Acórdão nº 115/14.8YREVR-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução05 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor presente recurso no Mandado de Detenção Europeu que se encontra pendente no Tribunal da Relação de Évora cingindo-o à questão da medida de coacção a que ficou sujeito por despacho judicial proferido naqueles autos.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: (i) Tem o presente Recurso por objecto a decisão da 2.ª Subsecção da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, proferida no passado dia 2 de Outubro de 2014, mediante a qual foi validada a detenção do ora Recorrente e determinada a sujeição do mesmo a prisão preventiva.

(ii) No caso em apreço, não está verificado o grau de indiciação factual suficiente, em função do teor do MDE, que permitiria a sujeição do Recorrido a prisão preventiva com fundamento nas alíneas a) a e) do n.º 1, do artigo 202.º, do C.P.P.

(iii) Não tem, igualmente, aplicação ao caso dos autos o disposto no artigo 202.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P., na medida em que tal disposição legal não prevê expressamente a sujeição do Arguido a um MDE.

(iv) Essa conclusão deriva, desde logo, do cotejo dos regimes legais da extradição clássica, prevista na Lei n.º 144/1999, de 31 de Agosto, face à Lei n.º 65/2003, do qual resulta evidente a atenuação dos requisitos processuais e materiais da execução do MDE, face às regras da extradição clássica.

(v) Os pressupostos das medidas de coacção encontram-se vertidos em normas limitadoras de direitos, liberdades e garantias, pelo que têm de estar expressamente fixados na Lei, não sendo, consequentemente, admissível a integração analógica que seria necessária à inclusão da referência ao MDE na previsão legal contida no artigo 202.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P.

(vi) Nesse sentido, a interpretação da norma legal vertida no artigo 202.º, n.º 1, alínea f), do C.P.P., feita pelo Tribunal a quo e fundante da decisão tomada ao nível da determinação da medida de coacção (prisão preventiva) imposta ao Recorrente, sempre redundará em norma materialmente inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito democrático e do princípio da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, princípios esses sedeados, respectivamente, nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, para todos os efeitos legais, se deixa expressamente invocada.

(vii) À cautela, sempre se diga que qualquer interpretação, quer do disposto no artigo 34.º, da Lei n.º 65/2003, quer no artigo 202.º, n.º 1, alínea f), quer nas disposições genéricas do C.P.P. em matéria de medidas de coacção (designadamente, os artigos 191.º, 193.º e 204.º), no sentido de os pressupostos de aplicação de medidas de coacção, no caso de ter sido emitido MDE tendo em vista a entrega de um cidadão às Autoridades judiciárias de um Estado-Membro, deverem ser aferidos em função apenas da necessidade de acautelar a finalidade específica e concreta do MDE (entrega), conforme se dispõe no artigo 17.º, n.º 5, da Decisão-Quadro, sempre redundará em norma materialmente inconstitucional, em razão da violação dos princípios do Estado de Direito democrático, da igualdade, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, do direito a um processo justo e equitativo e da presunção de inocência, previstos, respectivamente, nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4 e 32.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, à cautela, e para todos os efeitos legais, se deixa expressamente invocada.

(viii) Não poderia ter aplicação ao caso dos autos qualquer dos fundamentos materiais da medida de coacção prisão preventiva previstos nas alíneas a) a e), do artigo 202.º, n.º 1, do C.P.P., na medida em que é a própria decisão recorrenda que assume (de resto, bem) que a indiciação factual constante do MDE dificilmente poderia ser considerada “forte”.

(ix) A medida da pena relevante, para efeitos de aplicação da alínea a), do artigo 202.º, n.º 1, do C.P.P. é aquela que se encontrar prevista para a infracção imputada ao Requerido, à luz da Lei Penal portuguesa, pelo que, estando em causa, aparentemente, a infracção prevista no artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal Português, importa notar que a moldura penal abstractamente aplicável é de seis meses a cinco anos de prisão, razão pela qual não estamos, sequer, perante um crime que seja punido, na Lei Portuguesa, com pena de prisão de máximo superior a cinco anos.

