Acórdão nº 1930/05.9TTPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelFERNANDES DA SILVA
Data da Resolução29 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I.

  1. AA, com os sinais dos Autos, intentou no Tribunal do Trabalho do Porto, em 17.11.2005, acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a sociedade «BB, S.A.», pedindo, a final, a condenação desta no pagamento das importâncias discriminadas, relativas, além do mais, a indemnização por antiguidade, indemnização por danos não patrimoniais, férias e subsídio de férias, com juros de mora vencidos e vincendos.

    Alegou para o efeito, em síntese útil, que, tendo sido admitido ao serviço pela antecessora da Ré, em Fevereiro de 1990, e havendo ascendido a director de restaurante três anos antes da propositura da acção, passou a ser ostracizado e vexado quando regressou ao serviço após um período de ausência por doença grave, com baixa médica.

    Foi-lhe comunicada a transferência para outro restaurante, o que implicava folgas rotativas, horário de trabalho incerto e longa distância da sua residência, sem quaisquer subsídios para transporte, nem pagamento de horas extraordinárias, folgas, dias feriados e fins-de-semana.

    Foi neste contexto que o A. resolveu o contrato, assistindo-lhe justa causa.

    A Ré contestou, aduzindo, em resumo, não ter praticado as violações que o A. lhe imputou, sendo que a transferência, que se deu em virtude do encerramento do estabelecimento, por motivo que não lhe é imputável, se enquadra na mobilidade geográfica, não tendo o A. sofrido prejuízo sério.

    Pediu, por sua vez, em reconvenção, a condenação do A. no pagamento da importância (€ 1.461,47) correspondente à falta de aviso prévio.

    O A. respondeu.

    Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se finalmente sentença que julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção, com a consequente absolvição da R. dos pedidos contra si deduzidos e com reconhecimento do …direito à compensação dos créditos salariais devidos pela R. ao A. com o valor da indemnização devida pelo A. à Ré pela falta de aviso prévio, compensação essa já operada pela Ré.

  2. Irresignado, o A. apelou da decisão para o Tribunal da Relação do Porto, recurso a que se concedeu parcial provimento, conforme Acórdão prolatado com data de 9.12.2013, a fls. 692-712, cujo dispositivo é do seguinte teor: «Nos termos supra expostos acordam conceder provimento parcial ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, a qual substituem pelo presente acórdão que, julgando a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, e julgando a reconvenção improcedente, condena a Ré a pagar ao A. a quantia global de € 25.378,42 (…), acrescida de juros de mora à taxa legal desde 15.4.2005 e até integral pagamento».

    É a Ré que, inconformada, nos traz ora a presente Revista, cuja motivação remata com o alinhamento das seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que, revogando parcialmente a sentença proferida em 1.ª instância no Tribunal do Trabalho do Porto, julgou a acção parcialmente procedente, julgando improcedente a reconvenção deduzida, e condena a aqui Recorrente a pagar ao Autor a quantia global de € 25.378,42, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 15/04/2005 até integral pagamento, por entender que ao trabalhador assistia justa causa para promover a rescisão unilateral do contrato de trabalho que o ligava à Recorrente.

  3. À data destes factos, encontrava-se em vigor o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, sendo apenas as normas deste diploma que importa reter para subsumir correctamente os factos ao direito aplicável.

  4. Os factos provados são os constantes de fls. dos autos.

  5. Estabelece o art. 441.º do CT de 2003 que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, ocorrendo justa causa, elencando o n.º 2 desse artigo alguns dos comportamentos que podem constituir a aludida justa causa para o efeito.

  6. É jurisprudência pacífica, no que a esta matéria diz respeito, que “O trabalhador pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.

    ” (Ac. da Relação de Lisboa no Proc. n.º 178/09.8TTALM.L1-4).

  7. E ainda que “Para que exista justa causa, é necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo esta ser apreciada pelo Tribunal atendendo ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.” (Ac. do S.T.J. de 21-10-2009, proferido no âmbito do Recurso n.º 1996/05.1TTLSB.S1-4.ª Secção), entre outros.

