Acórdão nº 72/14.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução13 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

Por acórdão de 22.11.2013, proferido pelo tribunal colectivo da 2ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, foi a arguida AA condenada, em cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente do concurso de crimes, na pena única de 7 (sete) anos de prisão, com desconto de 9 (nove) meses prisão pelo cumprimento de pena parcelar integrada no mesmo cúmulo.

Integraram o cúmulo jurídico efectuado as penas de prisão aplicadas no processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR, no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR e no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR, mas já não, e entre outras, a pena de prisão aplicada no processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR.

  1. Inconformada com a referida decisão, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde, para além das questões atinentes à inclusão da pena aplicada no processo comum nº 418/09.3JACBR no cúmulo jurídico efectuado e, em caso afirmativo, à manutenção daquela pena única fixada (7 anos de prisão), suscitou ainda, em sede de audiência de julgamento, a questão reportada à alegada inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 12º e 32º da Constituição da República Portuguesa, das normas dos artigos 10º, 26º e 77º do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que, perante um crime exaurido, é possível separar alguns dos factos que o integram e assim permitir múltiplas condenações.

  2. Por acórdão de 21.05.2014, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, em suma: «

    1. Julgar não verificada a invocada inconstitucionalidade.

    2. Revogar o cúmulo jurídico de penas efectuado no acórdão recorrido.

    3. Realizar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida no processo comum singular nº 1318/06.4TACBR e no processo comum singular nº 1163/10.2TACBR, e condená-la na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, em cujo cumprimento haverá oportunamente que descontar 9 (nove) meses de prisão [correspondentes à pena parcelar já cumprida, imposta no último processo cumulado].

    4. Realizar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas à arguida no processo comum colectivo nº 158/07.8JAAVR [estes autos] e processo comum colectivo nº 418/09.3JACBR, e condená-la na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão».

    Mais se consignou, no aludido aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, que «As penas únicas referidas em C) e D) serão cumpridas sucessivamente».

  3. Irresignada ainda com esta decisão, a arguida AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído da motivação que apresentou as seguintes conclusões: «1. A recorrente nestes autos foi condenada na pena de 5 anos e 6 meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por factos praticados entre o ano de 2007 e o dia 8.6.2009, sendo que no Processo Comum Colectivo nº 418/09.3 JACBR tinha sido condenada, antes, por crime idêntico em pena igual, mas por factos praticados, exclusivamente, em 9.6.2009, dia seguinte ao do último dia dos factos praticados no processo mais antigo.

  4. Estamos assim perante conduta do agente em que o mesmo, após atingir o resultado consumado continuou a agredir o mesmo bem jurídico. Não se verifica um delito autónomo, mas um desdobramento de uma conduta negativa consumada.

  5. Estamos perante um crime exaurido.

  6. Mister se torna, pois, que a factualidade do dia 9 de Junho entre no cúmulo jurídico efectuado. É o mesmo crime.

  7. Deve, porém, face aos critérios do artigo 77º do C.P., manter-se a pena já fixada no cúmulo inicial, isto é, 7 anos.

  8. A decisão recorrida, ao ter entendido de outra forma, violou os artigos 10º, 26º e 77º nº 1, todos do C.P.

  9. Deve, pois, ser revogada nos termos reclamados».

    * Na mesma oportunidade a recorrente requereu a realização de audiência.

  10. Ao motivado e assim concluído pela recorrente, retorquiu o Ministério Público no Tribunal da Relação de Coimbra, que rematou nos seguintes moldes: «1°- Não se mostram, pois, violados quaisquer normativos legais, nomeadamente, os ínsitos nos artºs 10º, 26º e 77° do C.P, como aponta a recorrente; 2° - Pelo que, não nos merecendo censura o doutamente decidido, propugnamos pelo total improvimento do recurso e, consequente manutenção do Acórdão impugnado».

  11. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416º do Código de Processo Penal, não emitindo parecer visto a recorrente ter requerido a realização de audiência, promoveu que fosse designada data para a mesma.

  12. Por ter sido requerida pela arguida AA a realização de audiência (número 5 do artigo 411º do Código de Processo Penal), procedeu-se à mesma para, de acordo com o peticionado pela recorrente, serem debatidos «os pontos por si abordados na motivação do presente recurso».

    Assim, no início da audiência, a Relatora enunciou as questões que, abordadas na motivação do recurso e respectivas conclusões, são merecedoras de exame por parte deste Tribunal, nos termos do número 1 do artigo 423º do Código de Processo Penal.

    O Excelentíssimo Mandatário da arguida, nas alegações oralmente proferidas, reiterando as posições defendidas na motivação do recurso que interpôs para este Supremo Tribunal, em suma sustentou que, não acrescentando os factos cometidos em 09.06.2009 qualquer ilicitude aos praticados entre o ano de 2007 e 08.06.2009, a solução racional e lógica passa por manter a pena conjunta de 7 anos de prisão que, em cúmulo jurídico, havia sido imposta à recorrente, no acórdão de 22.11.2013, proferido pelo tribunal de 1ª instância.

    Por sua vez, a Excelentíssima Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que, constituindo a questão nuclear que se coloca a de saber da oportunidade da aplicação do princípio ne bis in idem, em sede recurso interposto de decisão que procedeu exclusivamente à aplicação de uma pena de prisão, por conhecimento superveniente de concurso, a resposta só poderá ser negativa.

    E isto na medida em que, tendo transitado em julgado as decisões que integram o cúmulo, as mesmas não se anulam e ao Supremo Tribunal de Justiça cabe-lhe tão-só sindicar a existência efectiva de concurso de crimes e bem assim se a pena única de prisão aplicada se mostra adequada e proporcional. No caso vertente, entende o Ministério Público que a pena única fixada não merece censura, atendendo ao percurso de vida criminosa da arguida que, não tendo profissão, dedicou-se à venda de produtos estupefacientes durante um longo período de tempo. Razão por que, concluiu a mesma Senhora Magistrada, deverá negar-se provimento ao recurso e manter-se o acórdão recorrido. 8.

    Tudo visto, cumpre decidir: II. Dos Fundamentos II. 1 – De Facto O tribunal recorrido declarou provados os seguintes factos: «A arguida foi condenada nos seguintes processos: Processo Comum Colectivo n.º 158/07.8JAAVR: Data dos Factos: Novembro de 2007 a 8.6.2009 Data da Sentença: 20.07.2012 Data do Trânsito e Julgado da Sentença: 22.5.2013 Pena aplicada: Nas penas parcelares de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, 3 (três) anos e 6 (seis) meses e 1 (um) ano e 3 (três meses) e na pena única de 7 (sete) anos de prisão Crimes: um crime p. e p. pelo art.º 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 em concurso real com um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.º 368º-A, n.º 1, 2 e 3 do Código Penal e um crime de condução de veículo motorizado p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1 No Acórdão consta como provado: “

    1. Do Crime de Tráfico de Estupefacientes: A arguida, desde pelo menos o final do mês de Setembro de 2007 que se dedicava à comercialização de produtos estupefacientes, designadamente heroína, cocaína e canábis.

      A arguida AA adquiria os produtos estupefacientes em quantidade e por modo não concretamente apurado, os quais depois de preparados e sob a forma de pequenas doses revendia a indivíduos interessados na sua aquisição, em Coimbra, sobretudo no Bairro da Rosa e no Bairro do Ingote.

      O preço das doses variava de acordo com o peso de produto nelas contido, mas, em regra, rondava os € 10,00/dose.

      E tanto o fazia directamente, quer nos apartamentos a que aí tinha livre acesso, quer na via pública, nas suas imediações.

      Como o fazia com o apoio e auxílio de pessoas que consigo colaboravam, geralmente consumidores, que recrutava para esse efeito e para angariarem clientes para os estupefacientes que comercializava.

      Estes indivíduos, face ao combinado, geralmente acompanhavam e encaminhavam os interessados até às referidas habitações, onde estes compravam as quantidades pretendidas.

      Como pagamento destes serviços, regra geral, a arguida AA entregava aos vendedores/angariadores doses de estupefacientes, para consumo próprio, uma vez serem normalmente consumidores regulares desse tipo de produtos.

      Nesta situação de vendedores/angariadores por conta da arguida AA, como contrapartida à colaboração que lhe prestavam na venda de produtos estupefacientes, dela recebendo doses de droga, nomeadamente heroína, cocaína e canábis, que depois consumiam, estão designadamente os seguintes arguidos: BB, conhecido pela alcunha de CC; DD, conhecido pelo diminutivo de EE; FF, conhecido pelo diminutivo de GG.

      Era, pois, desta prática delituosa, que a arguida AA retirava os proveitos económicos que auferia, tanto que não desempenhava qualquer actividade profissional lícita.

      Pelo menos desde o final do mês de Setembro de 2007 (designadamente os dias 27.9.2007, 28.9.2007, 17.10.2007, 26.10.2007, 14.11.2007, 5.3.2008, 14.4.2008) que a arguida AA utilizava o apartamento sito no Bairro …, Bloco …, Subcave Centro, para efeitos de fraccionamento e posterior revenda de doses de heroína, cocaína e canábis.

      Em 18.4.2008, pelas 14h30m, durante a busca realizada ao apartamento onde a arguida AA na ocasião residia, sito no Bairro …, rua …, n.º …, …., Coimbra, ao ser alvo de revista, em poder da arguida, no interior de uma carteira, foi apreendida uma língua de um produto vegetal prensado...

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