Acórdão nº 418/08.0PAMAI-P.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução06 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I. RELATÓRIO 1.

AA, identificado nos autos, tendo sido condenado no âmbito do processo n.º 418/08.0PAMAI-P, da 4.ª Vara Criminal do Porto, veio, ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal (CPP), interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido por aquele tribunal, que o condenou, entre o mais, na pena de prisão de 7 anos, pelo crime de roubo qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 210º e 204º, nº 2, als. f) e g), todos do Código Penal (CP), praticado em 16 de Abril de 2008, em que figura como ofendido BB, tendo essa decisão sido confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/05/2012.

Concluiu a sua motivação de recurso da forma que segue: (…) 5. O recorrente fundamenta a interposição de revisão na alínea c), do número 1 do artigo 449.º do CPP, que prevê a admissibilidade de revisão de sentença transitada em julgado em caso de inconciliabilidade de decisões, quando: Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

  1. Tratando-se de uma inconciliabilidade de factos, a lei exige que resultem de duas sentenças contraditórias graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

  2. Para Luís Osório, “devem levantar graves suspeitas de inocência… só por esses factos ou provas ou por eles conjugados com outros elementos que já anteriormente constavam do processo”, devendo as suspeitas ser “da inocência do condenado e não simplesmente da injustiça da condenação” ([1]).

    No caso vertente, 8. No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 418/08.0PAMAI, da 4.ª Vara Criminal do Porto, já transitado em julgado, o recorrente AA foi condenado, como co-autor material, em concurso real, de 1 crime tentado de homicídio qualificado, 1 crime de roubo qualificado, 1 crime de ofensa à integridade física qualificada, 2 crimes de detenção de arma proibida e 1 crime de ameaça na pena conjunta de 14 anos e 6 meses de prisão.

  3. Concretamente, o recorrente foi condenado na pena de prisão de 7 anos, pelo ilícito de roubo qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 210º e 204º, nº 2, als. f) e g), todos do Código Penal, praticado em 16 de Abril de 2008, em que figura como ofendido BB.

  4. Com relevância para a presente revisão, ficaram provados os seguintes factos: «1 – No dia 16 de Abril de 2008, cerca das 00h15, BB, Inspector da Polícia Judiciária, imobilizou a viatura automóvel de sua propriedade, da marca “Audi”, modelo “A4”, de matrícula ... junto à sua casa sita na Rua ..., na cidade da ... transportando consigo os seus filhos ... e ..., com 9 e 8 anos de idade, respectivamente, que dormitavam no banco traseiro; 2 - Apercebeu-se, então, que descia a aludida rua uma outra viatura automóvel, circulando no sentido contrário àquele em que se fizera circular; 3 – No interior dessa viatura seguiam, pelo menos, dois indivíduos de cara quase tapada com gorro, vulgo passa montanhas, sendo um deles o arguido AA.

    4 – Ao chegar perto do BB, saiu da viatura de marca e modelo “Nissan Primera”, com a matrícula ..., a subtraída nos moldes atrás aludidos, o arguido AA que se munia de uma espingarda caçadeira, de um só cano, razão pelo que o ofendido BB se apercebeu que iria ser alvo de assalto, e que igualmente resultava do plano criminoso previamente elaborado; 5 – Temendo que algo acontecesse aos menores seus filhos, o BB gritou “Polícia, larga a arma” ao mesmo tempo empunhando a sua arma de serviço – de marca Browning, 9 mm, com o n.º de série 516NN50360, sensivelmente à altura do seu rosto; 6 – Acto contínuo, o arguido AA, que trazia a mencionada arma caçadeira fez um disparo na direcção da cabeça do BB, a cerca de 3 a 4 metros de distância, vindo a atingi-lo na mão direita, rosto e pescoço; 7 – No local, para além do mais, foi encontrada uma bucha de cartucho de 12 mm; 8 – De seguida, aquele BB foi proteger-se na parte traseira do seu veículo, enquanto que o arguido AA se apoderou da arma de serviço que, entretanto caíra ao chão, voltou para a viatura que ali o transportara, a de marca e modelo “Nissan Primera”, viatura na qual abandonou o local com as luzes desligadas e virando à esquerda entrando na Avª ...; (…) 13 – O arguido AA, aquando da prática dos factos descritos, vestia casaco curto em couro, esverdeado ou acastanhado e calças de ganga;».

    Por seu turno, 11. No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 3059/10.9TDPRT, da 2.ª Vara Criminal do Porto, já transitado em julgado, o recorrenteAA foi absolvido de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, nºs 1, 2, alínea h), 22.º e 23.º do C. Penal, e de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, nº 1 e 155.º, nº 1, als. A) e c) do C. Penal, dos quais vinha acusado.

