Acórdão nº 144/11.3TRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução18 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Em processo de instrução que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa sob o n.º 144/11.3TRPRT, no qual figuram como arguidos AA, juíza ..., e BB, advogado, e como assistente CC, juiz ..., após debate instrutório foi proferida decisão de não pronúncia da arguida, com a fundamentação seguinte[1]: «O Tribunal é competente.

Inexistem excepções ou quaisquer outras nulidades, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.

* De acordo com o disposto no art. 286°, nº1, do Cód. Proc. Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão final proferida em sede de inquérito (acusação ou arquivamento do inquérito), em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

Pretende-se, nesta fase processual, a realização de uma apreciação rigorosa sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (art° 308°/1 do Cód. de Proc. Penal). Quando se conclua pela suficiência dos indícios recolhidos será proferido despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

O despacho de não pronúncia poderá assentar na insuficiência de indícios mas também na circunstância de não serem criminalmente puníveis os factos indiciados, podendo ainda resultar de motivos de ordem processual (vg. a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual).

Por sua vez, o despacho de pronúncia terá como fundamento a ausência de vícios processuais que se mostrem capazes de abalar a estrutura probatória recolhida, bem como a suficiência dos indícios (causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação) coligidos no processo.

Será suficiente que os indícios existentes permitam fundar, com razoabilidade, uma convicção sobre a prática, por determinado arguido, de um crime concreto, sem que se mostre exigível a demonstração da realidade dos factos, alcançável apenas em sede de julgamento. Contudo, uma vez que a simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que aí seja absolvido, não é um acto neutro, vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência que só deverá ser proferido despacho de pronúncia quando, perante os elementos de prova existentes no processo, seja possível formar uma convicção (assente nos indícios de facto e não em meras considerações jurídicas) no sentido da probabilidade do arguido vir a ser condenado em sede de julgamento ser mais forte do que a probabilidade de ali vir a ser absolvido.

Este o genérico enquadramento jurídico da apreciação a realizar Posto isto, vejamos, em primeiro lugar, se os elementos constantes dos autos revestem natureza indiciária suficiente para justificar ou não a submissão da arguida a julgamento pela prática de um crime de denuncia caluniosa, p. e p. pelo art.365º, nº1, do Código Penal, em concurso efectivo, com um crime de difamação agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.180º, nº1, 183º, n.º 1, al. b), e 184.º, por referência ao art.132º, n.º2, al., todos do Código Penal que lhe são imputados na acusação do Ministério Público.

Compulsando os autos verifica-se que os mesmos contem indícios suficientes dos seguintes factos: 1. A arguida AA, era, na data dos factos, juiz ... a exercer funções, como juiz ..., no Circulo judicial de ....

  1. Na sessão permanente do Conselho Superior de Magistratura de 16.NOV.2010 foi deliberado instaurar processo disciplinar contra a arguida AA por, "face ao teor de informação elaborada pelo Ex°. Inspetor judicial Dr. DD poder configurar o prática de infração disciplinar” 3. Tal processo disciplinar veio a tomar o n° ....

  2. Por despacho do Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 12.JAN.2011, foi designado para realizar a instrução do processo disciplinar o ora assistente CC, juiz ... então comissão de serviço como Inspector judicial [doc fIs. 26] 5. No dia 30 de Março de 2011, foi remetido ao aludido processo disciplinar nº 333/2010, um requerimento de incidente de Suspeição contra o ora assistente CC, instrutor do aludido processo disciplinar, cuja cópia certificada se encontra Junta de fls. 113 a 136 dos autos.

  3. Tal requerimento encontra-se assinado pelo arguido BB, na qualidade de mandatário judicial da arguida 7. Tal requerimento encontra-se endereçado ao "Ex° Sr. Vice-Presidente do CSM, aos Ex°s Vogais do CSM e ao Ex° Sr. Senhor Instrutor".

  4. O aludido Requerimento de Incidente de Suspeição foi enviado, via e-mail para a caixa de correio eletrónico do secretário de inspecção, encontrando-se este e o ora assistente, momentaneamente, em missão de serviço nos ..., tendo ali o assistente tomado conhecimento do teor do citado requerimento.

  5. O processo disciplinar n° 333/2010 encontrava-se depositado no Tribunal de Trabalho de ... .[fls. 230] 10.O requerimento de Incidente de Suspeição foi ainda enviado, e recepcionado no Conselho Superior de Magistratura.

  6. No aludido Requerimento consta ente o mais as seguintes afirmações: Sob a epígrafe: “A) DA AUSÊNCIA DE GARANTIAS DE INTEGRIDADE E AUTENTICIDADE DOS AUTOS E DOS INDÍCIOS DE MANIPULACAO DOS TERMOS E ACTOS PROCESSUAIS: (…) "Ora, compulsado o teor da certidão que lhe foi remetida pelo Exmo. Instrutor constata a arguida que a numeração aposta nas folhas 78 e 79 da mesma certidão, extraída dos autos supra mencionados, se mostra rasurada, sem que hajam sido feitas as correspondentes ressalvas; "(...) a arguida tem vindo a ser notificada de variadas peças processuais, cujas folhas, em alguns casos, não se mostram numeradas nem rubricadas e, noutros casos, estando rubricadas, não se mostram numeradas (cfr.

    Doc.s 1 e 2) "Tal procedimento parece indiciar que a notificação ocorre antes da respectiva autuação de tais peças processuais.

    "Ante este procedimento irregular, é legitimo concluir que os autos nao oferecem as necessárias garantias de autenticidade e integridade.

    "Aliás, segundo se indicia, essas rasuras terão sido efectuadas com vista a permitir ao Exmo Instrutor introduzir nos autos uma diligência instrutória de inquirição do Exmo.

    Participante" [Inspetor judicial Dr. DD], "efectuada via telefone, que os autos documentam a fls. 80, bem como o despacho exarado a fls. 75, com o conteúdo que agora os autos ostentam.

    ( …) "Basta compulsar o teor da acusação que foi anulada para constatar que em momento algum se faz alusão a qualquer diligência de prova que haja sido levada a efeito em fase de instrução, designadamente, ao putativo depoimento do participante, efectuado "via telefone" ou outro.

    "Em momento algum daquele libelo acusatório se refere que a arguida não foi ouvida por nada ter requerido no decurso do prazo de 5 dias que alegadamente lhe fora fixado. Nada se diz porque no versão originária do processo não existia qualquer despacho a fixar o prazo de 5 dias para a arguida se pronunciar, nem constava qualquer diligência de inquirição do participante, ainda que efectuada via telefone".

    (…) "Atente-se, aliás, na incoerência que dos autos avulta: no despacho que agora consta de fls, 75, vertido em termo de conclusão datado de 24/01/2010, determina-se a notificação da arguida de que, "nesta data" - ou seja, na data do despacho 26/01/2010 -, se vai dar início à instrução do processo. Facto é que do ofício n° 18, notificado à arguida (em folha não numerada nem rubricada), consta que a instrução terá início no dia 27/01/2011.

    "Quer dizer, segundo se indicia, nem existia nos autos um despacho com o conteúdo que agora consta de fls. 75, nem existia o despacho de fls, 80, em que se consigna a inquirição pelo telefone do Exmo Participante. [Inspetor judicial DD] "Sucede que, ao ter sido alertado para o normativo acima referido, o Exmo Instrutor ter-se-á apercebido da irregularidade processual cometida, irregularidade essa que nao se coibiu de "apagar" dos autos, imprimindo nova folha da despacho de fls. 75, com o conteúdo que os autos agora ostentam, e ficcionando a realizaçdo de uma diligência telefónica que não terá sido realizada, pelo menos antes da prolação do primeiro despacho de acusação.

    "Note-se ainda que, para alcançar a sequência que os autos agora ostentam, bastaria ao Exmo. Instrutor rasurar, como rasurou, as fls. 78 e 79, que constituem ofícios remetidos ao CSM e à arguida, os quais, apesar de terem sido notificados aos destinatários antes da sua autuação, terão sido autuados pelo menos aquando do notificação à arguida da primeira acusação, já que esta foi notificada depois de devidamente autuada, com as folhas devidamente numeradas e rubricadas, o que supõe autuação daqueles ofícios que lógica e cronologicamente a precedem.

    "Como facilmente se compreenderá, só houve necessidade de rasurar a numeraçao originariamente aposta naqueles ofícios, pois que, tudo o mais que precedia aquela primeira acusação, diz respeito a termos do processo que, pela sua natureza, pode ser objecto de manipulação, sem deixar rasto no processo.

    "Note-se ainda que a ordem pela qual os actos se mostram autuados no processo, no segmento processual agora em crise, não obedece a uma sequência lógica e cronológica (v.g. não faz sentido que a "juntada" datada de 24/01/2011, que constitui fls. 76, se mostre autuada após o despacho prolatado com data de 26/01/2011- embora por lapso conste 2010.

    "Em suma, a "imundice processual" que os autos documentam, consubstanciada na conveniente forma de notificação de "peças processuais" que ainda não se mostram autuadas, de molde a impedir qualquer controle externo sobre a autenticidade dos autos - procedimento que naturalmente facilita a sua manipulação e adulteração -, além de evidenciar a violação grave de um elementar dever de zelo, revela a falta de lisura processual, a total ausência de lealdade e a falta de imparcialidade que têm caracterizado a actuação processual do Exmo. Instrutor agora recusado.

  7. 1. Sob a...

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