Acórdão nº 273/07.8PCGDM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014

Data20 Março 2014
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão que, em sede de cúmulo jurídico, o condenou na pena de quatorze anos de prisão.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1. O presente recurso vai interposto do acórdão proferido a fls. 2286 e ss. dos autos, em 16 de Junho de 2014, e tem por objecto a matéria de Direito atinente à determinação da medida da pena aplicada ao Arguido recorrente em sede de cúmulo jurídico, que se revela excessiva, pouco criteriosa e desequilibradamente doseada.

  1. A condenação do Arguido numa pena única decorre do disposto, conjugadamente, nos artigos 77º e 78º, ambos do Código Penal.

  2. Nos termos do artigo 77º, n.os 1 e 2 do C.P., para determinação da pena única a aplicar ao Arguido, deverá atender-se, conjuntamente, aos factos e à personalidade do mesmo, sendo que os limites da pena aplicável têm como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos.

  3. A soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em cúmulo perfaz 119 anos e 1 mês de prisão e não 131 anos e 1 mês de prisão.

  4. Os factores que o Tribunal a quo decidiu ponderar, em concatenação, para determinar a medida da pena a aplicar pareceram concentrar-se nos pontos mais desfavoráveis ao Arguido, esquecendo alguns outros aspectos que militam claramente a favor do mesmo.

  5. O Arguido agiu durante um período que pouco ultrapassa os 2 anos, pelo que, de forma alguma se pode considerar que actuou durante um longo período de tempo.

  6. Todo o percurso criminógeno do Recorrente aqui em análise decorreu num contexto de toxicodependência.

  7. O relatório social dos autos de Outubro de 2013 afirma que “O processo de socialização de AA apresenta-se marcado pelo desenvolvimento de uma grave problemática de toxicodependência que terá estado na base da instabilidade e disfuncionalidade que evidenciou ao longo da sua vida durante a idade adulta, (…) Durante as fases críticas apresentou condutas socialmente desviantes e ilícitas que motivaram o cumprimento de uma pena de prisão efectiva.”.

  8. No mesmo relatório, menciona-se ainda a toxicodependência como “principal factor causal das suas condutas criminais passadas.”.

  9. Assim, todo o percurso criminógeno do Recorrente aqui em análise decorreu num contexto de consumo de estupefacientes, sendo que o rol de antecedentes criminais do Arguido e a ideia de obter dinheiro fácil não se devem a ganância por parte do mesmo, mas sim à necessidade que tinha, naquela época, de sustentar o seu vício.

  10. O Arguido não tem uma personalidade atreita à criminalidade, sendo que apenas entrou por esse caminho no contexto específico da toxicodependência, que já eliminou da sua vida.

  11. Mesmo que nem todos os proventos obtidos pelo Arguido tenham sido canalizados para o consumo de estupefacientes, há que ter em conta que um toxicodependente vive para o vício e orienta toda a sua existência para o sustentar, daí que seja fácil perceber que, se nem todos os proventos foram canalizados para a compra de estupefacientes, seguramente na sua grande maioria tê-lo-ão sido.

  12. Da situação de toxicodependência vivida pelo Arguido resulta também que o mesmo não teria capacidade física nem psicológica para desenvolver qualquer actividade laboral enquanto tinha o seu vício na máxima força, pelo que por aí também se entenderá por que motivo alguns poucos proventos possam ter sido orientados para outros consumos que não o estupefaciente.

  13. Não é justo julgar o Arguido no presente apenas à luz dos erros que cometeu no passado, no âmbito de outros processos, que decorreram (alguns) há três décadas atrás.

  14. No que concerne à prevenção especial, há que ter em conta que o Arguido desempenha actualmente, no estabelecimento prisional onde se encontra, actividade laboral de carácter regular, sendo de frisar também o seu investimento na melhoria das condições de empregabilidade para o futuro, através do aumento das habilitações académicas e qualificações profissionais, uma vez que concluiu o 12.º ano de escolaridade e se candidatou à frequência de um curso superior (o que não logrou na altura, mas que pretende renovar agora) e que deseja, voltando a meio livre, retomar a sua profissão de técnico de informática.

  15. É de considerar também que o Arguido se tem mantido abstémio dos consumos de droga, que evidencia uma percepção adequada à realidade da sua problemática de vida, mostrando vontade da mudança e aderindo já aos apoios dos familiares e que apresenta uma atitude de autocrítica face às suas condutas que motivaram a presente situação jurídico-penal.

  16. Todo este processo de reeducação que o Arguido impôs a si próprio certamente o tornou menos permeável a influências, contextos ou oportunidades criminais.

