Acórdão nº 293/09.8PALGS.E3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Junho de 2015

Data03 Junho 2015
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam em conferência na 3.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, acima identificados, o tribunal coletivo do 1º juízo da comarca de Lagos, por acórdão de 20 de janeiro de 2014, considerou a acusação movida contra AA parcialmente procedente, e, em consequência, condenou-o pela prática de dez crimes de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal (CP), um deles por convolação do crime p. e p. pelo n.º 2 do mesmo preceito legal, nas seguintes penas parcelares: «Quanto aos crimes de que foram vítimas BB, CC e DD (6), três anos de prisão para cada um deles; Quanto aos crimes de que foram vítimas EE e FF (4), dois anos de prisão para cada um deles; Operando o cúmulo jurídico das penas antes mencionadas, foi condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão, e na pena acessória de proibição de lecionar a menores pelo período de 15 anos.» 2. Do acórdão condenatório, o arguido interpôs recurso para o tribunal da relação de Évora, pretendendo que fosse «considerada insuficiente a prova produzida para suportar a sentença condenatória», e que o acórdão fosse «considerado nulo em virtude da valoração de prova produzida contra o estipulado no artigo 341.º do Código de Processo Penal», bem como fosse «revogada a matéria de facto dada como provada, substituindo-se a mesma por matéria de facto não provada» e o «[a]córdão considerado nulo face às violações repetidas dos princípios do Contraditório, Imediação e in dubio pro reo», devendo o mesmo, em qualquer caso, ser «revogado e substituído por outro que declare a absolvição do arguido de todos os crimes de que vinha acusado.» 3. O tribunal da relação de Évora, conhecendo do mérito, proferiu acórdão, em 6 de janeiro de 2015, negando provimento ao recurso, e confirmando na íntegra a decisão recorrida.

  1. Inconformado, recorre agora para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a motivação nos seguintes termos[1]: «I - O Tribunal da Relação de Évora ao sufragar a posição assumida pelo Colectivo de Lagos fez com que a única prova valorada nos autos permanecesse apenas e só, a resultante dos depoimentos para memória futura prestados pelas menores; II – Os depoimentos para memória futura para serem lidos/ouvido em audiência têm que respeitar as normas de produção de prova constantes do artigo 341.º do Código de Processo Penal, o que a Relação de Évora não considerou violando, de igual modo a citada disposição legal; III – A audição de tais declarações efectuada no final da audiência impediu a submissão de tais declarações ao contraditório pela defesa pois as suas testemunhas já haviam sido ouvidas; IV - O Tribunal da Relação de Évora, veio avalizar tal comportamento que impediu a submissão das declarações prestadas para memória futura ao debate contraditório; V – Pelo que o a Relação de Évora, à semelhança do que havia feito o Tribunal de Lagos valorou prova em clara violação do Princípio do Contraditório; VI – O que gera a nulidade da decisão; VII – A prova assim obtida não pode ser valorada e, em consequência, sustentar uma condenação; VIII – O facto de o Colectivo de Lagos não ser o mesmo que analisou as declarações das vezes anteriores, ao impedir-se o contraditório, criou uma situação que forçosamente levou a erros de julgamento; IX – Acresce que as declarações para memória futura foram tomadas em 27 de Maio de 2008, após dois pais terem ido à televisão em 8 de Maio conforme referido no artigo 20.º da Contestação, inquinando assim tal meio de prova; X – Foi por essa razão que se requereu a renovação da prova pois os erros de julgamento causados pela deficiente produção de prova, tal impunha; XI – Ao manter a existência dos mesmos vícios e perante a ilegalidade da recusa da renovação da prova, o Acórdão sob recurso feriu-se a si próprio de ilegalidade, violando as mesmas disposições legais; XII – Não se questiona o princípio da livre apreciação da prova, mas sim o facto de se ter ultrapassado os limites da sua própria discricionariedade; XIII – O que se põem em causa é que a apreciação dos factos feita pela Primeira Instância e que levaram a uma decisão contrária à lógica do homem médio e da experiência comum seja sufragada, sem mais, pelo Acórdão sob recurso; XIV – Por outro lado, o facto de o próprio Tribunal da Relação de Évora ter imposto à Primeira Instância a produção de prova em termos técnicos e que tal falta seria razão para a não renovação da prova, não teve quaisquer consequências práticas nos presentes autos; XV - Não houve um testemunho técnico – médico, psiquiátrico, pedopsiquiátrico, psicólogo – que atestasse a violação por parte do Arguido do bem jurídico protegido pela norma ao abrigo da qual vem acusado.

    XVI – A Primeira Instância não produziu tal prova e a Relação a tal não deu a importância que a própria anteriormente lhe atribuiu; XVII - A menos que se considere que o arguido é culpado ab initio, a prova produzida é passível de, pelo menos, gerar uma dúvida consistente relativamente à realidade dos factos; XVIII- O Supremo Tribunal de Justiça tem competência para sindicar a violação do princípio do in dubio pro reo quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, a conclusão retirada em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção; XIX – No caso vertente, impõe-se essa sindicância; XX – Não é referido no acórdão sob recurso, nem tal demonstração foi feita, que as eventuais atitudes do arguido tenham posto em causa a autodeterminação sexual das menores; XXI – Era à acusação que cabia fazer tal prova e tal não aconteceu; XXII – Não há qualquer evidência de sequelas nas menores envolvidas nos presentes autos; XXIII – O que naturalmente acarreta que o tipo de crime não se encontra completo; XXIV – Ainda que se considere que o Arguido cometeu os actos de que vem acusado, a pena aplicada é de um exagero gritante; XXV – De facto, verifica-se que a medida de pena aplicada está totalmente desfasada da realidade e, principalmente, da pessoa do arguido; XXVI – O Acórdão sob recurso concorda, erradamente, com a prognose desfavorável feita sobre a personalidade do Arguido.

    XXVII – A imposição de uma pena de prisão efectiva decorridos tantos anos sobre a data ou datas das eventuais práticas dos actos apresentar-se-ia no quadro actual como facto muito perturbador da actual vivência do arguido; XXVIII – A pena de nove anos aplicada ao arguido está completamente desfasada com penas aplicadas por este Alto Tribunal em casos em que a gravidade não é sequer comparável e em que as penas foram comparativamente muito menores; XXIX – Não há razão nenhuma para que no caso concreto não se parta do limnite mínimo da pena e assim atingir-se uma pena única no limite dos cinco anos e que, consequentemente, permita a suspensão da sua execução; XXX - A simples ameaça da execução da pena como medida de reflexos sobre o comportamento futuro será suficiente para dissuadir o recorrente de futuros crimes; XXXI – Pelo exposto, encontram-se assim violados pelo acórdão sob os artigos 127.º 327.º, 355.º n.º1, 341.º e 430.º, n.º1 todos do C.P.P e ainda os artigos 32.º n.º2 e n.º5 da Constituição da República Portuguesa; XXXII - Violou ainda os artigos 71.º n.º 1 e 72.º ambos do Código Penal.

    XXXIII - Ao sufragar a condenação da forma que o fez o acórdão é nulo nos termos da alínea b) e c) do n.º1 do artigo 379.º do C.P.P.

    A final pede que: «a) [Seja] o Tribunal da Relação de Évora obrigado a proceder à renovação da prova nos termos legais;» b) Caso assim não se entenda, [seja] (…) o Arguido absolvido por falta de provas que permitam a sua condenação; c) Caso assim não se entenda, e por mero dever de patrocínio, requer-se que seja a pena a aplicar ao Arguido reduzida para o limite máximo de 5 anos por forma a permitir a suspensão da respectiva execução;» e, d) Em qualquer caso, seja «o acórdão condenatório revogado e substituído por outro que declare a absolvição do arguido de todos os crimes de que vinha acusado».

  2. No tribunal da relação de Évora, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, na resposta à motivação do recurso, formula as seguintes conclusões: «1. Nos termos do artigo 434.º do CPP o recurso para o STJ visa exclusivamente questões de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º n.

    os 2 e 3 do mesmo diploma legal – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergente da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410° nº 2 do Código de Processo Penal e/ou nulidade da decisão, nos termos do artigo 379.º n.º 2 do CPP – cfr. Art.º 410.º n.º 3 do CPP.

  3. O recorrente suscita neste recurso as questões que colocara ao desembargo do tribunal da relação, formulando acervo conclusivo com questões ora (re)suscitadas e que foram já bastamente dilucidadas no acórdão recorrido.

  4. No recurso interposto o que salta à vista é que o arguido motiva como se estivesse a impugnar a decisão proferida em 1ª instância, mas não já o douto acórdão publicado pelo Tribunal da Relação de Évora do qual recorre.

  5. O Tribunal da Relação encerrou o ciclo do conhecimento da matéria de facto, por um lado, e a decisão proferida não ostenta qualquer vício, ao nível dessa mesma matéria, que a torne uma decisão incorrecta, ao ponto de vista da lógica jurídica, a impor qualquer conhecimento oficioso de vícios elencados no artigo 410.º n.º 2 do CP.

  6. Por isso, entendemos que o recurso apresentado pelo arguido não pode manifestamente, proceder, razão pela qual deve o mesmo ser rejeitado (art. 420.º, n.º 1 al.a) do CPP.

  7. Sem conceder, sempre se dirá que está devidamente concretizada está devidamente concretizada a materialização e autoria dos crimes pelos quais se mostra condenado.

  8. A...

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