Acórdão nº 135/10.1T3STC-T.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório 1.

No âmbito do Processo n.º 135/10.1T3STC da Comarca de Lisboa – Instância Central – 1.ª Secção Criminal – Juiz 2, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado e, por acórdão de 22.09.2014, foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de doze crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, número 1, e 218.º, número 1, por referência ao artigo 202.º, alínea a), do Código Penal, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 218.º, números 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 218.º, números 1 e 2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), do Código Penal.

Decisão que o Tribunal da Relação, por acórdão de 03.02.2015, transitado em julgado em 28.05.2015, manteve integralmente.

  1. Em extenso e algo confuso requerimento, veio o arguido AA, com fundamento na alínea c) do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, peticionar a revisão daquela decisão de 22.09.2014, em suma alegando: - Na decisão revidenda, o tribunal deu como provado que «os arguidos, em conjugação de esforços e de forma fictícia, procederam ao loteamento do terreno “B...........”, delimitando lotes e colocando-os à venda, com a finalidade de obterem lucro fácil, apesar de saberem que os referidos lotes eram fictícios e que na realidade não correspondiam a qualquer fraccionamento do terreno, por o mesmo não ser permitido por lei, na medida em que o terreno não pode ser dividido, por não ser admissível no local em apreço, em virtude de se encontrar fora de qualquer perímetro urbano, não podendo também ser fraccionado por, dessa operação junto de prédios rústicos, em duas ou mais parcelas, não poder resultar nenhuma parcela com área inferior à unidade mínima de cultura, que na região em causa é de 7,5 hectares, e aquele terreno ter apenas 6,750 hectares»; - Mais se considerou provado na decisão revidenda que, «para prossecução de tais fins, os arguidos realizaram contrato de cessão de quotas com diversos compradores, bem sabendo que este não se traduzia na compra de qualquer lote de terreno, mas tão só de uma quota da sociedade, engendrando que, aquando da celebração do contrato definitivo, neste viria transformada a aquisição do respectivo lote que os interessados adquiriam e que figurava no contrato-promessa numa cessão de quota da sociedade “Q............. Lda”, quota essa correspondente à parcela do lote que os interessados comprassem» … assim «iludindo os ofendidos na medida em que os convenceram de que, para além de comprarem um lote de terreno, ali poderia[m] edificar, com o propósito conseguido de os levarem a realizar uma disposição patrimonial a seu favor»; - Acontece que no Processo n.º 202/11.4T3ODM, que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Odemira, em que foi denunciante a Câmara Municipal de Odemira, e que teve por objecto factos em tudo idênticos aos do presente processo (n.º 135/10.1T3STC), o Ministério Público veio a proferir despacho de arquivamento, por considerar que a conduta dos arguidos e das sociedades, de que aqueles eram sócios, nada tinha de ilegal ou ilícito; - Efectivamente, «ficou provado naquele processo, após conclusão do inquérito relativamente à prática do crime de Burla que “ (…) para se estar perante uma burla (…) mostra-se necessário que a mentira fosse acompanhada da realização de actos exteriores (…) e que o estado de erro do sujeito passivo fosse provocado “astuciosamente”»; - «Assim sendo e considerando que, [como] decorre da inquirição de todas as testemunhas (terceiros adquirentes de quotas da sociedade arguida), estas sabiam perfeitamente de todas as condicionantes do negócio que celebravam, ou seja, todas elas, sem excepção, sabiam (porque isso lhes foi dito pela arguida) que “nas parcelas em causa não se podiam edificar quaisquer edifícios, e que pelo facto de efectivamente o local não ter sido alvo de qualquer processo de loteamento as parcelas não poderiam ser vendidas, sendo que, para contornar a situação, os interessados adquiriam parte da sociedade “M........” que lhes daria direitos sobre as parcelas que viessem a escolher “sendo que apenas o fizeram na esperança de que a Câmara Municipal de Odemira no futuro viesse a permitir alguma construção devidamente autorizada. Posto isto é por demais evidente que aqueles terceiros, [que] não incorreram em qualquer erro ou engano, sabiam perfeitamente o que estavam a fazer, pelo que a actuação da arguida não pode consubstanciar, de modo algum, um comportamento ardiloso…»; - De onde que, «existindo uma correspondência quanto à identidade de negócio celebrado nestes autos e o negócio celebrado pela empresa M........, não se poderá deixar de indagar se também nesta situação inexistia qualquer engano em que “habilmente” os ofendidos tivessem incorrido»; - Sendo que «quanto ao segundo processo, os Autos de Inquérito n.º 2345/08.1TDLSB 1) Trata-se do Inquérito n.º 2354/08.1TDLSB, e não o número ali referenciado., que correram termos na antiga 8.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal do Distrito Judicial de Lisboa, e aos quais foi apensado o Inquérito n.º 507/08.1JDLSB, foi também arquivado por despacho proferido em 09/06/2009...».