  17. O Recorrente acabou com o seu factor de risco – a toxicodependência – , o que significa que já não se perpetuam os riscos e as fragilidades que anteriormente o impediram de conseguir o controlo da sua vida e a sua estruturação enquanto ser humano.

  18. O Recorrente está abstinente do consumo de estupefacientes desde que se encontra em reclusão prisional, o que significa que tal abstinência dura há mais de 4 anos e meio, pelo que é já um longo e consolidado processo em curso, não deixando antever próxima recidiva.

  19. No que diz respeito à ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva), há que atentar que o Recorrente, uma vez em liberdade, poderá contar com apoio familiar do seu irmão, que reside em Portugal e tem vida estruturada, bem como da sua meia-irmã (também a residir no nosso País), sendo que o Arguido aparenta capacidade para avaliar as situações sociais em que se envolve e aptidões para conseguir atingir os objetivos a que se propõe caso se encontre em contexto socialmente estruturado.

  20. O Arguido poderá, igualmente, contar com as novas competências académicas e profissionais que tem vindo a adquirir para estruturar devidamente a sua vida em sociedade.

  21. As perspectivas de ressocialização do Condenado são, assim, muito positivas e assentam em factores que indiciam que a mesma se dará com sucesso e sem percalços.

  22. Ao demonstrar arrependimento, o Arguido revela sentido autocrítico e a assunção de responsabilidades pelos seus actos, o que demonstra que é, hoje em dia, um homem diferente.

  23. Como aponta o relatório social elaborado em Outubro de 2013, na sua Conclusão: “(…) trata-se de um indivíduo que, apesar das adversidades que vivenciou, mostra competências pessoais e sociais funcionais capazes de efectuar mudanças.”.

  24. A autocrítica e a evolução psicossocial positiva acima referidas são provas de que as exigências de prevenção especial em relação a este caso concreto não são tão altas que justifiquem uma pena única de prisão tão elevada, sendo que uma pena de prisão em menor grau será certamente suficiente para que o Arguido assimile a advertência que a condenação que sofreu implica.

  25. O acórdão recorrido assume a existência de vários factores que representam “mais-valias” para uma bem-sucedida reinserção social do Condenado quando afirma que “A maturidade que actualmente apresenta, por certo também, associada à sua idade (fará 57 anos no próximo mês de julho), e também representada pela forma crítica como avalia os seus comportamentos anteriores, concomitantemente com a motivação que apresenta para alterar esse seu censurável percurso, resolver de vez a sua problemática aditiva e voltar a inserir-se familiar, social e profissionalmente, para o que conta com apoio de familiares e relevantes aptidões profissionais, assumem-se como mais-valias para que futuramente, quando se encontre em liberdade, possa lograr atingir esse desiderato da sua reinserção social, abstendo-se da prática de novas condutas delituosas.” 27. Não se desconhecem as exigências de prevenção geral subjacentes ao tipo de ilícitos aqui em discussão, mas é notório que resulta claramente excessiva uma pena de prisão de 14 anos para que a prevenção geral adequada a este caso concreto opere na comunidade.

  26. Apesar da gravidade social dos crimes cometidos pelo Recorrente, o mesmo cometeu apenas crimes contra o património e não contra as pessoas, não tendo os mesmos gerado um alarme social acima da média.

  27. Uma pena de prisão em medida inferior à que foi aplicada será certamente suficiente para preencher os requisitos de prevenção geral necessários ao caso concreto dos autos.

  28. Uma pena de prisão demasiado longa não será certamente benéfica para a necessária ressocialização do Condenado.

  29. Manter a inserção do Arguido no sistema prisional por um período superior a 12 anos é manifestamente excessivo e desproporcional, dados os efeitos terrivelmente adversos que tal acarreta para o Condenado.

  30. O Tribunal a quo não esteve bem na sua decisão, na medida em que podia e devia ter optado por uma pena de prisão de menor duração.

  31. O Tribunal a quo deveria ter norteado a sua decisão à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação face aos factos e à personalidade do agente, o que manifestamente não fez, com isso violando as normas ínsitas no n.º 1 do artigo 77º do Código Penal, bem como no n.º 1 do artigo 40º do mesmo Código, 34. Na medida em que interpretou essas normas de forma errada, ao aplicar uma pena de prisão ao Arguido em medida demasiado elevada, e, por conseguinte, desadequada em relação aos factos e à personalidade do agente em presença, bem como não acautelando devidamente a reintegração do agente na sociedade.

  32. As normas acima referidas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas de forma diferente, aplicando-se uma pena que não ultrapassasse a medida da gravidade dos factos e adequada à personalidade do agente, bem como às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.

  33. Na determinação da medida da pena, deveria o Tribunal a quo ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT