Acórdão nº 350/00.6JACHV.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | ISABEL SÃO MARCOS |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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Relatório 1.
No então 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves e no âmbito do Processo nº 350/00.6JACHV, actual Comarca de Vila Real – Vila Real – Instância Central – Secção Criminal – J2, por acórdão de 25.10.2013, foi julgado e condenado, no que releva para o caso aqui em apreciação, o arguido AA, pela prática de um crime tentado de roubo, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, e 210.º, número 1, do Código Penal, e de um crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131.º do mesmo diploma, nas penas parcelares de dois anos de prisão e de dez anos de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de dez anos e seis meses de prisão, e bem assim no pagamento das quantias de €5.696,04 ao Instituto de Segurança Social, €54,06 ao Hospital Distrital de Chaves, e €109.104,55 à assistente BB.
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Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 10.12.2014, negando provimento ao mesmo recurso, manteve integralmente o aresto recorrido.
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Irresignado com o assim decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, o arguido AA interpôs, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído, da motivação que apresentou, as seguintes conclusões: «1. A decisão recorrida é NULA por não ter ponderado, adequadamente, a NULIDADE INVOCADA da decisão de 1ª instância e por não ter procedido ao adequado reexame da matéria de acto impugnada.
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Efectivamente, a matéria constante da contestação tem de ser ponderada especificadamente, como o impõe o artigo 368.º, nº 2 do CPP, e não como calha ou por semelhança.
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O exame critico da prova, não é a narrativa da mesma, nem se compadece com a afirmação não sustentada de que a) ou b) mereceram credibilidade e c) e d) não.
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Da leitura da mesma tem de perceber-se que raciocínio se seguiu para declarar provado este facto e não aquele.
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Tal não pode ser por palpite.
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Porém, tal ocorreu na decisão de primeira instância.
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A matéria de facto concretamente contestada tem de ser reponderada pela 2ª instância e a mesma não pode fugir de tal dever com o argumento de não ter a imediação.
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Mas, foi o que ocorreu.
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Como ressalta de folhas 2421 a 2428, o recorrente não só concretizara as concretas provas que impõem decisão diversa da contestada, como, a folhas 2428, demonstrara as razões da sua discordância, sendo que entre as primeiras se encontravam documentos (folhas 11, 102 e seguintes e 209 a 216) e na segunda se fazia referência específica ao facto de o falecido ir para o local com bala na câmara, com valor monetário diferente do acordado, quantia que levara na 1ª vez, mas tinha dito não ter levado, ser incompatível a versão do CC com o facto de o DD ter sido atingido do lado direito (a testemunha sustentou que o DD estava em frente ao recorrente, e, pois, se fosse verdadeira a sua versão teria de ser atingido de frente), mas bem compatível com a versão do recorrente, o facto de a arma do falecido ter ficado encravada (o que quer dizer que daria mais tiros se tal não tivesse ocorrido) e a realidade objectiva de o CC se querer alhear dos termos do negócio quando esteve presente em todas as diligências e não poder ter saído do local antes de todos os tiros terem acontecido já que serviu de escudo ao recorrente e, por isso, impediu que fosse atingido.
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Porém, a decisão recorrida fugiu desse dever.
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É, assim NULA a decisão recorrida por violação do artigo 379.º nº 1, alínea c) do CPP.
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Por mera cautela, face ao teor da decisão recorrida, vem arguir a inconstitucionalidade da interpretação feita dos artigos 127.º e 412.º nº 3 do CPP, no sentido de que a 2ª instância não tem que ponderar a concreta matéria de facto impugnada e que tem limites para isso por violação do artigo 32º nº 1 da CRP.
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O recorrente agiu perante agressão a ser perpetrada e quando a mesma ocorria.
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Tal exclui a ilicitude do seu comportamento, considerando o disposto nos artigos 31.º nº 2, alínea a) e 32.º, ambos do CP.
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Deve, pois, ser decretada a sua absolvição.
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Os factos ocorreram há mais de 14 anos.
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Ocorreram em circunstâncias bem específicas, tendo o recorrente, desde então, e também até então, comportamento sem mácula.
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O crime de roubo não se verificou, pelas razões já expostas.
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Se, por hipótese académica, se pudesse aceitar a verificação do crime de homicídio, as circunstâncias concretas do mesmo, o comportamento anterior e posterior, o decurso do tempo, as suas circunstâncias específicas de integração social, justificam a atenuação especial da pena, pelo que nunca a mesma poderá ser fixada em medida superior a 4 anos, devendo ser suspensa na sua execução por se verificarem os respectivos pressupostos.
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Ao ter entendido de outra forma, a decisão recorrida violou os artigos 50.º, 71.º, 72.º e 73.º, todos do C.P.
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Deve, pois, ser revogada nos termos em que o reclama».
Na oportunidade, o arguido AA requereu a realização de audiência a fim de nela ser debatido o levado às conclusões (artigo 411.º n.º 5 do CPP).
