Acórdão nº 538/14.2YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução09 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa promoveu, ao abrigo do disposto nos artigos 31.º e 50.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto Lei da Cooperação Judiciária Internacional ‒, o cumprimento do pedido de extradição formulado no âmbito do Processo Criminal n° ... do Tribunal de Donetsk, Ucrânia, do cidadão de nacionalidade ucraniana, AA, nascido a ..., em Donetsk, filho de --- e de ---, residente na Rua ---, «pela eventual prática em 14 de Dezembro de 2003, de um crime de ofensas corporais graves, p. e p. pelo art.º 121.º n.º 2 do Código Penal da Ucrânia, a que corresponde uma moldura penal abstractamente aplicável de pena de prisão de 7 a 10 anos e para procedimento criminal».

Apresentado o pedido, a Senhora Desembargadora Relatora determinou a notificação do extraditando, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55.º da Lei n.º 144/99, de 23 de agosto, o qual, em resposta, veio dizer, no essencial, que[1]: «(…) é um facto público e notório, pelo que não carece de prova, o conflito político-militar, que existe entre a República Ucraniana e a Federação Russa, coadjuvada por forças e milícias separatistas pró-Federação Russa iniciado em 2014, na sequência da chamada crise da Crimeia.

Alias, o pedido de extradição também data de 2014, sendo contemporâneo do referido conflito e o mesmo só terá sido formulado na medida em que, aquando do inerente processo ou procedimento, na República da Ucrânia ainda se vivia um período de relativa acalmia e de estabilidade político-militar.

O conflito militar de que se fala, tem gerado vários mortos, em resultado do estado de Guerra que ali se vive, bem como uma grave crise humanitária, levando a evasão das populações para fugirem daquela da guerra. Infelizmente, tal conflito tem preenchido de forma diária ou quase, as edições da Imprensa Internacional.

(…) tal conflito atingiu o seu apogeu precisamente na cidade de Donetsk, onde o requerido, caso seja extraditado, será supostamente julgado.

Sucede que tal contingência não permite assegurar, que o requerido seja julgado condignamente, com respeito da sua dignidade humana, enquanto pessoa que é, ou sequer que será julgado, pois o mais certo é que o requerido seja mobilizado para participar no conflito, integrando as forças militares ucranianas, em vez de ser julgado.

Termos em que, entende o arguido que tal factualidade preenche a reserva, que Portugal fez à Convenção Europeia de Extradição de 1957, ao abrigo do artigo 26.° desta e ainda constante da alínea b) do artigo 1.° do n.° 3 da Resolução da Assembleia da República n.° 23/89, segundo a qual “Portugal não concede a extradição de pessoas: ( … ) b) quando se prove que serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de um procedimento penal, que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis a salvaguarda dos direitos do homem, ou que cumprirão pena em condições desumanas; ...".» A final, o requerido pede que o pedido de extradição seja indeferido; ou, «no mínimo, (…) [que] as competentes autoridades Ucranianas [devem] ser interpeladas para garantirem que, não obstante o conflito militar e a crise humanitária que se vive na cidade de Donetsk, o julgamento terá lugar de acordo com as condições que asseguraram estarem preenchidas aquando da emissão do pedido de extradição».

Face a esta última parte do pedido e perante a não oposição do Ministério Público, foi determinado fosse oficiado «às autoridades ucranianas, nos precisos termos», o que foi efetuado, em 14 de maio pp, por ofício dirigido ao juiz de direito do «Petrovskyi District Court Donetsk».

Não tendo sido recebida resposta até 14 de julho de 2015, foi designado o dia 21 de julho, dia de turno da Senhora Desembargadora Relatora, para a conferência, «com dispensa de “vistos”.

  1. Por acórdão datado de 21 de julho, depois de se mencionar que «[o] objecto do processo reconduz-se à verificação dos requisitos do pedido de extradição apresentado pela República da Ucrânia, em relação ao cidadão - AA», afirma-se, sob a epígrafe «CUMPRE APRECIAR»: «O pedido de cooperação internacional em matéria penal para extradição obedece ao estatuído no art. 31º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto e art.ºs 1º e 2º da Convenção Europeia de Extradição (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia de República nº23/89) e consiste numa decisão judiciária, emitida por um Estado com vista à detenção e entrega por outro Estado de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal, cumprimento de pena ou medida de segurança privativa da liberdade, desde que o crime, que justificou a pena a cumprir seja punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente, com pena ou medida privativas da liberdade de duração máxima não inferior a um ano e o tempo de privação da liberdade a cumprir não for inferior a quatro meses.