  5. Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevância para a presente revisão: «8 - No dia 16 de Abril de 2008, cerca das 00h15, BB, Inspector da Polícia Judiciária, imobilizou a viatura automóvel de sua propriedade, da marca “Audi”, modelo “A4”, de matrícula ... junto à sua casa sita na Rua ..., transportando consigo os seus filhos ... e ..., com 9 e 8 anos de idade, respectivamente, que dormitavam no banco traseiro; 9 – Apercebeu-se, então, que descia a referida artéria um outro veículo automóvel, que circulava em sentido contrário, sendo que no interior dessa viatura seguiam, pelo menos, dois indivíduos utilizando na cara um gorro com abertura nos olhos (vulgo passa montanhas); 10 – Perto do assistente BB, saiu da viatura “Nissan Primera” com a matrícula ..., que foi subtraída na forma descrita supra, um dos referidos indivíduos, munido de uma espingarda caçadeira, de um só cano, o que fez pensar, de imediato, ao BB que iria ser alvo de assalto, e que igualmente resultava de plano pré concebido.

    11 – Encontrando-se ali os seus filhos e temendo que algo lhes pudesse acontecer, o assistente BB gritou “Polícia, larga a arma” ao mesmo tempo empunhando a sua arma de serviço, de marca Browning, 9 mm, com o n.º de série 516NN50360, sensivelmente à altura do seu rosto.

    12 – Acto contínuo, o referido indivíduo que empunhava a referida arma caçadeira fez um disparo na direcção da cabeça do BB, a cerca de 3 a 4 metros de distância, vindo a atingi-lo na mão direita, rosto e pescoço.

    13 – Pelo que o assistente BB procurou protecção na parte traseira do seu veículo, enquanto que o referido indivíduo, apanhou a arma de serviço que, entretanto caíra das mãos do assistente ao chão.

    14 – Tendo-a levado consigo para o interior da viatura “Nissan Primera”, onde o aguardava o outro indivíduo cuja verdadeira identidade se não logrou apurar, e, de seguida, ambos abandonaram aquele local, levando consigo a arma atrás referida, e de que ambos se apoderaram.

    19 – O indivíduo que disparou sobre o inspector da P. J. BB, aquando da prática dos factos descritos, vestia casaco em couro, esverdeado ou acastanhado e calças de ganga.».

    Ora, 13. Em ambos os processos se prova o mesmo quadro fáctico, com uma crucial excepção: a autoria dos factos.

    A – DA INCONCILIABILIDADE ENTRE OS FACTOS QUE SERVIRAM DE FUNDAMENTO À CONDENAÇÃO E OS DADOS COMO PROVADOS NOUTRA SENTENÇA 14. O digníssimo Tribunal a quem num aresto de 8 de Maio de 2008, sustentou que “A inconciliabilidade de decisões que pode fundar a revisão tem de referir-se aos factos que fundamentam a condenação e aos factos dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação, o que significa que é necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda” ([2]).

  6. Aparentemente, poder-se-ia defender que do confronto entre os factos que sustentaram a condenação do recorrente pelo crime de roubo qualificado no processo da 4.ª Vara Criminal do Porto, e o os factos dados como provados no processo da 2.ª Vara Criminal do Porto, não resulta uma relação de exclusão, justamente porque no primeiro se prova que o recorrente é o autor dos factos e no segundo provam-se os factos mas não o seu autor.

  7. Ou seja, a inconciliabilidade das decisões só procederia se no processo da 2.ª Vara Criminal do Porto se provasse que os factos vertentes haviam sido praticados por pessoa diferente do recorrente.

  8. Isto é, em princípio, não será porque não se logrou provar determinado facto que ele não terá ocorrido efectivamente, e portanto, haverá fundadas dúvidas da relação de exclusão que sempre se afigura necessária à admissibilidade da revisão.

  9. Todavia, uma interpretação tão restritiva do que possa considerar-se inconciliável afasta-se da ratio inerente ao recurso de revisão, e portanto, do premente combate à injustiça patente numa decisão judicial.

  10. Cremos, salvo melhor opinião, que a inconciliabilidade das decisões não poderá ser tida exclusivamente como uma simetria absoluta entre os factos dados como provados em duas decisões distintas, impondo-se também uma análise crítica dos fundamentos que subjazem à motivação do Tribunal e, obviamente, de um confronto dialéctico entre os factos que resultaram provados e os que não se provaram.

  11. Do confronto entre a decisão condenatória da 4.ª Vara Criminal do Porto e a decisão absolutória da 2.ª Vara Criminal do Porto, não sobressai apenas que na primeira o Tribunal imputou determinados factos ao recorrente, e na segunda o Tribunal não logrou imputar a ninguém esses mesmos factos.

  12. A conclusão é mais profunda: resulta da decisão da 2.ª Vara Criminal do Porto, que o recorrente não foi o autor dos factos que lhe foram imputados, e da decisão da 4.ª Vara Criminal do Porto, aqui impugnada, resulta exactamente o oposto! 22. Atente-se, no Acórdão da 2.ª Vara Criminal do Porto que tem por não provado o...

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