Acórdão nº 3/12.2GALLE.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução04 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório 1.1.

No processo em epígrafe, respondeu, perante o Tribunal Colectivo do 2º Juízo de Competência Especializada do Tribunal Judicial de Faro, o arguido AA, nascido em ..., em ..., filho de ... e de ..., ..., titular do passaporte nº ..., residente em ..., na Rua ..., que foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-B a ele anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses (acórdão de 21.02.2014, fls. 2198 e segs.).

1.2.

Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça de cuja motivação (fls. 2253 e segs.) extraiu as seguintes conclusões: «1.

Os pontos 1 a 12 contêm matéria de facto genérica, não concretizada e que por este motivo deve ser removida dos factos provados.

2.

São apenas formulações genéricas, relacionando-se vagamente o arguido com outras pessoas, sugerindo-se atos de tráfico sem tradução em factos concretos praticados pelo recorrente.

3.

… de resto, as afirmações genéricas, contidas no elenco desses «factos» provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe os locais em que os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como «factos» inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da Constituição.

4.

Violaram-se em consequência, os direitos de defesa dos arguidos – art. 32º da C.R.P. –, pois os factos acima referidos deveriam ter sido dados como não provados.

5.

Os factos provados, ainda que não modificados, devem integrar a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade – art. 25º do DL 15/93 de 22.1.

6.

Apurou-se em concreto uma atividade de venda direta ao consumidor, apurando-se cerca de 14 vendas a 6 pessoas.

7.

Ainda nos casos, como o presente, em que se verifica falta de alguma precisão sobre a quantidade da cocaína objecto de cada entrega, é de considerar, pro reo, que se trata de pequenas quantidades, e que a conduta integra a previsão do art. 25.°, al. a), do DL 15/93, de 22-01.

Violaram-se as seguintes disposições: - Artigos 70º e 71º do CP; - Artigo 21º e 25º do DL 15/93 de 22/01.

Nestes termos e demais de direito, deverá o presente recurso obter provimento : - Declarando-se como não escritos os descritos nos pontos 1 a 12; - Qualificarem-se os factos nos termos do art. 25º do DL 15/93 de 22.1; - Reduzindo-se sempre a pena aplicada».

1.3. Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público que concluiu pela confirmação integral do acórdão recorrido (fls. 2289/90).

1.4.

Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 2300 e segs. em que defendeu (a) a «rejeição liminar» do recurso, em parte; (b) o seu não provimento, na parte restante: – rejeição, na parte em que o Recorrente pretende que o Supremo Tribunal de Justiça, contra o regime das disposições conjugadas dos arts. 434º e 432º, nº 1, alínea c), do CPP, «anule» matéria de facto julgada provada, tanto mais que, acrescenta, no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não surpreendeu qualquer dos vícios enumerados no nº 2 do artº 410º do mesmo Código; – não provimento, quanto à pretendida desqualificação dos factos e, consequentemente, quanto à desejada redução da medida da pena. Por um lado, porque, face aos factos julgados provados, «é desadequado… pretender que o crime cometido … é o previsto e punido pelo art. 25º do Dec-Lei nº 15/93». Por outro, porque a pena aplicada – de 5 anos e 6 meses de prisão – se mostra «adequada, … considerando as exigências prementes da prevenção geral…». De resto, prossegue, o Arguido já foi «condenado por um crime de tráfico de estupefacientes, e não obstante tal advertência não foi suficiente para alterar o seu comportamento…»; a culpa é grave, porque «actuou sempre com dolo directo e as circunstâncias atenuativas que militam a seu favor não relevam suficientemente para que se coloque em causa a justeza e adequação da pena de prisão aplicada». 1.5.

Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Recorrente reiterou (fls. 2307) que, «quanto à matéria de facto genérica e conclusiva», a questão que colocou é de direito, por estar em causa a violação dos seus direitos de defesa, designadamente o princípio do contraditório»; Quanto ao «enquadramento jurídico e pena», realça que o acórdão recorrido, «para aferir do correcto enquadramento jurídico e afastar o artigo 25º…valorou na vertente mais gravosa os factos de natureza genérica». E, «nem que seja pela via do afastamento dos factos genéricos, a pena … deve sempre ser reduzida…». 2.

