Acórdão nº 23/12.7TBESP.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2014
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 04 de Dezembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA propôs contra BB, S.A., uma acção na qual pediu a sua condenação no pagamento de € 59.768,18, como indemnização por danos patrimoniais (€ 57.768,18) e não patrimoniais (€ 2.000,00), com juros de mora, contados à taxa legal, até integral pagamento. Pediu ainda que fossem declaradas consideradas nulas “as cláusulas de exclusão invocadas pela Ré (…) por violação do artigo 5º e nos termos do artº 8º, nº 1, al. a), ambos do Dec. Lei nº 446/85, de 25.10”.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado com a ré um contrato de seguro, relativo ao recheio da fracção autónoma de que é proprietário e onde reside, identificada nos autos; ter ocorrido um sinistro no interior do imóvel, no dia 30 de Maio 2011, traduzido na queda do revestimento de vidro do tecto da sala, que provocou vários danos; que, comunicado o acidente à ré, esta “não assumiu, pelo menos na totalidade das coberturas contratadas, a responsabilidade que lhe cabia no ressarcimento dos danos”; que o seguro “não se esgota[va] na quebra de vidros ou espelhos”, mas antes obrigada “também a ré a suportar os danos causados por bens seguros, conforme se alcança pela análise das coberturas constantes do documento nº 1, junto com o presente articulado”; que a ré é responsável “pelo ressarcimento dos danos resultantes na habitação do autor, os quais se encontram integralmente cobertos pelo seguro contratado com a Ré”; que desconhecia a exclusão invocada pela ré; que não foi cumprido o dever de informação da cláusula correspondente.
A ré contestou, impugnando diversos factos e alegando, em resumo, que apenas está revestida a vidro “uma sanca junto à porta e janela” da sala, que os danos efectivamente sofridos têm uma extensão muito menor do que o autor afirma, resultando do relatório da peritagem que a respectiva reparação “tem um custo de € 24.110,50”, que o contrato de seguro não os cobre na totalidade, “como resulta das coberturas e exclusões constantes das Condições Gerais e Especiais da Apólice, concretamente (d)o ponto 2, alínea a), da garantia «quebra acidental de vidros, espelhos e pedras ornamentais»”, que “foi cumprido, na íntegra, pelo gerente do balcão do BB de Esmoriz, o artº 5º do DL 446/85, de 25/10”; que a queda do vidro não resultou de intervenção de ninguém; que não tem fundamento o pedido de indemnização por danos não patrimoniais; que, tendo pago € 1.430,00 ao autor, “pelo dano da queda e quebra do espelho (…), nada mais tem que indemnizar”, “atendendo ao limite contratualmente fixado de € 1.500,00, com dedução obrigatória de uma franquia de € 70,00”.
A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 199, que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 56.338,15 (€ 57.768,15 - € 1.430,00, já pagos) e negou que houvesse que indemnizar por danos não patrimoniais.
O tribunal entendeu que o sinistro ocorrido estava “garantido contratualmente pela cobertura de quebra acidental de vidros”; que a ré “não logrou fazer prova da negociação individualizada com o autor das cláusulas, insertas no contrato, de que se pretende prevalecer. Seja do ponto 2, als. a) e d) das Condições Especiais, seja mesmo da cláusula de limite de valor e franquia de cobertura de Quebra de vidros e espelhos”; também não provou ter cumprido os deveres de comunicação ou de informação resultantes do artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85; que portanto as referidas cláusulas 2, a) e d) e a cláusula particular relativa à limitação de valor da cobertura e à franquia “não se podem considerar incluídas no contrato vigente entre as partes”.
Mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de fls. 258, que absolveu a ré do pedido, nestes termos: «A questão que então se coloca é a de saber que danos cobre a previsão contratual das partes no contrato celebrado.
(…) Na página dois do documento de fls. 28 a 30 (condições particulares do contrato), consta o quadro das coberturas da apólice, franquias e limites de indemnização aplicáveis a cada cobertura.
Nesse quadro, na coluna com os dizeres “Limite de Indemnização” consta uma (sub) coluna com os dizeres “Outros”, onde está inscrito o valor de € 1.500,00 na linha da cobertura de “Quebra de Vidros, Antena e Painel Solar”.
