Acórdão nº 35/13.3PASNT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução18 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo comum, com intervenção do tribunal do júri, n.º 35/13.3PASNT, da ... secção, juiz ..., do Juízo de ..., por acórdão de 13/03/2014, foi o arguido AA, agente da ..., ..., natural de ..., de nacionalidade ..., nascido em ..., ..., no mais devidamente identificado nos autos, no que, agora, releva considerar, condenado: 1.1.

Quanto à acção penal, pela prática de um crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.

os 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 12 (doze) anos de prisão; 1.2.

Quanto aos pedidos cíveis: – a pagar ao demandante BB, representado por sua mãe CC, a quantia de € 30.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, decorrentes do dano morte de DD, seu pai; – a pagar ao mesmo demandante BB a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos com a morte do pai; – a pagar à demandante EE a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos com a morte de DD, seu filho.

2.

Inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões: «a) Dos pontos da matéria de facto dada como provada, que se aceita, resulta para o que ora interessa que o arguido se reformou da ... por invalidez tendo vindo a ser acompanhado a nível psiquiátrico de forma regular, que foi alvo de um assalto em 2010 o que agravou a sua desconfiança em relação aos vizinhos e moradores da zona e determinou o uso quotidiano de arma de fogo, que lhe foi diagnosticada uma perturbação delirante crónica, e que consta do relatório pericial psiquiátrico efectuado ao arguido que o mesmo apresenta pensamento sem alteração da forma e de conteúdo caracterizado por ideias delirantes persecutórias centradas nas chefias do seu antigo local de trabalho e ideias delirantes persecutórias e de autorrelacionação centradas na vizinhança actual.

«b) Na ponderação da pena aplicável, o douto Tribunal a quo entendeu que no caso em apreço a culpa assenta no dolo directo, pese embora ter considerado que o arguido tem «um claro problema de saúde psíquica, em tratamento e com toma de medicação diária», e condenou o arguido na pena de 12 (doze) anos de prisão.

«c) Ora, e salvo o devido respeito, entende o Recorrente que não foi devidamente enquadrado, de um ponto de vista jurídico, a anomalia psíquica de que padece e que o próprio Tribunal a quo entendeu ser evidente.

«d) Não está pois em causa, no presente recurso, a chamada "desqualificação" do homicídio operada pelo Tribunal a quo (a qual não se pretende questionar no âmbito do presente recurso), mas sim a circunstância de não ter sido considerada a imputabilidade diminuída do arguido para efeitos de atenuação especial da pena.

«e) A anomalia psíquica do arguido traduz-se, tal como foi dado como provado, em perturbação delirante crónica, apresentando ideias delirantes persecutórias centradas na vizinhança actual - a vulgarmente chamada "mania da perseguição", sendo que igualmente foi dado como provado (ponto 1. da matéria de facto) que na data e hora da prática do crime o arguido havia saído de sua casa, e se encontrava nas imediações da mesma, designadamente nas traseiras da respectiva rua.

«f) Assim, não pode deixar de resultar das regras da experiência comum que a prática do crime em causa ocorreu no âmbito de circunstâncias externas que integram o quadro de anomalia psíquica do arguido, e que forçosamente determinaram um quadro de imputabilidade diminuída, que diminui de forma acentuada a culpa do agente, e que deveria ter sido considerado pelo Tribunal a quo para efeitos de atenuação especial da pena.

«g) Até em nome do princípio in dubio pro reo, pois suscitando-se dúvidas sobre a imputabilidade do arguido (fundadas na prova produzida, e acima reproduzida) as mesmas deverão ser sanadas a favor do arguido, sob pena de condenar a título de dolo directo alguém que manifestamente não tem o discernimento e capacidade de decisão do comum cidadão.

«h) O Acórdão recorrido violou assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 72.º, n.º 1, e 73.º, ambos do Código Penal, ao condenar o arguido na pena de 12 (doze) anos de prisão.

«i) Deveria ter interpretado e aplicado correctamente tais preceitos, considerando o limite mínimo da pena como sendo de 2 anos e 2 meses de prisão e condenando o arguido pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.

os 3 e 4, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, em pena especialmente atenuada (por força do disposto nos artigos 72.º, n.º 1, e 73.º, ambos do Código Penal) próxima dos 3 (três) anos de prisão.

«j) Por outro lado, em sede de contestação aos pedidos de indemnização cível, o arguido deduziu excepção de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário activo, referindo em síntese que o ofendido DD é também filho de FF(que não deduziu qualquer pedido indemnizatório nos presentes autos), desconhecendo-se por outro lado se aquele ofendido deixou outros filhos para além do mencionado menor BB.

«k) Ora, o Tribunal a quo entendeu que tal excepção se verificaria apenas no tocante aos danos peticionados pelo sofrimento causado a DD e sentido por este antes de morrer (sem prejuízo de ter também entendido que nenhum facto se provou a tal propósito), e entendeu ainda que, quanto a danos não patrimoniais, a legitimidade para os peticionar decorreria, no caso de BB (filho da vítima), do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, e no caso de EE (mãe da vítima), do n.º 4 do mesmo preceito.

«I) Porém, o n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil manda atender aos danos patrimoniais sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores - ou seja, restringe a possibilidade de demanda por danos não patrimoniais às pessoas cuja legitimidade resulte, designadamente, do n.º 2 do mesmo preceito.

«m) E o tribunal a quo foi categórico em referir que, tendo a vítima DD um filho (também demandante nos autos), fica arredada a legitimidade de EE em peticionar os danos derivados da morte deste, por força do disposto no mencionado n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil.

«n) Ora, tal exclusão determina também, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, que não tendo a demandante EE direito à indemnização prevista no referido n.º 2, fica igualmente excluída do campo de aplicação do n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil, pois a expressão "direito a indemnização nos termos dos números anteriores" não pode deixar de significar, no caso concreto, apenas BB (filho da vítima), visto que em caso contrário, todos os potenciais habilitados por força do n.º 2 (incluindo descendentes, ascendentes, irmãos, sobrinhos, etc.) poderiam vir em simultâneo peticionar danos não patrimoniais.

«o) Igualmente não é aplicável o disposto no artigo 495.°, n.º 3, do Código Civil, na medida em que não foi alegado nem provado que qualquer pessoa estivesse em condições de exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural".

«p) O Acórdão recorrido violou assim, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 496.º, n.º 2 e n.º 4, e 495.º, n.º 3, todos do Código Civil, ao condenar o arguido a pagar a EE a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrente dos danos por si sofridos pela morte de Caio da Silva Carvalho, seu filho.

«q) Deveria ter interpretado e aplicado correctamente tais preceitos, absolvendo o arguido de pagar qualquer quantia a...

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