Acórdão nº 849/09.9TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução15 de Abril de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A.) instauraram, em 09/03/2009, junto dos Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, contra CC e seu cônjuge DD (R.R.) ação declarativa, sob a forma de processo sumário convolado para processo ordinário, na decorrência da reconvenção deduzida, alegando, no essencial, que: .

Os A.A. adquiriram o prédio urbano, constituído por casa de habitação com quintal, sito na Avenida … da freguesia de Joane, município de Vila Nova de Famalicão, mediante escritura de compra e venda, datada de 30/11/1983 e ainda por usucapião, o qual confina com um prédio urbano dos R.R., pelo lado nascente deste; .

Há mais de 35 anos que todas as águas residuais escoam por uma caixa existente no pavimento do rés-do-chão do prédio dos A.A. e são depois conduzidas através de um tubo de plástico, com cerca de uma polegada de diâmetro que atravessa a parede do alçado do prédio voltada para o prédio dos R.R. e, a partir daí, subterraneamente para uma caixa existente no solo deste mesmo prédio, que atravessa subterraneamente, e ainda dois prédios confinantes, até um outro prédio que dista cerca de 500 m do prédio dos R.R.; .

No dia 20/10/2007, os R.R. cortaram ou mandaram cortar o tubo condutor das águas residuais e também taparam as saídas das águas pluviais existentes no muro da propriedade dos A.A., que corriam para o prédio deles, o que, com a vinda das chuvas, provocará inundações no prédio dos A.A..

.

Os prédios dos A.A. e dos R.R. constituíram um só prédio pertencente a EE, tendo sido constituída a servidão de aqueduto por destinação de pai de família; .

Além disso, por mais de 50 anos os A.A., por si e antecessores, de forma pública, pacífica, continuada e de boa fé, fizeram atravessar subterraneamente o prédio dos R.R. com o tubo de esgoto e deixarem correr para ele as águas pluviais, à vista de toda a gente, sem oposição, na convicção de exercerem um direito seu.

Concluíram os A.A. a pedir que: a) – se reconheça que sobre o prédio dos R.R. está constituída uma servidão de aqueduto a favor do prédio dos A.A., consubstanciada no direito de estes fazerem atravessar subterraneamente um tubo de plástico, com cerca de uma polegada de diâmetro, que transporta as águas residuais domésticas provenientes do seu prédio, para uma caixa existente no solo do prédio dos R.R., a cerca de 10 metros da parede da casa dos A.A., e de as ditas águas serem conduzidas desta caixa, através de um tubo com idênticas dimensões, que atravessa subterraneamente todo o prédio dos R.R. e dois prédios confinantes a este, até um outro prédio, o qual dista cerca de 500 metros do prédio dos A.A.; b) – se reconheça que sobre o prédio dos R.R. está constituída uma servidão de escoamento a favor do prédio dos A.A., consistente no direito de fazer escoar as águas pluviais que caem no prédio destes para o prédio daqueles, através das saídas existentes no muro dos A.A.; c) – se condenem os R.R. a reporem a situação tal como se encontrava anteriormente a 20/10/2007, ou seja, restabelecer a ligação do tubo desde a parede do prédio dos A.A. até à caixa existente no logradouro do prédio contíguo e propriedade deles R.R., bem como a desobstruírem as saídas de águas pluviais existentes no muro propriedade dos A.A.; d) – se condenem os R.R. a se absterem da prática de quaisquer atos que prejudiquem ou perturbem o uso normal e pleno das servidões de aqueduto e de escoamento nos termos expostos nas alíneas a) e b), respetivamente; d) – se condenem os R.R. no pagamento de uma indemnização por todos os danos morais causados aos A.A., a fixar pelo tribunal, tendo em conta o tempo em que perdura esta situação, mas que se computa, à partida, em € 5.000,00.

2.

Os R.R. contestaram, deduzindo também reconvenção, a sustentar que: .

Não é possível a constituição da servidão por destinação de pai de família, já que, no momento da constituição dos dois prédios, estes não estavam fracionados nem individualizados; .

Por outro lado, a servidão invocada pelos A.A. respeita à colocação de um tubo de esgoto, não tendo sido alegado qualquer sinal visível e permanente da sua passagem, pelo que não sendo aparente, não poderia constituir-se por usucapião; .

Os A.A. invocaram ainda uma servidão legal de escoamento, mas as águas pluviais só não se infiltram no seu prédio devido às construções que eles nele fizeram, impermeabilizando-o; .

A colocação do tubo de esgoto resultou de um acordo entre irmãos, então donos dos dois prédios, com carácter provisório, até ser construído um poço sumidouro, tendo os A.A. comprado o seu prédio com a condição da sua eliminação; Em sede de reconvenção, alegaram os R.R. prejuízos decorrentes da situação anterior ao tapamento, pedindo uma indemnização no valor de € 22.502, 00.

