Acórdão nº 24/09.2TBMDA.C2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução22 de Janeiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB, instauraram uma acção contra CC e mulher, DD, pedindo I) que fosse declarado serem proprietários dos prédios que descrevem no artigo 1º da petição inicial (a), b) e c)), II) que os réus fossem condenados a reconhecer essa titularidade e que deles faz parte a área de 28,58 m² que ocuparam, e III) ainda a demolir os muros que construíram e a construir o que derrubaram, e a desimpedir a área ocupada ou IV) no pagamento das despesas que venham a ter com a construção desse mesmo muro, e, em qualquer caso, V) de uma indemnização pelos prejuízos causados com a destruição dos muros e apropriação da pedra, em montante a liquidar.

Em síntese, alegaram factos tendentes a demonstrar a aquisição por usucapião, afirmaram que actualmente os prédios constituem uma unidade, separada do exterior por muros, um dos quais ladeava o prédio dos réus e foi por estes destruído, apoderando-se os réus da pedra e ocupando um área de cerca de 28 m² de um dos três prédios, b). Afirmaram ainda que os réus construíram ilegalmente um muro em terreno seu e com uma altura que impede que o sol atinja esse prédio, prejudicando a sua qualidade como terreno de cultura.

Os réus contestaram Por entre o mais, impugnaram a aquisição por usucapião e deram uma versão diferente da situação descrita pelos autores. Nomeadamente, alegaram que existia um caminho que confinava com um muro seu, que os autores em parte derrubaram indemnizando os réus, e que permitia aos réus o acesso a um palhal de sua propriedade, ao qual se acedia passando “por uma eira comum a diversas pessoas, entre as quais os donos do palhal”; que a eira foi indevidamente ocupada pelos autores com uma construção, impedindo o acesso ao caminho e ao palhal, o que os obrigou a derrubar parte de um muro que fazia parte do conjunto predial dos autores, permitindo-lhes a passagem para o caminho e para o palhal, mas com grande dificuldade. Assim, derrubaram o muro e construíram outro, encostado a umas lanchas de pedra e a uma vedação que delimitavam o prédio b) referido pelos autores., no seu prédio. Não se apoderaram de pedra dos autores nem “de qualquer pedaço de área” do mesmo prédio b); e o muro que construíram, “em propriedade sua, é aproximadamente da altura das construções situadas nas suas extremidades”.

Os autores replicaram. Afirmaram, nomeadamente, que o caminho referido pelos réus não era um caminho particular, mas sim “uma servidão de passagem para o palheiro adquirido pelos réus, servidão essa que passava e ocupava terreno propriedade dos autores”, o prédio b). E que adquiriram esse e os outros dois prédios em 1981 “a EE e mulher, FF, como é do conhecimento dos réus”.

O valor da causa, sobre o qual as partes manifestaram divergência, foi fixado em € 85.300,00, após arbitramento (despacho de fls. 117).

A fls. 70 e segs. foi elaborada a lista de factos assentes e a base instrutória, da qual, para o que agora particularmente releva, constou desde logo o quesito 8º, com o seguinte conteúdo: “Na data referida em E) [“E) Os réus procederam, no dia 16/10/2008, à demolição de um muro de pedra”], os réus ocuparam, em cerca de 28 metros, o prédio descrito em B)?” (trata-se do prédio b), descrito na petição inicial).

No julgamento de facto, constante de fls. 163, foi respondido a este quesito 8º: “Provado apenas, e esclarecendo, que, ao derrubarem o muro de pedra e edificarem um outro, em local diferente, os réus acrescentaram, ao seu prédio, vinte e oito metros quadrados que, anteriormente, integravam a unidade dos prédios dos autores, com origem num dos seus três constituintes”.

E a acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 168, que declarou “os autores únicos e legítimos donos do conjunto de prédios identificados no artº 1º da petição, conjunto esse que integra a área ocupada de cerca de vinte e oito metros quadrados”, condenou os réus “a demolir o muro de blocos construído e a deixar livre e desocupada a referida área de cerca de vinte e oito metros quadrados, bem como na construção do muro divisório de pedra anteriormente existente” e absolveu os réus quanto ao mais.

Os réus recorreram; no recurso, impugnaram, designadamente, a resposta ao quesito 8º.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 229, a sentença foi anulada. O acórdão, tendo em vista a resposta que foi dada ao quesito 8º, impugnada, observou que a sentença deveria ter individualizado “o facto ou acto (…) de aquisição daquele direito real de propriedade” sobre os três prédios cuja titularidade reconheceu aos autores, neles incluída “a parcela de terreno objecto do dissídio”; mas não o fez: “em lado nenhum se diz por que modo é que os autores adquiriram aquele direito real de propriedade”. E acrescentou que “o demandado impugna o facto aquisitivo do direito real de propriedade alegado pelo demandante”, não sendo pois exacta a afirmação, na sentença, de que “aquele não conteste o direito deste”.

Assim, e após fundamentar como se deve entender a causa de pedir numa acção de reivindicação e o que se exige ao respectivo autor que prove, ainda que goze da presunção do registo, que aliás se restringe “aos elementos confrontadores do prédio”, o acórdão concluiu: “os autores alegaram uma posse boa para usucapião – mas nenhum dos factos invocados por aqueles relativos à posse e a este modo de adquirir o direito real – que são controvertidos por os réus os terem validamente impugnado – foram seleccionados para a base instrutória”, sendo portanto insuficiente a matéria de facto.

Por este motivo, o acórdão anulou a sentença e determinou a sua ampliação, “no tocante aos factos alegados pelos recorridos (…) relativos à posse boa para a aquisição por usucapião”; e considerou prejudicada a apreciação das questões suscitadas, nomeadamente quanto à impugnação da decisão de facto, relativa ao quesito 8º.

Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça; mas o recurso não foi admitido, pelo despacho de fls.287 Efectuou-se novo julgamento de facto (fs. 401), que manteve a resposta ao quesito 8º; e a fls. 411 foi proferida nova sentença, que decidiu nos mesmos termos da anterior.

  1. Os réus recorreram de novo para a Relação; e novamente impugnaram a resposta ao quesito 8º.

    Pelo acórdão de fls. 486, a Relação concedeu provimento à apelação e revogou a sentença, “em consequência do que também se julga procedente apenas em parte a acção, condenando os RR a reconhecer serem os A.A. os únicos e exclusivos proprietários dos prédios supra identificados sob os pontos 1), 2) e 3) da matéria de facto dada como assente, mas absolvendo-os de tudo o mais peticionado, por não provado.” Para o efeito, e nomeadamente, a Relação corrigiu oficiosamente o quesito 8º e a sua resposta, considerada conclusiva, introduziu as necessárias adaptações em outros pontos da matéria de facto e julgou prejudicada a impugnação deduzida contra essa resposta. No que toca ao mérito do recurso, a Relação, recordando que “o que se discute é apenas saber se a ocupação da área de 28 m² levada a cabo pelos réus e a destruição de um muro de pedra, efectuadas em 16/10/2008 (…) viola ou não esse direito de propriedade dos autores, isto é, torna-se necessário apurar se tais actos levados a cabo pelo réus incidiram ou não na área dos prédios dos autores (…)”, concluiu que a prova não releva “para o reconhecimento de uma eventual posse efectiva e duradoura por parte dos autores sobre a área de 28 m² em discussão (…)”.

    E acrescentou ainda que a prova revela sim que os réus e os anteriores proprietários donos do palheiro passaram pelo referido terreno, para acederem ao dito palheiro, durante vários anos, não inferiores a dez, passando por uma eira que pertencia, não aos autores, mas a...

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