nºs 1, 5 e 10 da Constituição.

  22. Na verdade, na aplicação do referido art.º 148º do Código de Estrada não se pondera da necessidade da aplicação ao arguido da subtração de pontos, antes, se aplica como um efeito automático da aplicação decisória de uma injunção de inibição de conduzir.

  23. O art.º 148º nº 2 do Código de Processo Penal determina a subtração de 6 pontos sem que se afira culpa do agente. Ou seja, a pena afasta-se do seu carácter pessoal para decorrer cegamente da lei, sem que interfira...

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