Acórdão nº 3709/12.2YYPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução17 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório.

    Notificada do despacho de não admissão de recurso, prolatado a fls. 1252 a 1254, vem a executada, AA, reclamar para a Conferência, com os seguintes fundamentos (sic): “Em sentido contrário àquela que havia sido, num primeiro momento, a decisão do Tribunal da Relação do Porto, e que foi a de admitir o recurso de revista para uniformização de jurisprudência interposto pela Recorrente, subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, veio o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator proferir a Decisão ora posta em crise, através da qual se rejeitou o recurso em apreço.

    O entendimento perfilhado na Decisão é, fundamentalmente, o seguinte: o recurso (ordinário) de revista contemplado no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, para além dos requisitos de admissibilidade próprios (que, necessariamente, terão de se encontrar preenchidos), teria igualmente de passar pelo crivo do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, atinente à "revista-regra" ou recurso (ordinário) de revista "nos termos gerais".

    Ou seja, o recurso interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC apenas poderia ser admissível quando o acórdão da Relação recorrido tivesse (i) conhecido do mérito da causa ou (ii) posto termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos; o que não se verificou na presente situação.

    Ora, a Recorrente não pode concordar, nem se conforma com este entendimento, o qual, salvo melhor opinião, é contrário ao que resulta da Lei e à interpretação que faz da mesma a Doutrina e a Jurisprudência que já se pronunciou sobre o recurso de revista para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 629.°, n.º 2, alínea d), do CPC, razão pela qual deve ser admitido o recurso interposto pela Recorrente.

    Da admissibilidade do recurso de revista para uniformização de jurisprudência interposto pela Recorrente.

    Do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC resulta que "[i]ndependentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso ( ... ) [d]o acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme." (destaque nosso).

    Pela sua relevância e clarividência, importa começar por citar António Santos Abrantes Geraldes, que, acerca do sobredito recurso de revista para uniformização de jurisprudência, explica o seguinte: "Foi repristinada a solução que já constara do art. 678.º do anterior CPC e que fora afastada na revisão do regime dos recursos de 2007, reabrindo-se, assim, a possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição em casos em que tal está vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o impedimento ao recurso não reside no facto de o valor da acção ou da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do n.º 1 do art. 629.º mas noutro motivo de ordem legal.

    Desta forma ampliam-se as possibilidades de serem dirimidas pelo Supremo Tribunal de Justiça contradições jurisprudenciais que, de outro modo, poderiam persistir, pelo facto de, em regra surgirem em acções em que, apesar de apresentarem valor processual superior à alçada da Relação, não se admite recurso de revista nos termos gerais." (destaques e sublinhados nossos).

    A propósito do afastamento da solução em apreço aquando da mencionada revisão do regime dos recursos de 2007, pronunciara-se José Lebre de Freitas, sustentando que: "A razão de ser desta norma de admissibilidade era entender-se que, em casos em que normalmente nunca haveria acesso ao ST J. havia que garantir o papel uniformizador do supremo tribunal.

    (...) A sua revogação é pouco compreensível na economia da reforma de 2008, votada à finalidade de melhor garantir a função uniformizadora do Supremo, e coaduna-se mal com a possibilidade, que o art. 721-A [artigo 672.º do actual CPC] concede, de, apesar da “dupla conforme”, recorrer de revista excepcional do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro de qualquer Relação ou do STJ (...)." (destaque e sublinhado nossos).

    Com relevo para esta matéria, acrescenta António Santos Abrantes Geraldes: "O que agora se dispõe no art. 671.º, nºs 2, al. a), e 3, sana qualquer dúvida em redor do acesso imediato ao recurso de revista nos casos excepcionais previstos no n.º 2 do art. 629.º.

    Já no domínio do anterior CPC defendíamos a prevalência do que se dispunha no art. 678.º, n.º 2, sobre o preceituado no art. 721.º do anterior CPC.

    com argumentos variados, mas que agora se tornam supérfluos, em face da expressa salvaguarda da admissibilidade da revista, sem mais impedimentos ... nos casos em que a revista "é sempre admissível".

    Por conseguinte, nas situações agora previstas no n.º 2 do art. 629.º, a revista normal é de admitir, independentemente quer do valor, quer da natureza ou do teor do acórdão da Relação.

    Estando em causa interesses que atinam com as regras de competência absoluta, com o regime do caso julgado ou com a certeza do direito que é assegurada pela uniformização jurisprudencial, as razões que motivaram a prevenir a recorribilidade ilimitada sobrepõem-se àquelas que levaram o legislador a restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.