    Autos que «tiveram origem numa queixa apresentada por BB e CC por factos idênticos…», vindo neles a concluir-se que «não resulta com clareza que em nenhum momento, ao vincular a sua vontade, os queixosos tenham estado numa situação de erro ou engano provocado pela conduta astuciosa dos denunciados», as sociedades “Quinta ........, Lda,” e “L........., Compra e Venda de Propriedades, Lda”, representadas por DD, EE, AA e FF. «Com efeito, não resulta dos autos que os mesmos tenham sido induzidos em erro para aceitar o acordo, sendo que lhes foi dada a possibilidade de rescindir o contrato com devolução do dinheiro entregue, que os mesmos não aceitaram»; - Para além de que «o que os Ofendidos pretendiam, efectivamente, é que no terreno viesse a ser possível edificar e, na presente data, tal possibilidade afigura-se cada vez mais concretizável» em face da «alteração do PDM de Sines, de Junho de 2013, com o alargamento da possibilidade de edificar empreendimentos turísticos», sendo que, «actualmente e ao contrário do que vem referido no Douto Acórdão, relativamente ao uso do terreno para fins agrícolas, não existe qualquer impedimento à criação, no prédio em questão, quer de um empreendimento semelhante ao que foi construído em Zambujeira do Mar, Odemira, empreendimento......, ou seja, um ....., que respeitaria as condicionantes da zona e seria do agrado dos sócios, na medida em que permite a construção de “casas de madeira” ecológicas, ocupando uma área de 100 m2, quer à constituição de um Parque de Campismo, o que não foi sequer posto em consideração pelos sócios adquirentes»; - Que havendo, aliás, os ofendidos GG e HH intentado uma acção cível, que corre termos no Tribunal da Comarca do Seixal, ex-3º Juízo, Processo n.º 5499/10.4 TBSXL, em ocasião anterior à instauração do presente processo-crime, precludiu o direito de queixa, nos termos previstos no artigo 72º, número 2, do Código de Processo Penal.

    Na oportunidade, e para prova dos factos invocados, indicou o requerente duas testemunhas.

  2. Em resposta ao motivado pelo requerente AA, o Ministério Público no tribunal de 1.ª instância e o assistente GG pronunciaram-se no sentido de que inexistem razões para ser concedida a pretendida revisão.

    E isto, em suma, porque, como sustenta, A - O Ministério Público: - Os factos apreciados nos Processos n.º 202/11.4T3ODM e n.º 2354/08.1TDLSB não são idênticos aos apreciados no processo onde foi proferida a decisão revidenda, sendo certo que, ainda que fossem idênticos, a sua diversa qualificação jurídica não constituiria fundamento de revisão; - Estando em causa crimes de burla agravada, logo de natureza pública, nunca a instauração de uma acção cível em momento anterior ao da instauração do Processo n.º 135/10.1T3STC determinaria a renúncia ao direito de queixa; - Nunca nos autos se colocou a possibilidade negocial de os ofendidos construírem, nos terrenos em causa, um empreendimento semelhante ao construído na Zambujeira do Mar, Odemira, empreendimento...

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