Acórdão nº 394/14.0TBFLG.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA propôs contra BB, S.A. ação com processo comum, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 737.390,39, acrescida de juros legais de mora a partir da citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 26 de maio de 2012 entre o motociclo de matrícula -QZ, pertencente ao autor e por ele conduzido, e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula -ZR, conduzido por CC e seguro na ré.

Imputou a culpa da produção deste acidente à condutora do veículo ZR, que efetuou uma manobra de mudança de direção à esquerda, para o que ocupou a metade esquerda da faixa de rodagem da estrada, indo aí embater no motociclo QZ.

  1. Contestou a ré, sustentando que o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do autor, que na altura do acidente conduzia o QZ em velocidade excessiva. Impugnou os danos peticionados bem como os respetivos montantes, concluindo pela improcedência da ação.

    E alegando que o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho, requereu a intervenção principal, da DD– Sucursal em Portugal.

  2. Admitido a requerida intervenção principal, veio a DD – Sucursal em Portugal deduzir contra a ré, BB, S. A., pedido de reembolso da quantia de € 55.702,23, que pagou ao autor a título de prestações devidas em sede de acidente de trabalho, acrescida de juros de mora, calculados desde a citação da Ré até integral e efetivo pagamento.

  3. Dispensada a audiência prévia, foi elaborado o despacho saneador e procedeu-se à fixação do objeto do litígio e à indicação dos temas da prova.

  4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente, por não provada, a ação, absolvendo a ré dos pedidos contra ela deduzidos pelo autor e pela interveniente principal.

  5. Inconformados com esta decisão, dela apelaram o autor e a interveniente principal para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 12.01.2017, anulou a sentença recorrida, determinando a ampliação da matéria de facto.

  6. Realizado novo julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo a Ré dos pedidos deduzidos pelo autor e pela interveniente principal.

  7. Inconformados, de novo, com esta decisão, o autor e a interveniente principal, DD – Sucursal em Portugal, dela apelaram para o Tribunal a Relação do Porto que, por acórdão proferido em 26 de abril de 2018, julgou parcialmente procedentes as apelações e, revogando a sentença recorrida, decidiu: 1. Condenar a ré BB, S.A. a pagar ao autor AA: 1.1. A quantia de € 31.036,50, a título de indemnização pelos danos patrimoniais por ele sofridos em consequência do acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento; 1.2. A quantia de € 20.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele também sofridos em consequência do mesmo acidente, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data do presente acórdão; 2. Condenar a mesma Ré a pagar à interveniente DD – Sucursal em Portugal a quantia de € 27.851,11, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da notificação da demandada até integral pagamento.

  8. Absolver a Ré do demais contra ela peticionado.

  9. Inconformada com esta decisão, veio a ré, EE, S.A. dela interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « 1. Com todo o respeito por opinião contrária, não pode a ora recorrente conformar-se com o enquadramento jurídico operado pelo Tribunal a quo da matéria de facto que vem dada como provada no que tange a dinâmica do acidente em discussão nos presentes autos.

  10. Está a aqui recorrente firmemente convicta de que a factualidade que vem dada como demonstrada aponta, inequivocamente, para a culpa exclusiva do autor na eclosão do acidente dos autos, tal como, de resto, havia sido decidido pelo Tribunal de primeira instância.

  11. Com efeito, resulta dos factos provados que o acidente em apreço nos autos apenas encontra explicação na velocidade excessiva - não inferior a 100km/h, mas que se estima bem superior face à factualidade conhecida - que o autor imprima ao motociclo que tripulava, mais condizente com aquelas que se praticam nas auto-estradas e vias rápidas, que se revelou totalmente desadequada a uma via inserida dentro de uma localidade, ladeada, de ambos lados, por casas de habitação e comércio e na qual entroncam, quer à direita, quer à esquerda, várias outras estradas de trânsito local.

  12. Tal velocidade para além de ter determinado a aproximação do QZ, num curtíssimo espaço de tempo, ao local onde se encontrava o ZR, condicionou bem assim a capacidade de atenção e de reacção do autor, o qual, podendo aperceber-se, a pelo menos 200 metros distância, da manobra levada a cabo pela condutora do ZR, não só não travou como não desviou o motociclo que tripulava durante todo esse percurso, até acabar por colidir violentamente contra a traseira do ZR, num momento em que este já se encontrava parcialmente fora da via.

  13. Provou-se, bem assim, que se o recorrido circulasse à velocidade de 50 km/h teria seguramente evitado o embate (alínea HH) dos factos provados.