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Ao motivado e assim concluído pelo recorrente, respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, que concluiu nos seguintes moldes: «A. O douto Acórdão recorrido não enferma de nulidades; B. Nenhuma censura merece a opção de não considerar abrangida pela legítima defesa a conduta do arguido recorrente; C. Nenhuma censura merece a opção pela não aplicação do regime da atenuação especial da pena; D. A interpretação das normas feita pelo Tribunal da Relação do Porto não viola a Constituição da República Portuguesa». Rematou o Senhor Procurador-Geral-Adjunto no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
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Desta resposta, apresentada pelo Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, foi dado conhecimento aos demandantes, o “Instituto de Segurança Social”, o “Hospital Distrital de Chaves” (confira-se folhas 2.638 e 2.639) e bem assim ao arguido AA (confira-‑se folhas 2.640).
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Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral-Adjunto, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, consignou que reservava para a audiência, requerida pelo arguido, a exposição da sua posição sobre o recurso.
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Por ter sido requerida, como referido, pelo arguido AA a realização de audiência (número 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal), procedeu-se à mesma para, de acordo com o peticionado pelo recorrente, «…nela ser debatido o levado às conclusões» do recurso que apresentou.
Assim, no início da audiência, a Relatora enunciou as questões que, abordadas na motivação do recurso e respectivas conclusões, são merecedoras de exame por parte deste Tribunal, nos termos do número 1 do artigo 423.º do Código de Processo Penal.
Nas alegações oralmente proferidas, o Excelentíssimo Mandatário do arguido AA reiterou, em suma, a posição já defendida no recurso que interpôs para este Tribunal, e o e Excelentíssimo Mandatário do Instituto de Segurança Social- IP- Centro Nacional de Pensões pugnou, em resumo, pela manutenção da decisão recorrida.
Por sua vez, o Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, não dissentindo, no essencial, da posição assumida pelo Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, pronunciou-se, em resumo, no sentido de não merecer provimento o recurso interposto pelo arguido.
E isto, em suma, porque, quanto às questões reportadas à impugnação da decisão sobre matéria de facto que, a pretexto de alegadas nulidades, o recorrente suscita, não cabe a este Tribunal, quando, como no caso, intervém como tribunal de revista, apreciá-las. Do mesmo passo que, tendo apreciado as questões que lhe foram colocadas pelo recorrente, a Relação não incorreu em qualquer omissão de pronúncia. Sendo que, no que concerne ao crime tentado de roubo, tendo a Relação confirmado a decisão do Tribunal de 1.ª instância, nessa parte o recurso resulta inadmissível, em face do disposto nos artigos 432.º, número 1, e 400.º, número 1, alínea f), ambos do Código de Processo Penal.
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Tudo visto, cumpre decidir.
*** II. Dos Fundamentos II.1 – De Facto O tribunal recorrido declarou provados os seguintes factos: «1) Nos primeiros dias de Agosto do ano de 2000, a vítima DD foi contactado por EE - que também usava o nome de C… C… e usava e usa a alcunha de "T…" - que lhe propôs a venda de vários telemóveis (20) da marca Nokia, modelo 8850, pelo preço unitário de 40.000$00 ou €199,52.
2) O EE apresentou-se como intermediário no negócio, uma vez que o vendedor seria um indivíduo do Porto.
3) No dia 21/08/2000, cerca das 14 horas, a fim de concretizarem aquele negócio, encontraram-se junto a um café, sito em frente ao mercado municipal desta cidade, a vítima DD, a testemunha CC e o EE.
4) Este último chamou pelo telemóvel o indivíduo que havia indicado como sendo o vendedor vindo do Porto, o arguido AA.
5) O arguido conduzia um veículo de marca BMW, série 5, de matrícula não apurada.
6) A vítima DD, o CC e o EE entraram no veículo conduzido pelo arguido e circularam pela cidade de Chaves, aproveitando o último para revelar as características técnicas e os preços dos telemóveis de que se dizia portador e dos que ia receber brevemente.
7) Após, deslocaram-se pela estrada nacional, no sentido Chaves-Vidago, até chegarem junto a uma sucata localizada próxima da aldeia de Bóbeda.
8) Aí, o arguido perguntou à vítima DD se possuía o dinheiro, ao que este respondeu que não.
9) Perante esta resposta, o arguido disse que a vítima estava a brincar consigo e regressou até junto do mercado municipal desta cidade, afirmando que a seguir o DD levaria o seu veículo e o dinheiro.
10) Então, a vítima e o EE saíram do veículo BMW e dirigiram-se para o automóvel do primeiro, vindo a encontrar-se, novamente, junto à sucata sita próxima da aldeia de Bóbeda.
11) Aí, o EE sugeriu que seria conveniente ocultarem os veículos na estrada que dá acesso à sucata e o arguido AA aconselhou a abertura do capô...
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