Acórdão nº 29/15.4TRLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução06 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No processo de instrução n.º 29/15.4TRLSB, do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é assistente AA, advogado, e arguida BB, juíza ..., por decisão instrutória de não pronúncia, de 16/11/2016, foi decidido não pronunciar a arguida pela prática de um crime de difamação agravada e de um crime de injúrias agravadas, previstos e punidos pelos artigos 180.º, n.º 1, 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alínea l), do Código Penal [CP].

2.

Inconformado, o assistente interpôs recurso do despacho de não pronúncia, formulando as seguintes conclusões: «1. O Recorrente vem apresentar recurso da decisão instrutória, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, à luz do artigo 12.º, n.º 6 do CPP e que decidiu não pronunciar a Arguida, juíza ...

, pela prática dos crimes de injúrias e difamação, previstos e punidos pelos artigos 180.º, n.º 1 e 181.º, n.º 1 do CPP, sendo ainda agravados, por força do artigo 184.º do mesmo diploma legal.

«2. Está em causa nestes autos, a resposta da Arguida a incidente de suspeição contra si formulado, em acção cível, onde a mesma afirmou que o Advogado (aqui Assistente) "havia proferido falsidades a seu respeito" ("vide" ponto 9 do elenco dos factos indiciariamente provados na decisão instrutória).

«3. Foi ainda levado em conta, na fundamentação da decisão instrutória (ver página 13, 3.º parágrafo) que a Arguida, na qualidade de Juíza, veio afirmar em tal contraditório ao incidente de suspeição que o Advogado (aqui Assistente), proferiu falsidades a seu respeito, porque a sentença final de 15/12/2014 tinha sido desfavorável à sua Constituinte (artigo 37.º do RAI, não elencado na matéria dos factos indiciariamente provados).

«4. Sobre o elemento objectivo do tipo de crime de injúrias e difamação pensamos estar tudo dito, porque o Tribunal "a quo", na sua decisão instrutória considerou (e muito bem, a nosso ver) que apelidar alguém de falso, sobretudo tratando-se de Advogado, dizendo que o mesmo apenas se socorre de um incidente de suspeição porque a sentença lhe foi desfavorável, pode ser considerado objectivamente ofensivo (ver página 13 da decisão instrutória).

«5. Também concordamos em absoluto que se diga que o conteúdo da resposta da Arguida não foi nada agradável e simpático para o Assistente (ver página 15 da decisão instrutória), porque de facto não o foi, pelos motivos enunciados nos artigos 49.º a 58.º da queixa-crime e artigos 50.º a 56.º do RAI.

«6. As discordâncias com a decisão instrutória começam quando analisamos as considerações vertidas, a propósito do elemento subjectivo dos crimes em investigação, designadamente por, tanto o M.P., como o Juiz de Instrução, terem desculpabilizado o emprego das expressões da Arguida, por estarem inseridas num contexto de defesa processual e direito de resposta no exercício do contraditório ao incidente de suspeição.

«7. O Tribunal "a quo" chega mesmo a citar o despacho de arquivamento do M.P. para dizer que não podem os factos denunciados serem susceptíveis de integrar a previsão dos crimes de difamação e injúrias, "sob pena de qualquer magistrado que exerça um direito de resposta, apresentando a sua versão dos factos e apenas com o propósito de esclarecer o Tribunal a quem era dirigido, possa vir a ser objecto de processo criminal" ("sic", página 2 da decisão instrutória).

«8. No entanto, nada de mais errado, pois como vimos, a Arguida, na qualidade de juíza ..., em vez de factos (que nem sequer ofereceu na sua versão), apenas apontou juízos de valor ao Assistente, desconsiderando-o na sua pessoa, apelidando-o de falso e ardiloso, por dizer que o incidente de suspeição que continha falsidades a seu respeito, mais não era que uma forma de reagir à sentença desfavorável.

«9. Embora a decisão instrutória não faça menção ao artigo 31.º, n.º 2 do CP, a mesma parece apontar para uma causa de exclusão de ilicitude, pelo afastamento do elemento subjectivo do tipo criminal, ao entender enquadrar-se as expressões, no âmbito de um exercício legítimo de um direito de defesa (recaindo por conseguinte na previsão da alínea b) do aludido n.º 2).

«10. Porém, tal como conclui o Acórdão do STJ, relativo ao Processo n.º 5/13.1TRGMR.S1, datado de 09/04/2015, "in" www.dgsi.pt e que norteia toda a nossa fundamentação, também dizemos que a decisão aqui recorrida parece ignorar, ou pelo menos desvalorizar, que o objecto da resposta ao incidente de suspeição da juíza ..., aqui Arguida, teria de incidir sobre factos (e não sobre juízos de valor), tal como impõe o artigo 122.º, n.º 1 do CPC.

«11. Como sempre se disse, a Juíza aqui Arguida limitou-se a negar os factos do incidente de suspeição, não se tratando de uma verdadeira impugnação, como se exige na lei processual civil, não só na esteira do aludido artigo 122.º, n.º 1 do CPC, mas também à luz do artigo 574.º do CPC que versa precisamente sobre o ónus de impugnação.