3.

Os A.A. impugnaram a pretensão reconvencional.

4.

Findos os articulados e dispensada a audiência preliminar, foi proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória, conforme fls. 95 a 104.

5.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença (fls. 222- 236), na qual foi inserida a decisão de facto e respetiva motivação, julgando-se: a) - improcedente a ação, por se considerar abusivo o exercício pelos A.A. do direito à constituição de pretendida servidão de aqueduto e/ou extinto esse direito por renúncia; b) - e também improcedente a reconvenção.

6.

Inconformados com tal decisão, os A.A. apelaram dela para o Tribunal da Relação do Porto, suscitando nulidades da sentença recorrida, bem como questões respeitantes à não invocação pelos R.R. da renúncia ao direito invocado, à inexistência de tal renúncia e do abuso do direito, mas a apelação foi julgada improcedente e confirmada a sentença recorrida ape-nas quanto à existência de abuso de direito, embora com a consideração final, a latere, no sentido de que nem se poderia falar da constituição da servidão por usucapião por não existir prova nem ter sido alegada sequer a inversão do título de posse, conforme o acórdão de fls 281-294, datado de 18/09/ 2014. 7.

Desta feita, novamente inconformados, vieram os A.A. interpor recurso de revista, invocando, em primeira linha, a não ocorrência de dupla conforme, por se verificar fundamentação essencialmente diferente, e subsidiariamente, a título excecional, quanto ao abuso de direito, alegando a oposição de julgados, para o que formulam as seguintes conclusões: 1.ª - O acórdão impugnado é recorrível e passível de revista porquanto não há, quanto a ele, uma confirmação da decisão da 1.ª Instância; pelo contrário, o mesmo confirmou a decisão proferida na 1.ª instância mas com base numa fundamentação essencialmente diferente (n.

o 3 do art. 671.º do CPC); 2.ª - Efetivamente, o Tribunal da 1.ª Instância entendeu que os A.A. adquiriram, por usucapião, o direito de servidão de aqueduto que onera o prédio dos R.R., mas julgou improcedente a ação por entender que aqueles renunciaram ao direito à invocação da constituição dessa servidão e/ou que o exercício do direito à invocação da constituição da dita servidão consubstancia abuso de direito; 3.ª - Por sua vez, o Tribunal da Relação entendeu que não está em causa a renúncia a um direito e considerou que opera o instituto do abuso do direito mas, como meio de fundamentação, invocou o acórdão do STJ, de 14/01/1999 proferido no processo nº. 99B572, de cujo teor resulta que estão em causa atos de mera tolerância e não atos possessórios, entendendo-se que «é o que se passa neste caso», bem como defendendo que o que interessa é a posição intelectual dos A.A..

  1. - Ainda que se entenda que a decisão do Tribunal da Relação é sobreponível à da 1.ª Instância, os Recorrentes entendem que, ainda assim, se verifica o pressuposto de admissibilidade da revista excecional nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

  2. - Na verdade, o acórdão recorrido está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo STJ, de 13-11-2003, no processo n.003B3029, com o n.º convencional JSTJOOO, relatado pelo Exm.º. Juiz Conselheiro Dr. Araújo Barros, in www.dgs.pt, no domínio da mesma legislação (artigos 1260.º, n.º1, 1261.º, n.º 1, 1262.º, 1287.º, 1296.º, 1569.º, n.º 1, al. d), e 334.º, todos do CC) e sobre a mesma questão fundamental de direito (o direito de constituição de uma servidão e o instituto do abuso de direito), não tendo sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, o que se pretende com a presente revista.

  3. - O acórdão recorrido não podia considerar que os A.A. apenas beneficiaram de uma situação de tolerância dos R.R., já que o Tribunal da 1.ª Instância entendeu que, perante a matéria de facto provada (a qual não foi impugnada por qualquer das partes), «temos de considerar que os A.A. foram possuidores de um direito correspondente ao de uma servidão de aqueduto.», e, por isso, nas conclusões da apelação, os Recorrentes alegaram que «lograram provar os factos necessários para que se declarasse judicialmente a constituição de uma servidão de aqueduto constituída a favor do seu prédio e onerando o prédio dos Apelados, o que resulta quer da fundamentação de facto, quer da fundamentação de direito da sentença recorrida.» 7.ª - Ora, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, pelo que o Tribunal de recurso não pode conhecer de matérias nele não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigo 635.º CPC).

  4. - Acresce que, a proibição da "decisão-surpresa", isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, também se aplica à instância de recurso, pelo que o acórdão recorrido é nulo por omissão do convite aos Apelantes/Recorrentes para se pronunciarem sobre a alegada falta de “animus” - artigos 3.º, n.º 3, e 195.º, n.º1, ambos do CPC, e inconstitucional por violar os artigos 13°, 18°, nº 1, e 20°, nº 4, todos da Constituição da República...

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