Acórdão nº 795/16.0YRLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – O Ministério Público promoveu no Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo nº 795/16.0YRLSB, o cumprimento de um Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido pelo Juzgado Central de Instruccion n° ... da Audiencia Nacional de Espanha para entrega do cidadão nacional AA.

    Por acórdão de 2016.12.15 foi proferido acórdão que reconheceu como exequível o mencionado MDE e determinou a emissão de mandado de captura para que lhe fosse dado cumprimento.

    O requerido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça formulando na motivação respectiva as seguintes conclusões (transcrição): 1.a O presente processo padece da nulidade insanável prevista no art. 119.°, al. a), do CPP por, não obstante ter sido realizado por três Juízes Desembargadores, o foi em conferência, não tendo o Presidente da Secção tido intervenção no julgamento, tendo tão só dirigido os trabalhos da conferência, em violação dos arts. 56.°, n.° 1, da Lei n.° 62/2013, de 26.08, ex vi art. 73.º da mesma lei, do art. 12.º, n.° 3, al. c), in fine, e n.º 4 do CPP e do art. 15.°, n.° 2, e 22.°, n.º 1, da Lei 65/2003, de 31.08.

  2. a O presente processo padece de nulidade nos termos do art. 120.°, n.° 2, al. a) e d), do CPP, ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08, por ter sido utilizado uma forma de processo (julgamento em conferência) quando a lei manda utilizar outra (julgamento em audiência oral) e assim omitido acto legalmente obrigatório, nulidade que expressamente se invoca.

  3. a A omissão da realização da audiência oral e das alegações orais previstas no art. 21.° da Lei 65/2003, de 23.08 integra ainda a nulidade prevista no art. 120.º, n.° 2, al. d), do CPP, ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08 que aqui também expressamente se invoca ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08.

  4. a Ainda que assim não se considerasse, sempre tal omissão seria uma irregularidade que aqui expressamente se invoca.

  5. a Tal irregularidade é susceptível de afectar o valor do acto da decisão sobre a execução do MDE, já que esta é proferida sem que os sujeitos processuais — pessoa procurada e Ministério Público — tenham podido alegar, de facto e de direito, sobre a matéria do pedido de entrega e da oposição, com isso influindo na decisão final a proferir.

  6. a As diligências referidas nos n.° 2 e 3 do requerimento probatório constante da oposição são relevantes para a aferição da causa de recusa invocada na sua oposição prevista no art. 12.°, n.° 1, al. b), da Lei 65/2003, de 23.08 (pontos 1 a 50 da oposição).

  7. a As diligências referidas no n.º 1 do requerimento probatório constante da oposição são relevantes para sanação da irregularidade do MDE invocada na oposição (pontos I a IV da oposição).

  8. a Ao contrário do que afirma a decisão recorrida, estes meios de prova são absolutamente relevantes para esclarecer cabalmente a verificação do pressuposto de aplicação da causa de recusa invocada, e, em particular, sobre se os factos em apreciação nos presentes autos e nos processos referidos são os mesmos para efeitos da referida causa de recusa.

  9. a Bem como para permitir sanar a irregularidade de que padece o MDE por não indicar o momento da prática dos factos imputados à pessoa procurada, o que é essencial para a garantia do princípio da especialidade, da qual a pessoa procurada não abdicou.

  10. a Sendo relevantes para tais efeito, deveriam as mesmas ter sido ordenadas por não ser aplicável qualquer dos motivos de indeferimento previstos no art. 340.º, n.° 3 e 4, do CPP, aplicável ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08 e requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida neste ponto e determinar a realização daquelas diligências.

  11. a Em qualquer caso, a omissão da realização das diligências requeridas nos n.ºs 1, 2 e 3 , já que não podem ser indeferidas ao abrigo do art. 340.°, n.º 3 e 4, do CPP, aplicável ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08, é legalmente obrigatória e, como tal, a sua omissão consubstancia também a nulidade prevista no art. 120.°, n.° 2, al. d), do CPP, ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08 que aqui também expressamente se invoca ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08.

  12. a A omissão de notificação à pessoa procurada do despacho que se pronuncia sobre a admissibilidade da prova requerida em momento prévio às alegações e à decisão sobre a execução do Mandado de Detenção Europeu consubstancia a nulidade prevista no art. 120.º, n.° 2, al. d), do CPP, ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08 que aqui também expressamente se invoca ex vi art. 34.° da Lei 65/2003, de 23.08.

  13. a Ainda que assim não se considerasse, sempre tal omissão seria uma irregularidade que aqui expressamente se invoca.

  14. a Tal irregularidade é susceptível de afectar o valor do acto da decisão sobre a admissibilidade dos meios de prova e da própria decisão sobre a execução do MDE, já que não permite à pessoa procurada esgrimir os seus argumentos ou arguir vício contra a decisão sindicada e vê-la, se necessário, revogada ou anulada no momento próprio – a decisão final sobre a entrega.