«12. Não fosse a Arguida ter visto o incidente de suspeição ser declarado extemporâneo e certamente os factos do incidente de suspeição seriam dados por confessados, por falta de impugnação especificada dos mesmos.

«13. Estipula o artigo 574.º do CPC que, ao contestar, deve o Réu tomar posição definida perante os factos, e isso foi coisa a que não assistimos na resposta ao incidente de suspeição da Arguida, a qual se limitou a impugnar por simples negação todos os factos, como o fez no ponto 9 da sua resposta, dizendo simplesmente: «9.º - Impugna-se o vertido nos artigos 19.º a 31.º do requerimento inicial do presente incidente, por não corresponder de todo ao ocorrido» ("vide" Doc. 1 da queixa-crime, a fls. 210 da numeração da certidão judicial, negrito e sublinhado nosso).

«14. Urge então perguntar à Arguida se os factos não correspondem "de todo" ao ocorrido, então como foi o ocorrido? A Arguida foi ver, a título particular, o imóvel objecto da acção cível que tinha em mãos (e em caso afirmativo, praticou um crime de prevaricação)? A Arguida afirmou esse evento no final da audiência de 14/12/2014, após o áudio estar desligado? «15. Eram estas as questões sobre as quais a Juíza, aqui Arguida, deveria ter tomado posição na resposta ao incidente de suspeição, esclarecendo cabalmente os factos, em vez de os impugnar da forma enviesada como o fez, o que para nós apenas denota o seu comprometimento com a verdade.

«16. Como se viu, o Assistente não tinha necessidade de inventar um incidente de suspeição para reagir a uma sentença desfavorável, tanto que depois, mais uma vez, conseguiu anular, através de recurso de Apelação, a segunda sentença desfavorável da Arguida e que se pretendia que fosse um aperfeiçoamento da decisão anterior.

«17. As considerações desprimorosas da Juíza Arguida, acerca do carácter do Assistente, ganham relevância no contexto em que foram proferidas, pelo especial dever de correcção e urbanidade que impende sobre as relações entre advogados e magistrados, por força do artigo 9.º do CPC.

«18. De acordo com o aresto jurisprudencial citado neste recurso (Acórdão STJ de 09/04/2015, Processo n.º 5/13.1TRGMR.S1), a lei não exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.

«19. Adiantando ainda tal aresto do STJ que a boa fé não pode significar uma pura convicção subjectiva, por parte do agente, antes tem de assentar numa imprescindível dimensão objectiva (dimensão essa que foi dada como assente para o Tribunal "a quo").

«20. "In casu", a consciência de ofender a honra do Assistente é facilmente assacada à Arguida pelos seguintes motivos óbvios: a Arguida é juíza ..., na resposta ao incidente de suspeição não ofereceu a sua versão dos factos como exigiam os artigos 122.º e 574.º do CPC e em vez de tecer factos, teceu juízos de valor, desprimorosos sobre o Advogado, aqui Assistente que nada era na acção (nem Autor, nem Réu, nem comproprietário ou arrendatário do imóvel em causa).

«21. Além de tudo o mais, a Arguida respondeu ao incidente de suspeição de forma muito duvidosa, alegando que o incidente de suspeição não havia sido suscitado oralmente no final da audiência de 12/12/2014, após o áudio estar desligado, ao contrário do que a testemunha Dr.ª CC depois veio afirmar (veja-se o artigo 10.º da resposta da Arguida ao incidente de suspeição, "in" Doc. 1 da queixa-crime, sob fls. 210 da numeração da certidão judicial, bem como o auto de declarações da aludida testemunha que é a Advogada da parte contrária na acção cível, a fls. 306 dos autos).

«22. Como se vê, a verdade com mais ou menos custo, acaba por vir ao de cima, sabendo o Assistente de antemão, como afirmou logo na queixa-crime que a Juíza faltou à verdade na sua resposta ao incidente de suspeição, por confiar no temor reverencial das testemunhas que presenciaram os factos (o funcionário judicial, a Advogada da parte contrária e a própria parte contrária, que têm usufruído das decisões favoráveis, entretanto anuladas pelo Assistente).

«23. Mas as estranhezas no comportamento da magistrada, aqui Arguida, não se ficam por aqui, pois não deve deixar também de revestir relevância na investigação de uma eventual prática de um crime de prevaricação, se a ultra-celeridade processual de proferir a sentença de 12/12/2014 (6.ª feira, dia da audiência) para dia 15/12/2014 (2.ª feira, data da decisão da Arguida), não serviu os interesses das partes do processo, mas sim os da própria Juíza, em sobrepor-se à entrada de um incidente de suspeição.

«24. Culminando a conduta anómala da Arguida, enquanto Juíza, com a afirmação surpreendente de que "nunca viu, nem conhece a Ré DD", conforme artigo 15.º da sua resposta ao incidente de suspeição (vd. Doc. 1 da queixa-crime, a fls. 21 da numeração da certidão judicial).

«25. Destarte, também aqui a Arguida veio a ser contrariada pelas testemunhas Constantino Calvela Alves, Dr.ª CC e a própria Ré da acção cível que confirmaram...

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