Perante este quadro, constante das condições particulares do contrato, não nos parece que tenha que se recorrer sequer às cláusulas contratuais gerais (ponto 2) das quais consta a exclusão dos danos no caso do acidente consistir na quebra de vidros (que mais não são do que uma redundância do que se encontra coberto nas condições particulares).
(…) Trata-se, sem dúvida, de cláusulas contratualmente negociadas entre as partes, cujos montantes a pagar pela seguradora em caso de acidente determinaram o valor do prémio, da responsabilidade do segurado.
(…) Como o A., após receber as condições da apólice, não assinalou qualquer desconformidade entre o acordado e o conteúdo da apólice, ocorreu a consolidação do contrato, prevista no artº 35º da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008, de 16/04).
Nenhuma dúvida se suscita quanto ao sentido da declaração emitida pelas partes: elas quiseram incluir na cobertura do seguro a quebra de vidros, estipulando para tal um montante máximo de indemnização em caso de sinistro, de € 1.500,00 (com a franquia de € 70,00).
(…) Acresce que os danos ocorridos não se enquadram em qualquer outra cobertura das constantes no aludido quadro, além da quebra de vidros, facto que resulta inequivocamente do documento nº 2 junto com a petição.
Conclui-se do exposto que a responsabilidade da R. pelos danos resultantes do acidente dos autos não pode ser superior a 1.500,00 (a que ainda há que subtrair o valor de € 70,00 da franquia prevista) valor esse já pago ao A..» 2. O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões: A. O douto acórdão recorrido parte de um erro inicial que vicia todo o raciocínio posteriormente expendido, erro esse que se consubstancia desde logo pela aplicação indevida ao caso concreto do art.º 35.° do DL 72/2008, de 16 de Abril que não é aplicável, uma vez que o contrato de seguro em discussão nos autos reporta-se a 30/04/2006.
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Decidiu o Tribunal da Relação do Porto que o contrato de seguro em discussão nos autos é regulado pelo Decreto - Lei 72/2008, de 16 de Abril e que nos termos do art.º 35.° deste diploma legal, o tomador (aqui autor) tinha 30 dias para invocar as desconformidades entre o acordado e a apólice, como não o fez, ocorreu a consolidação prevista no citado art.º 35.°, e assim ao sinistro em causa terão de se aplicar as cláusulas que a ré invoca para não assumir a responsabilidade para reparação dos danos.
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É posição do autor que o Tribunal da Relação do Porto aplicou erradamente o direito ao caso concreto, uma vez que, e conforme foi considerado provado (artº. 1.° dos factos provados), o seguro contratado produziu efeitos a partir de 30/4/2006.
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O contrato que aqui se discute foi celebrado antes da entrada em vigor do novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008 de 16/4.
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Decorre expressamente deste diploma legal, nos seus art.ºs 2.° e 3.°, n.º 1, que o invocado art.º 35.° da nova lei não lhe é aplicável, ao contrário do alegado pela ré unicamente em sede de alegações de recurso, tese que foi sufragada pelo Tribunal da Relação do Porto e quanto a nós mal.
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Tais art.ºs 2.° e 3.°, n." 1 são claros ao determinarem expressamente que se afasta a aplicação do art.º 35.° aos seguros celebrados em data anterior à entrada em vigor deste diploma legal.
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A ré não efectuou a comunicação exigida pelo nº 2 do art.º 3.° do aludido diploma legal e até por esta via o citado decreto-lei não se aplica ao contrato em discussão dos autos.
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Pelo que, mal andou o Tribunal da Relação do Porto ao absolver a ré aplicando ao caso concreto o aludido art.º 35.°, quando o Decreto - Lei 72/2008, de 16 de Abril expressamente afasta a sua aplicação ao contrato de seguro que aqui se discute.
I. No douto acórdão de que se recorre, é ainda referido que o autor em momento algum alegou que não tenha tomado conhecimento das condições particulares do contrato anexas à mesma ou que elas não tenham sido objecto de negociação entre as partes, o que não corresponde à verdade.
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Ora, os art.ºs 43.° a 87.° da petição inicial versam precisamente sobre o desconhecimento que o autor tinha das cláusulas que a ré invocou para se eximir a assumir a responsabilidade pela...
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