  15. a Compulsado o teor dos MDE não é possível concordar com a decisão recorrida quanto à inexistência da irregularidade suscitada por falta de indicação do momento da prática da infracção pelo recorrente.

  16. a Essas circunstâncias, pelo menos no terminus a quo têm de estar concretizadas, sem o que não será possível, posteriormente, aferir o cumprimento da garantia da especialidade.

    17.2 É insuficiente, para este efeito, considerar que o MDE precisa suficientemente os factos, já que "não sendo ele [o recorrente] o autor único dos factos", "resulta patente que as actividades" descritas no MDE "tinham começado mais de três anos antes da decisão, prosseguindo ainda".

  17. a O MDE está sujeito ao princípio da especialidade, cuja operatividade é delimitada pelo conjunto de factos históricos juridicamente enquadrados enunciados no MDE, bem como pelo momento da prática do facto, não podendo estes ser precisados – como aceita a decisão recorrida – por referência à actuação de outras pessoas e de forma indeterminada.

  18. a E o segmento imputado ao requerente não se encontra devidamente circunscrito no tempo.

  19. a Ao não declarar procedente a irregularidade arguida do MDE que dá origem aos presentes autos por este não conter quanto ao recorrente indicação do momento da prática da infracção, violou o tribunal recorrido o disposto no art. 8.°, n.° 1, al. e), da Decisão-Quadro 2002/584/JAI (transposto pelo art. 3.°, n.° 1, al. e), da Lei 65/2003, de 23.08).

  20. a No que se refere à causa de recusa prevista na al. b), do art. 12.°, n.° 1, da Lei 65/2003, refere a decisão recorrida que dos documentos resulta que o processo em Espanha abrange não só os factos que fazem parte do processo em Portugal, mas outros que ocorreram noutros países.

  21. a Ora, todos esses factos estão abrangidos no processo português (pelo menos no que ao recorrente respeita e que para efeitos do ne bis in idem é o que interessa, sendo irrelevantes as imputações feitas a outras pessoas).

  22. a Tal decorre dos elementos juntos pelo ora recorrente.

    24.2 Não considerando o Tribunal porventura suficientes tais elementos, sempre teria de ter considerado – no mínimo – deles resultar indiciada a identidade e como tal existir alegação fundada da identidade de factos e ter requerido os esclarecimentos pertinentes às entidades envolvidas, tal como requerido pelo recorrente na sua oposição em sede de diligências probatórias (pontos 2 e 3 do requerimento).

  23. a É que, tratando-se de factos ainda em investigação, não dispõe o recorrente de elementos mais cabais – maxime despacho de acusação – e por isso não lhe poderia ser exigido mais do que a junção dos elementos que carreou e que é perfeitamente suficiente a deixar comprovada e no mínimo fortemente indiciada urna identidade de factos.

    26.4 Em qualquer caso, dois argumentos deitam por terra a decisão recorrida no ponto em que considera não estar preenchida a factispécie da causa de recusa invocada.

    27.4 Um primeiro de natureza factual: a factualidade em investigação em Espanha é, segundo a decisão recorrida, mais ampla e abrangente. Porém, essa abrangência refere-se a factos praticados por outras pessoas e por isso é irrelevante para aferir o preenchimento da causa de recusa prevista no art. 12.°, n.° 1, a. b), da Lei 65/2003, de 23.08.

    28.4 O segundo de natureza jurídica: a. O conceito de ne bis in idem transnacional para efeitos da interpretação da Lei 65/2003, em conformidade com a Decisão-Quadro 2002/584/JAI que estra transpõe, é um conceito autónomo de direito da União Europeia.

    b. De acordo com este conceito, entende-se constituírem os mesmos factos quando estamos perante circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si, designadamente através dos elementos tempo, espaço e objecto (TJUE) (Cf. Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJEU) Van Esbroeck, de 9 de Março de 2006, processo n.° C-436/04, §§ 27, 32 e 36, e Van Straaten, de 28 de Setembro de 2006. processo n.° C-150/05, § 41. 47 e 48.) c. Este conceito é relevante para a interpretação do art. 4.º, n.° 2, da Decisão-Quadro n.° 2002/584/JAI, transposto pelo art. 12.°, al. b), da Lei 65/2003, de 23.08 d. Resulta claramente da jurisprudência do TJUE que a classificação jurídica da infracção é irrelevante para a aferição da identidade dos factos.

    e. Por este motivo é irrelevante o argumento do Tribunal a quo de que em Espanha estará também em investigação o crime de "associação criminosa".

    29.4 Mais, a decisão recorrida admite a sobreposição factual entre o processo pendente em Portugal e o processo no qual foi emitido o MDE, considerando que os factos contidos no primeiro se encontram também contidos no segundo.

    30.4 Por isso não pode deixar de considerar-se que estão em casa os mesmos factos para efeitos da causa de recusa suscitada e constante do art. 12.°, n.° 1, al. b), da Lei 65/2003, de 23.08.

    31.4 Ao decidir de forma diferente, violou a decisão recorrida o art. 12.°, n.° 1, al. b), da Lei 65/2003, de...

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