    Perante os factos constantes dos autos, não existem dúvidas sobre a competência do tribunal do Estado requerente para o julgamento.

    O crime imputado é punível pela lei ucraniana como pena de prisão de duração não inferior a um ano, o mesmo acontecendo em relação à lei portuguesa (art.

    os 1º e 2º, da Convenção Europeia de Extradição - aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia de República nº23/89 e art.

    os 144.º e 147.º n.º 1 do nosso Código Penal).

    A Sr.ª Ministra da Justiça de Portugal considerou admissível o pedido de extradição em causa, mediante proposta da PGR. O processo encontra-se instruído com todos os elementos previstos nos art.

    os 12.º da Convenção Europeia de Extradição e 23.º e 44.º da Lei n.º144/99, de 31/08.

    Verificam-se todos os requisitos exigidos pelos arts. 1.º, 2.º e 22.º da Convenção Europeia de Extradição e pelos art.

    os 1.º alª. a), 3.º e 31.º, da Lei n.º144/99, de 31/08, para que seja autorizada a extradição.

    *** Ora, o pedido de extradição foi deduzido pela República Ucraniana e tem em vista apresentar o requerido a julgamento no Tribunal Distrital de Petrovsky, cidade de Donetsk, na Ucrânia, por factos ocorridos em 2003.

    Porém, é um facto público e notório, o conflito político-militar, que existe entre a República Ucraniana e a Federação Russa, coadjuvada por forças e milícias separatistas pró¬-Federação Russa, iniciado em 2014, na sequência da chamada crise da Crimeia e que ainda continua com as trágicas consequências conhecidas.

    Alias, o pedido de extradição também data de 2014, sendo contemporâneo do referido conflito e o mesmo só terá sido formulado na medida em que, aquando do inerente processo ou procedimento, na República da Ucrânia ainda se vivia um período de relativa acalmia e de estabilidade político-militar.

    Presentemente, o conflito militar de que se fala, tem gerado vários mortos, em resultado do estado de Guerra, que ali se vive, bem como uma grave crise humanitária, levando a evasão das populações para fugirem daquela.

    Infelizmente, tal conflito tem preenchido de forma diária ou quase, as edições da Imprensa Internacional.

    Actualmente, tal conflito atingiu o seu apogeu precisamente na cidade de Donetsk, onde o requerido, caso seja extraditado, será supostamente julgado.

    Tal contingência não permite assegurar, que o requerido seja julgado condignamente, com respeito da sua dignidade humana, enquanto pessoa que é, ou sequer que será julgado, pois o mais certo é que o requerido seja mobilizado para participar no conflito, integrando as forças militares ucranianas, em vez de ser julgado.

    Termos em que tal factualidade preenche a reserva, que Portugal fez à Convenção Europeia de Extradição de 1957, ao abrigo do artigo 26.º desta e ainda constante da alínea b) do artigo 1.º do n.º 3 da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, segundo a qual: "Portugal não concede a extradição de pessoas: (…) b) quando se prove que serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de um procedimento penal, que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis a salvaguarda dos direitos do homem, ou que cumprirão pena em condições desumanas; ...".

    Assim sendo, justifica-se no caso presente a recusa do pedido de Extradição solicitado pela República Ucraniana – art.º 6.º n.º 1 al.ª da já referida Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.» A final, foi proferida decisão, julgando, além do mais, «procedente a oposição deduzida com fundamento no disposto nas normas supra referidas e em consequência, recusa-se a execução da extradição de AA.» 4. Inconformado com a decisão de recusa de extradição, dela recorre o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: «a) O processo que conduziu à decisão sofre de irregularidades graves que afectam o valor do acórdão recorrido, o qual, por sua vez, padece de vícios de fundamentação que ferem irremediavelmente a sua validade e de erro de julgamento em matéria de facto e de direito.

    1. O extraditando, notificado para deduzir oposição nos termos do artigo 55.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, não requereu a produção de prova, limitando-se a invocar a não verificação dos pressupostos da extradição por considerar preenchida a reserva que Portugal apresentou ao artigo 1.º da Convenção Europeia de Extradição, segundo a qual "Portugal não concederá a extradição de pessoas: (...) b) Quando se prove que serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de um procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos...

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