  8. Para que se possa falar de justa causa e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 443.º daquele diploma legal, é pressuposto que aquele faça prova dos factos constitutivos do direito alegado, da culpa da empregadora, da impossibilidade de manutenção da relação de trabalho em face do(s) comportamento(s) daquela, ou seja, da inexigibilidade para o trabalhador da manutenção do vínculo laboral em face dos factos e da culpa, se todos forem apurados.

  9. Devendo atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes… 9. A verificação de justa causa prevista no art. 443.º do CT pressupõe a verificação do facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 441.º do CT, do nexo de imputação desse comportamento, por acção ou omissão, à culpa exclusiva da entidade patronal, e do nexo causal entre o comportamento e a impossibilidade de manutenção da relação laboral, ou seja, que o comportamento da entidade patronal produza uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras da boa-fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.” 10. A prova da verificação de tais elementos e comportamentos incumbe ao trabalhador, aqui Recorrido, a qual, à luz dos factos provados, este não logrou fazer.

  10. Desde logo, a necessidade de mudança de local de trabalho do Recorrido foi imposta pelo encerramento definitivo do estabelecimento onde até então prestava trabalho, denominado ‘...’, instalado no centro comercial Continente de ..., motivado por caducidade, em 28 de Fevereiro de 2008, do respectivo contrato de utilização de loja em centro comercial, celebrado pela Recorrente em 29 de Maio de 1989 – ponto 8. dos factos provados.

  11. Tal situação motivou a necessidade de colocar todos os trabalhadores daquele estabelecimento, incluindo o Recorrido, em outros estabelecimentos cuja exploração a Recorrente detinha – ponto 9. dos factos provados.

  12. Aliás, no que à transferência diz respeito, não está alegado nem provado qualquer prejuízo sério, sendo certo que a transferência definitiva apenas impõe o pagamento das despesas directamente impostas pela mesma, devendo o empregador “custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo de custos de deslocação e resultantes da mudança de residência”- art. 315.º, n.º 5, do CT.

  13. A referência à inexistência de subsídio de transporte, que consta de 12. dos factos provados, mais não revela do que o entendimento de que, com a transferência e passando esse a ser em definitivo o novo local de trabalho, o mesmo não teria aplicação.

  14. O mesmo se diga quanto à referência ao trabalho em turnos rotativos (12. dos factos provados), que mais não foi do que informar o Recorrido do regime em que o trabalho seria prestado no novo estabelecimento… 16. E ainda ao não pagamento de horas extraordinárias ou trabalho suplementar (12. dos factos provados), atento o facto de o Recorrido ter isenção de horário de trabalho (2. dos factos provados), ser director de restaurante e ir estagiar para chefe de direcção, sendo aqui aplicável o disposto nos artigos 178.º e n.º 2 do artigo 176.º do CT de 2003.

  15. Na verdade, e ainda como resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2012, proferido no âmbito do Processo n.º 407/08.5TTMTS.P1.S1 “ao trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, não é devido o pagamento de trabalho suplementar em dia normal de trabalho, conforme resulta dos artigos 17.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, e 197.º, n.º 4, alínea a), do Código do Trabalho de 2003, mesmo que ultrapasse os limites legais diários ou anuais estabelecidos nos artigos 5.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, e 200.º, n.º 1, alíneas a) a c), do Código do Trabalho de 2003, após a entrada em vigor deste diploma”.

  16. No regime de turnos rotativos, e na restauração rápida em particular, os sábados, domingos ou feriados constituem dias normais de trabalho.

  17. Cumpre referir ainda que o Recorrido não alegou, e não demonstrou, ter interpelado a Recorrente para conhecer os contornos objectivos da transferência, no que a um eventual acréscimo de despesas dizia respeito, e se esta o compensaria desse facto, caso existissem, para assim avaliar em concreto, e documentalmente munido, das condições da transferência projectada, sendo certo que não existe prova de que a Recorrente se tenha recusado a suportar as mesmas.

  18. Também nenhuma prova existe nos autos de que tal transferência fora motivada por propósitos mesquinhos por parte da Recorrente no sentido de perseguir, vexar ou desprestigiar o Recorrido; bem pelo contrário, como se deixou alegado, a transferência era sustentada no facto objectivo do encerramento do estabelecimento onde...

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