Acórdão nº 23/13.0PAVNF.P1-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução11 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I Relatório 1.

AA, arguida neste processo e identificada nos autos, vem, ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (mediante requerimento apresentado a 10.12.2014) do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de setembro de 2014, e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.10.2014, em complemento do anterior e “que dele passa a fazer parte integrante”, transitado em julgado a 10.11.2014 (conforme certidão a fls. 40).

2.

Na interposição de recurso, a recorrente apresentou as seguintes conclusões: «I. O Acórdão do STJ de 07/07/2004 e o acórdão do Tribunal da Relação do Podo de proferido no âmbito do processo 23/13.0PAVNF.P1 encontram-se em manifesta contradição.

  1. No Acórdão do STJ de 07/07/2004, considerou-se essencialmente que apesar de os "factos provados demonstrarem que a venda de heroína junto a um estabelecimento de ensino constituiu acto voluntário e consciente e que o arguido morava muito perto da referida escola, isso não indicia mais do que tinha a consciência de que vendia droga junto a uma escola", "Falta a demonstração da representação dessa circunstância qualificativa, que não decorre como consequência de viver perto da escola - o que impede se possa afirmar o elemento intelectual do dolo do tipo, que exige que o agente represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenchem o tipo ilícito objectivo e do seu significado nos termos do artigo 16.° n.° 1 do Código Penal, doutrina que não vale apenas para as circunstâncias que fundamentam o ilícito, mas também para todas aquelas que o agravam e para a aceitação errónea de circunstâncias que o atenuam".

  2. No acórdão proferido por esta 4.

    a Secção do Tribunal da Relação do Porto, em oposição com o supra extratado, considerou-se, em suma, que se verifica preenchida a situação agravante da alínea h) do artigo 24.°. do DL 15/93 de 22 de Janeiro, pois "independentemente da intenção que levou o arguido às imediações da escola, de lerem procurado tal espaço, por isso mesmo ou por qualquer outra razão, mormente de ser local recôndito ou pouco frequentado, ou tão só ou também, pelo facto de ficar nas proximidades da sua casa" estará preenchida a agravante, uma vez que "quem viver próximo de um estabelecimento de ensino, desde logo, à partida, se praticar actos previstos no artigo 21.º/1 está, em desvantagem, em termos de grau de &ilude e da consequente gravidade da moldura penal, em relação a quem pratique os mesmos factos e não seja vizinho de uma escola.

  3. Pelo que, de acordo com a orientação perfilhada pela Relação do Porto bastará dar-se como provado que os arguidos "tinham perfeito conhecimento da natureza estupefaciente das substâncias que vendiam", que "sabiam que não podiam vender, distribuir, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar ou deter tais substâncias estupefacientes sem estarem para tal autorizados", e que "agiram com o objectivo de vender produtos estupefacientes, o que fizeram de forma deliberada, com a vontade livre, conscientes da censurabilidade das suas conduta”, para se concluir estar preenchido o elemento subjectivo do tipo agravado previsto na alínea h) do artigo 24 do DL 15/93 de 22 de Janeiro; V. Entende a Recorrente que a decisão do Acórdão da Relação do Porto, não ponderou, corno devia, a representação da circunstância qualificativa, elemento essencial ao preenchimento do tipo.

  4. Não basta, pois, a narração dos factos materiais em que se consubstancia a prática da infracção, pois se assim fosse, estaríamos a deixar a porta aberta às presunções de dolo (o que mutatis mutandis, também vale para a negligência, quando punível), inadmissíveis no direito penal moderno.

  5. Nestes termos, deverá ser fixada jurisprudência no sentido de que "a condenação pelo crime agravado de tráfico de estupefacientes, p. e p.

    pela alínea h) do 24.° do DL 15/93 de 22 de Janeiro, exige que o agente represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenchem o tipo ilícito objectivo e do seu significado, assim como tenha consciência de todas as circunstâncias que agravam o crime, o que terá de ser demonstrado através de factos provados donde se possa concluir que o arguido quis vender junto a uma escola e que tinha consciência de que tal circunstância qualificava o crime", devendo ser revisto o acórdão da Relação do Porto e alterando-se a sua decisão em conformidade com a orientação jurisprudencial fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.» 3.

    O Tribunal da Relação do Porto, no acórdão recorrido[1], pronunciou‑se sobre o elemento subjetivo do tipo qualificado de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, nos seguintes termos: « Donde, manifesta, inquestionável e decisivamente está presente, - ainda que por outras palavras e sem recurso à sacramental fórmula, o agente agiu de forma livre (afastando-se as causas de exclusão da culpa - a arguida pôde determinar a sua acção), conscientemente (imputabilidade — a arguida é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo) — tendo em consideração, como se disse já, que no caso, do crime agravado (bem como do privilegiado), é a ilicitude, por exasperação ou mitigação, e não a culpa, que determina a modificação da moldura penal, a afirmação da verificação do elemento subjectivo.

    Ora se assim é não existe o apenas agora invocado erro sobre as circunstâncias do facto, do artigo 16.° n.º 1 C Penal, que é o contraponto, a outra face do dolo e, como valores de sentido contrário, se excluem reciprocamente.

    É certo que, no que ao caso interessa, de tráfico de estupefaciente, o dolo se há-de ainda referir às circunstâncias que agravam o crime, i.é., é necessário demonstrar que o agente, que o traficante, conhecia o salto qualitativo que sofre a perigosidade social da sua conduta, derivada da sua ilícita actividade ser levada a cabo nas imediações de um estabelecimento de ensino.

    Estamos, no entanto, perante um tipo de crime, de perigo abstracto, que tutela o bem jurídico da saúde pública — e a dependência que o consumo de estupefacientes ocasiona, que ali se reflecte — que, naturalmente, é potenciado pelo desenvolvimento da actividade na proximidade de um estabelecimento de ensino.

    Perigo este, há muito aceite e interiorizado pela sociedade e pela consciência de valores que a rege, facto de que a arguida não pode deixar de ter consciência e, não obstante, também aí, desenvolvia a sua actividade.

    Isto é, neste caso e, no quadro do crime de tráfico de estupefacientes, para tomar consciência da ilicitude o agente não precisa de conhecer, desde logo, a norma proibitiva — o tipo legal base — muito menos, as circunstâncias susceptíveis de agravar a ilicitude.

    No caso desta precisa e concreta circunstância, estamos perante um dolo abrangente em relação a esta agravada proibição legal, que é por todos, supostamente, conhecida, dado a relevância axiológica da conduta em causa.

    Doutra forma, a defender-se a tese subjacente à posição agora evidenciada pela arguida — que, curiosamente, já tinha sido condenado pelo crime de tráfico agravado de estupefacientes - apenas os juristas (e, não todos, porventura, apenas os de mérito) podiam ser agentes de factos penalmente ilícitos, seja, podiam cometer crimes agravados ou qualificados, seguramente e, muitos outros, mesmo, na forma simples.

  6. 7. Em conclusão.

    Na sanação da apontada e constatada nulidade por omissão de pronúncia, acerca da verificação do elemento subjectivo do tipo de crime agravado, afirma-se aqui e agora a sua verificação.

    O que...

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