É do seguinte teor a “Fundamentação de Facto“ do acórdão recorrido: «Factos Provados: 1 – Desde data não apurada, mas pelo menos desde o início de Novembro de 2012, e até 4 de Abril de 2013, o arguido AA dedicou-se à venda de produtos de natureza estupefaciente – cocaína – o que fez diariamente e a vários indivíduos que o procuraram para o efeito.

2 – Inicialmente o arguido AA vendia o referido produto estupefaciente todos os dias. A partir de Fevereiro de 2013 começou a ausentar-se uma vez por semana para Lisboa e mais tarde, a partir de Março, passou a permanecer a semana em Lisboa, onde tem familiares, a fim de obter um contrato de trabalho, para legalizar a sua permanência em Portugal.

3 – O arguido passou desde então a ter duas residências, uma em Lisboa e outra no Algarve, esta última localizada numa zona isolada, em ..., Faro.

4 – A partir desse momento, o arguido permanecia aos fins-de-semana na sua residência de ..., procedendo à venda de cocaína aos vários indivíduos que o contactavam para o efeito, ou a quem o arguido contactava.

5 – Para esse efeito, o arguido deslocava-se habitualmente no veículo ligeiro de mercadorias, marca “Seat”, modelo “Ibiza”, de cor preta, com a matrícula ...-JE.

6 – Para vender cocaína, o arguido utilizava o seu telemóvel, com o n.º ..., sendo conhecido por “Toni” ou “Olhos Verdes”.

7 – Todavia o arguido já tinha utilizado os seguintes n.ºs de telemóvel: ...; ....; ....

8 – Durante as conversações entre o arguido e os vários indivíduos, com quem negociava para vender cocaína, os intervenientes referiam-se em regra ao produto estupefaciente, reportando-se às quantidades e aos valores pretendidos, utilizando designadamente os seguintes termos/expressões: «quatro pacotes»; «Queria dois»; «Se calhar vou comprar três»; «Estou com uma amiga, a moça quer cem»; «Uma de Cinquenta»; «Vou comprar três»; «Posso ir aí às flores?».

9 – Era também habitual negociarem as quantidades, em função da qualidade, designadamente: «uma de cinquenta, boa»; «Olha boa, a outra era um bocado fraca»; «É duas de cinquenta, mas traz isso bom»; «Duas de quarenta boas».

10 – O arguido recusava-se a vender quando a quantidade solicitada era inferior a € 20,00.

11 – O arguido dedicava-se à venda do referido produto na zona de ..., ..., ...., .... e ....

12 – As vendas eram efectuadas em contactos rápidos, realizados muitas vezes através da janela do veículo do arguido.

13 – Na sequência dos referidos contactos telefónicos, o arguido negociou/entregou a vários indivíduos panfletos, contendo cocaína, designadamente a BB; CC; DD; EE; FF e GG, tendo pontos de venda acordados com cada um deles em zonas isoladas, sendo os contactos desenvolvidos quase sempre através da janela do veículo e de forma muito rápida.

14 – GG comprou cocaína ao arguido durante 4/5 meses antes da detenção do arguido.

15 – Para o efeito, contactou o arguido através do seu número de telemóvel ..., para o número do arguido ..., e, como residia em ..., deslocou-se, nessas ocasiões, à zona de ..., de carro, acompanhada por vezes pelo seu companheiro HH.

16 – Pelo menos no mesmo período de tempo, DD comprou cocaína ao arguido em número de vezes não determinado mas superior a três. Em regra adquiria meia grama por € 20,00.

17 – Para o efeito, estabeleceu contacto telefónico do seu número 916878667, para o número do arguido ....

18 – Desde data não determinada de Novembro de 2012, EE comprou cocaína ao arguido, em número não determinado de vezes, o que fez para o seu filho, que consumia o referido produto há vários anos.

19 – Até Março de 2013, EE comprou cocaína três vezes por semana, pagando entre € 30,00 a € 50,00 de cada vez, consoante a quantidade adquirida.

20 – A partir de Março de 2013, como o arguido passava a semana em Lisboa, EE comprou cocaína ao arguido aos fins-de-semana, uma só vez por fim-de-semana, em quantidade correspondente a € 140,00/150,00 cada...

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