(x) Assim, nos termos do disposto no artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., sempre falharia um pressuposto necessário para a aplicação de prisão preventiva.

(xi) A não entender-se desta forma, incorrer-se-ia em interpretação inconstitucional da norma vertida no artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., por violação dos princípios do Estado de Direito democrático e da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, sedeados, respectivamente, nos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que, para todos os efeitos legais, se deixa expressamente invocada. Sem, todavia, prescindir, (xii) No caso, o Tribunal a quo considerou que quaisquer outras medidas de coacção previstas na Lei não eram adequadas nem suficientes para as exigências cautelares que, no caso, alegadamente, se fazem sentir, sem prejuízo de nenhuma dessas exigências cautelares (perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa) se verificar.

(xiii) A prisão preventiva tem natureza subsidiária, em obediência ao disposto no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, pelo que só nos casos mais gravosos, e em que nenhuma outra medida de coacção assegure as finalidades cautelares que no caso se imponham, poderá ser aplicada, sendo, por isso, uma medida cautelar de ultima ratio.

(xiv) Em sede de aplicação de medidas de coacção impõe-se aferir da necessidade das mesmas, analisando os respectivos pressupostos gerais tal qual formulados no artigo 204.º do C.P.P. e do preenchimento ou não dos mesmos, à luz da factualidade invocada para efeitos de aplicação de uma medida de coacção.

(xv) Numa segunda fase, ter-se-á de, sempre com arrimo nos factos invocados para sustentar a necessidade de aplicação de uma medida de coacção, concluir pela insuficiência das medidas de coacção menos gravosas do que a prisão preventiva para atalhar às exigências cautelares que se imponham, paralelamente a uma ponderação entre tais exigências e a compressão de direitos, liberdades e garantias que a medida venha a implicar para aquele a quem seja imposta.

(xvi) Ter-se-á, pois, de proceder a um raciocínio por exclusão, norteado pelos princípios da proporcionalidade, da adequação e da restrição mínima de direitos do Arguido, mediante o qual deverão, verificados que estejam os pressupostos constantes de uma ou de diversas alíneas do artigo 204.º do CP.P., ser analisadas as restantes medidas de coacção que, em abstracto, poderiam ser objecto de aplicação, devendo, à luz da factualidade convocada para efeitos de justificação da necessidade de aplicação de uma medida de coacção, optar-se pela medida que, cumprindo as finalidades necessárias, se traduza na menor restrição possível de direitos, liberdades e garantias do Arguido.

(xvii) No caso concreto, nunca o Tribunal a quo aquilatou da possibilidade de ser aplicada ao Recorrente a medida de coacção consistente na obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201.º do C.P.P., a qual seria perfeitamente susceptível de acautelar um possível perigo de fuga por parte do Recorrente, ao mesmo tempo que garantiria a eventual entrega do mesmo às Autoridades Francesas.

(xviii) Esta medida de coacção é, aliás, perfeitamente adequada às finalidades que se visam acautelar com o MDE e, na hipótese de poder sustentar-se (que não pode) existir perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa por parte do Recorrente, que tais perigos fossem neutralizados.

(xix) A medida de coacção de obrigação de permanência na habitação poderia ser susceptível de acautelar também este segundo perigo.

(xx) Adicionalmente, esta medida de coacção sempre poderia ser cumulada com outras medidas de coacção, nomeadamente, com a proibição de o Recorrente contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas, como decorre do disposto no artigo 201.º, n.º 2, do C.P.P., o que sempre poderia ser utilizado para evitar contactos por parte do Recorrente, quer através da internet, quer com recurso a meios telefónicos e electrónicos.

(xxi) Assim, ainda que se entendesse estarem verificados os pressupostos de que depende a aplicação de uma medida de coacção, nos termos do disposto no artigo 204.º do C.P.P., é forçoso concluir que a aplicação da medida de prisão preventiva não respeita o princípio da adequação, necessidade e proporcionalidade, previstos no artigo 193.º do C.P.P., nem tão pouco a subsidiariedade que é característica da prisão preventiva, razão pela qual a mesma sempre deveria ser substituída pela obrigação de permanência na habitação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 201.º do CPP. Sem...

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