    (...) É verdade que, como observa Teixeira de Sousa, o sistema assim construído parece contraditório quando impede a revista de acórdãos da Relação que incidiram sobre o mérito da causa, admitindo-a, sem restrições, nos casos previstos no art. 629.º, n.º 2. Todavia, não pode ignorar-se que o âmbito deste preceituado cobre situações em que é posta em causa o pressuposto da competência absoluta do tribunal, os efeitos do caso julgado ou a força persuasiva que é reconhecida aos acórdãos de uniformização de jurisprudência a justificar, por isso, a intervenção final do Supremo destinada a repor a legalidade que foi posta em causa." (destaques e sublinhados nossos).

    No presente caso, o "impedimento ao recurso" - de revista nos termos gerais - resulta, desde logo, do facto de não estarmos perante nenhuma das situações em que caberia revista nos termos gerais no âmbito das execuções, conforme delimitadas por intermédio do artigo 854.º do CPC, e é esse impedimento que permite em primeiro lugar à Recorrente lançar mão do recurso de revista para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do artigo 629.°, n.º 2, alínea d), do CPC.

    Com efeito, é o próprio artigo 854.º do CPC que ressalva os "casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça" - e um desses casos está expressamente previsto no artigo 629.°, n.º 2, alínea d), do CPC.

    Como explica também António Santos Abrantes Geraldes, a propósito do regime do recurso de revista no âmbito das execuções previsto no artigo 854.° do CPC, "[o] preceito ressalva expressamente os casos em que o recurso de revista é sempre admissível, o que nos remete para o disposto nos arts. 629.º, n.º 2.

    e 671.º, n.º 2, al. b)." (sublinhado nosso).

    Mas mesmo na ausência da limitação ao direito ao recurso prevista no artigo 854.º do CPC, a verdade é que a admissibilidade da interposição do recurso de revista para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, residiria precisamente no facto de o Acórdão Recorrido não ser passível de recurso ordinário de revista nos termos gerais para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 671.º do CPC.

    A propósito das regras do novo CPC respeitantes à admissibilidade do recurso de revista, conforme previstas no n.º 1 do referido artigo 671.º, António Santos Abrantes Geraldes salienta que, embora, "[n]a sua vertente negativa, est[ejam] excluídos do âmbito da revista (. . .) os (. . .) acórdãos da Relação (. . .) que, revogando a sentença que absolveu réu da instância, determinem o prosseguimento dos autos", "ressalva-se, é claro, a eventual inserção na normal excepcional do art. 629. º, n.º 2 (...

    " (sublinhado nosso).

    Como destaca ABÍLIO NET0 por referência ao artigo 629.º, n.º 2, do CPC, "[o]bviamente que se o recurso for recebido por virtude apenas de se verificar qualquer das mencionadas hipóteses [isto é, aquelas constantes do n.º 2 do artigo 629.º do CPC], o seu objecto restringe-se à matéria que justificou a sua admissão, sendo vedado conhecer de questões que sejam estranhas a esse tema.".

    Que não caiba recurso ordinário (de revista "regra" ou "nos termos gerais") por motivo estranho à alçada do Tribunal da Relação é, portanto, um pressuposto de admissibilidade do recurso de revista para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 692.º, n.º 2, alínea d), do CPC, como, aliás, resulta do texto do normativo ("e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal').

    Se assim é, não se compreende como possa sustentar-se que, para este tipo de recurso ser admissível, têm ainda de estar preenchidos os pressupostos do 671.º, n.º 1, do CPC. Ao invés, é o facto de não estarem preenchidos esses pressupostos - ou de existir outro "motivo de ordem legal" que afaste o recurso ordinário de revista, como é o caso do artigo 854.° do CPC - que origina a possibilidade de se lançar mão deste recurso de uniformização de jurisprudência.

    Conforme se salienta no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 1I de Fevereiro de 2015, "esta possibilidade especial de recurso de revista [a da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC] tem por finalidade obstar à persistência e até proliferação de contradições jurisprudenciais em acções insusceptíveis do recurso de revista nos termos gerais, desde que verificados determinados pressupostos ou requisitos." (destaque e sublinhado nossos).

    Veja-se ainda o seguinte excerto do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 100/99 proferido a 10 de Fevereiro de 1999, a respeito da solução idêntica que constava...

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