  14. Já no que tange a condutora do ZR crê a ora recorrente que, contrariamente ao que vem sustentado pelo Tribunal a quo, não se divisa na sua conduta qualquer infracção aos comandos estradais, ou qualquer contribuição causal e culposa da sua parte para a verificação do acidente aqui em apreço.

  15. Com efeito, demonstrou-se que, antes de dar início à manobra de mudança de direcção à esquerda, a condutora do ZR, accionou o pisca do lado esquerdo, aproximou-se do eixo da via e ali se imobilizou, ainda antes de atingir a hemifaixa de rodagem esquerda da via, atento o seu sentido de marcha.

  16. Nesse momento, verificando que o motociclo tripulado pelo autor - o único veículo que circulava em sentido contrário se encontrava a, pelo menos, 200 metros de distância, deu início à referida manobra de mudança de direcção à esquerda, com vista a entrar no posto de abastecimento de combustíveis, para o que necessitava de percorrer apenas 3,35 m.

  17. Mais se demonstrou que, no momento em que, ao menos, a parte da frente do ZR tinha já ultrapassado a linha delimitadora da berma que ladeia aquela estrada, pelo seu lado esquerdo, atento o sentido de marcha ... foi aquele veículo violentamente embatido na respectiva lateral direita traseira pelo motociclo tripulado pelo autor, o que levou a que o ZR desse uma volta sobre si próprio, subisse um lancil em cimento que separa a área das bombas de gasolina da berma da via, acabando por imobilizar-se totalmente fora da faixa de rodagem, com a frente direccionada para a E.N. 15.

  18. Face à distância a que o motociclo tripulado pelo autor se encontrava, no momento em que a condutora do ZR deu início à manobra de mudança de direcção à esquerda - pelo menos 200 metros - havia tempo mais do que suficiente para que esta atravessasse a hemifaixa de rodagem contrária - com 3,35 metros de largura e concluísse a manobra de mudança de direcção à esquerda sem perigo de acidente.

  19. A distância a que o ZR se encontrava do QZ era suficientemente grande para convencer qualquer condutor normalmente diligente de que tinha tempo para concretizar a manobra de mudança de direcção à esquerda em segurança, não fosse a velocidade francamente excessiva - e seguramente muito superior a 100 km/h - que o autor imprimia ao motociclo que tripulava.

  20. A velocidade extremamente excessiva a que seguia o QZ, fez com que este vencesse a apontada distância em escassos segundos, sendo que não era exigível à condutora do ZR que esta previsse que o autor imprimia semelhante velocidade ao motociclo que tripulava.

  21. Aliás, a lei exclui mesmo essa previsibilidade, pois não é exigido aos condutores que, no acto de condução automóvel, contem com a imperícia, imprevidência ou ilegalidade alheia.

  22. Acresce que o direito de prioridade de passagem, invocado no Acórdão recorrido, para além de não ser absoluto, só existe em situações de simultaneidade de chegada ao local de intercepção, o que não era suposto suceder, nem previsível que sucedesse, no caso em apreço.

  23. Na verdade, para se poder concluir que a manobra de mudança de direcção à esquerda levada a cabo pela condutora do ZR foi executada de forma imprudente ou violadora das disposições estradais, necessário seria que se pudesse afirmar que o QZ se encontrava já tão próximo da estação de serviço, no momento em que aquela deu início à sobredita manobra, que fosse de prever, por qualquer condutor normal, colocado nas circunstâncias em que se encontrava a condutora do ZR, que não conseguiria terminar aquela manobra, sem colocar em risco o QZ e o seu condutor.

  24. Ora, como se disse supra, no caso em apreço, não era previsível que no circunstancialismo que antecedeu o embate os veículos fossem chegar ao ponto de intersecção ao mesmo tempo.

  25. Não se compreende a afirmação feita a dado passo do Acórdão recorrido no sentido de que os factos provados indiciam que a condutora do ZR não iniciou a travessia da via quando o motociclo se encontrava a 200 metros de distância, quando a páginas 35 do mesmo Acórdão se refere precisamente o contrário.

  26. Importa também salientar que, ao contrário do que o Acórdão recorrido parece sugerir, nada nos autos aponta no sentido de que a condutora do ZR tenha hesitado na execução da manobra que levou a efeito, nem tão que o acidente se tenha verificado mercê da sua falta de destreza.

  27. Face à factualidade que vem dada como demonstrada, não se divisa na conduta da condutora do ZR qualquer actuação contrária aos comandos estradais, ou violador do dever geral de cuidado de circular atento, que por esse motivo seja susceptível de censura.

  28. Como tal, deve ser revogado o douto Acórdão recorrido e substituído por outro que, concluindo pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT